Wednesday 1 August 2018

Para o “bem da Igreja”

Brad Miner
Cá para mim as revelações sobre McCarrick vão acabar por ser uma coisa positiva. Como assim? Bom, uma parte da novela dos abusos sexuais dos padres é o encobrimento. Isso já sabemos, e que o encobrimento aumenta sempre o crime.

Quando um bom padre descobre os pecados homossexuais de um mau padre (de um bispo, então, nem se fale), e se esse bom padre vai falar com o seu pastor, ou com um bispo (de um arcebispo, então, nem se fale), o mais provável é ouvir uma versão deste discurso:

Obrigado. Temos de fazer algo sobre isto, e assim faremos! Mas, para o bem da Igreja, não deve dizer nada disto a ninguém. Os media aproveitariam uma história destas para desacreditar o próprio Catolicismo. Teve muita coragem em vir ter comigo, mas eu não quero que arrisque a sua carreira, tornando-se o foco de uma investigação sensacionalista.

Para uma Igreja que valoriza a hierarquia e a disciplina, trata-se de um obstáculo difícil de ultrapassar. Mas a minha previsão é que agora muitos dos padres que sabem de escândalos de padres ou de bispos homossexuais – e, em alguns casos, heterossexuais – vão finalmente começar a revelá-los.

Espero que o façam. Todos. Porque este pinga-pinga de escândalo está a prejudicar verdadeiramente a Igreja. Se for preciso rebentar uma barragem, que seja, para que a inundação possa limpar o pântano.

Deixem correr a torrente: de resignações e de laicizações – talvez centenas. Será desestabilizador e, como conservador, tremo diante da possibilidade. Mas o miasma actual é intolerável. O esterco de suspeição paira sobre cada bispo, ou mesmo cada padre.

Também é preciso reconhecer que a prática de abusos sexuais por padres é apenas parte do problema. O relatório de 2004 da John Jay College of Criminal Justice, feito a pedido da Conferência Episcopal dos Estados Unidos, contem muitos dados importantes sobre a crise. Mas a sua perspectiva está limitada ao abuso de crianças, abaixo dos 18 anos. Não se investigou nada sobre as desventuras sexuais de padres com homens, de 18 anos ou mais.

Esses dados provavelmente revelariam um escândalo muito, muito maior – que rebentaria com a conclusão principal dos investigadores da John Jay, bem como da equipa da Spotlight no Boston Globe e pessoas como o padre James Martin, S.J., de que os escândalos “não têm nada a ver com homossexualidade”. Isso simplesmente não pode ser verdade.

Agora vou-vos contar uma história a que já aludi no The Catholic Thing. Mas primeiro vou repetir o que já disse a amigos próximos, alguns dos quais colaboram com este site. Se eu soubesse em 1973, quando estava prestes a entrar para a Igreja, o que agora sabemos sobre a extensão da homossexualidade predatória entre o clero e a quantidade de encontros homossexuais pecaminosos entre padres, rapazes, adolescentes e homens, não me teria tornado católico. Graças a Deus não sabia porque, apesar destes escândalos, não consigo imaginar outro lar espiritual.

Então. . .

Pouco depois de ter feito a minha profissão de fé, saí tarde do trabalho e faltei à missa das 17h na Igreja que costumava frequentar. O sacerdote, que estava ainda a despedir-se das pessoas, disse-me que havia outra às 18h, a poucos quilómetros dali, por isso fui para lá.

No fim dessa missa um padre aproximou-se no parque de estacionamento e disse-me que nunca me tinha visto na missa ali. Eu expliquei e ele disse:

“Quero perguntar-te uma coisa, mas não quero abalar a tua fé.”

“Porque é que haveria de fazer isso?”

“É uma coisa privada.”

Continuei sem perceber.

Resumindo muito, ele disse que queria ter relações sexuais comigo.

“Você fez um voto de castidade,” respondi.

“Não, não. Você é novo na Igreja. O meu voto é de celibato – não casar – e não de castidade, entende?”

Dirigi-me ao meu carro.

Alguns meses mais tarde, no Ohio, onde cresci, voltei a ir a uma missa de fim de tarde e quando fui receber comunhão o padre sussurrou: “Vá ver-me na sacristia, ok?”

Até tenho vergonha de o admitir, mas na altura não desconfiei de nada. Este tipo foi mais subtil. Perguntou se daí a uns dias eu iria com ele a um jogo de basquete do liceu, onde tinha de fazer a oração inicial.

No final da primeira parte ele agradeceu-me: “Obrigado pela companhia, devo-te um copo”. Guiámos até um bar de que nunca tinha ouvido falar, na baixa de Columbus. Quando saímos do carro ele abriu a mala, tirou o cabeção e vestiu um casaco igualzinho ao meu.

Senti um nó no estômago e confirmei que sim, era um bar gay.

“O que é que bebes?”, perguntou.

“Uma cerveja qualquer”, disse eu, e ele foi buscar.

O bar ficava a sete quilómetros da minha casa. Saí rapidamente, corri durante alguns quarteirões, e depois fui a pé o resto do caminho até casa.

Depois visitei um seminário, pois estava a considerar uma vocação ao sacerdócio. Já tinha visitado outro seminário e dois mosteiros. O director de vocações levou-me a jantar fora, e aconteceu outra vez. Não vou repetir o que lhe disse a ele na altura.

Nesta altura eu era católico há menos de seis meses. A vantagem foi que mantive-me longe de padres durante os 15 anos seguintes, basicamente até conhecer os padres Neuhaus, Rutler e Schall.

Claro que estas histórias não provam nada. E no que diz respeito ao caso McCarrick, eu não irei ao ponto de dizer, como tenho ouvido, que “toda a gente sabia”. Muitas sabiam, mas a maioria não fazia a menor ideia. A não ser que fizesse parte do círculo dos rumores, não teria ouvido falar do assunto.

Mas eu não sou o único adulto que sofreu estas abordagens de padres. E nem devo ser o único a quem isso aconteceu três vezes.

Para o bem da Igreja – vamos drenar o pântano.


(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 30 de Julho de 2018 em The Catholic Thing)

Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

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