Wednesday 8 August 2018

Em casa, seguro

Brad Miner
Num artigo do dia 2 de Abril escrevi sobre a minha “batalha” contra o cancro. Escrevi nessa altura que não considerava que me encontrava em conflito com a doença:

Se tivesse feiticeiros em fez de médicos, e se esses feiticeiros pudessem invocar e dar corpo ao cancro, apresentando-o diante de mim, de punhos em riste, então eu lutaria – se a cura dependesse disso. Mas eu limito-me a colaborar com os protocolos. E que seja feita a vontade de Deus.

Passadas algumas semanas dei por mim a dizer, “nada como ser tratado por cancro para finalmente me sentir doente”.

Antes de começar quimioterapia e radioterapia, no dia 19 de Março, não me tinha sentido de todo doente. Mas depois de sete sessões de quimio à segunda e trinta sessões de radio, de segunda a sexta, estava mais maldisposto do que alguma vez me tinha sentido em 70 anos: pior que a pior das gripes que alguma vez tive; pior que a reação adversa que tive quando recebi vacinas contra a cólera e a varíola, antes de uma viagem terrível à Ásia, em 1969.

Mas ser “curado” de cancro é uma questão difícil, porque a doença tem uma forma de se “esconder”, palavra que coloco entre aspas, porque o cancro não tem capacidades cognitivas. É desprovido de inteligência, embora continue a desafiar alguns dos melhores cientistas no mundo.

Mas tenho boas notícias, que creio que serão bem-vindas pelos muitos leitores do TCT que me têm desejado uma boa recuperação e me têm pedido que os mantenha informados. Um exame de PET feito no dia 17 de Julho não detectou mais células cancerígenas no meu corpo. Como digo, não me posso dizer curado ainda. Aliás, dentro de três meses estarei de volta ao hospital para ser visto de novo e, depois disso, com regularidade durante cinco anos. Então, caso entretanto não tenha sido atropelado por um autocarro na 5ª Avenida ou atingido na cabeça por um meteorito, e SÓ então, poderei dizer que estou curado.

Tenho muitas memórias más, porque muitas coisas más me aconteceram na vida, sobretudo antes de ter entrado para a Igreja quando tinha vinte e tais anos, e de me ter casado aos trinta e tais. Há coisas de que me arrependo e – apesar de recorrer frequentemente à Confissão – algumas delas quase me assombram. De certa forma, ter cancro está longe de ser a pior coisa que me aconteceu na vida.

Aliás, até pode ter sido uma coisa boa, uma coisa muito boa.

Soube da preocupação de amigos, incluindo leitores deste site, e isso está perto do topo da lista, embora no topo mesmo esteja a minha mulher, Sydny. Naquele primeiro artigo, escrevi que as minhas orações, enquanto estava deitado na marquesa a receber as radiações, eram pelos meus amigos, mas também por estranhos, sobretudo aqueles que eu e a Syd víamos no hospital e que claramente estavam sozinhos. Tenho uma certa reputação de durão, e sim, talvez conseguisse aguentar o último ano sozinho, mas, como disse a um dos funcionários do hospital – “é bom ser casado”. Não pensei que fosse possível amar mais a Syd. Estava errado, mas disso não me arrependo.

Mas existe um amor que ultrapassa esse. Falando da confissão, recordo-me de uma vez ter admitido a um padre que não estava certo de amar a Deus. “Amo a minha mulher, e os meus filhos e os meus amigos e o meu trabalho… mas…” E ele interrompeu-me: “O amor de Deus é uma coisa intelectual. Bom, é e não é”.

Para mim já não é. Amar Deus, amar Jesus e amar o Espírito Santo é uma questão de rendição. É isso que se pretende com a extrema unção e é disso que ouvimos falar os santos: “Deves-te render ao amor de Deus”. Essas palavras têm o seu mérito, mas aquilo que me ocorre depois deste meu encontro próximo com a morte (e com as coisas a que um moribundo se agarra quando chega o seu tempo) é que a Trindade é família. O Céu é Família. O Céu é casa.

Regresso a casa
Robert Frost disse-o na perfeição no triste e belo “Death of a Hired Hand”. Mary e Warren estão sentados na varanda a falar de Silas, um trabalhador sazonal velhote que regressou à quinta fora de época. Warren está preocupado com as suas andanças. Mas Mary diz-lhe para ser simpático, porque tem a certeza que Silas, que dorme lá dentro junto da lareira, regressou a casa para morrer.

Responde Warren e tom suavemente gozoso: “Casa…”, acrescentando “Casa é o local onde, quando não tens mais para onde ir, têm de te acolher”.

Mas Mary contrapõe: “Eu diria antes que é algo que, de certa forma, não temos de fazer por merecer”.

A nossa casa no Céu imaginada é misteriosa. Isaías, em 64,4, citado por Paulo em 1 Coríntios 2, 9, avisa que “desde a antiguidade não se ouviu, nem com ouvidos se percebeu, nem com os olhos se viu o que Deus preparou para quem o ama” (Isaías diz “que nele espera.”)

Aquilo que percebi enquanto amava e rezava, me confessava e comungava, e enquanto esperava e me confiava, deixando-me abraçar a realidade da morte… É que estou no sítio para onde vou. Em casa. Sempre estive em casa. Neste momento o meu corpo não está a morrer, mas um dia estará e, quando esse dia chegar, atravessarei alegremente esse umbral, rumo à minha casa eterna.

Sem dúvida que ainda me espantarei se der com uma cobra na relva, mas não vejo que mais possa haver de que tenha medo.

É suposto que o meu amor seja imperfeito, mas o de Cristo não é. Ele ama-me e esse amor é tudo o que preciso para me levar à prudência, coragem, temperança e justiça. E isso é amar a Deus.


(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 6 de Agosto de 2018 em The Catholic Thing)

Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

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