Tuesday 31 July 2018

Crianças nos funerais? Mais achegas

Depois de ter publicado e divulgado a minha reflexão sobre a presença de crianças em funerais, em diálogo com um outro artigo publicado pela Ana Rute Cavaco, recebi mais testemunhos de diferentes leitores, que aqui reproduzo com a sua autorização. Se tiver casos que queira partilhar, faça-o, para abrirmos o diálogo a mais pessoas!



Quando a minha mãe morreu, há oito anos, foi velada em casa de meu irmão, no Norte. 

Não retirámos as crianças, seus bisnetos: um casal de primos com quatro anos e dois rapazes, primos também, com sete. 

Os de quatro corriam pela casa como era seu costume quando visitam os avós. De vez enquando davam um espreitadela ao caixão. Os de sete anos encararam a coisa com mais seriedade. De vez em quando iam junto ao caixão e ficavam contemplando. 

Em dado momento aproximei-me do caixão e eles fizeram o mesmo. Perguntaram: "Podemos pôr a mão?", "Sim, podeis", respondi. Afagaram as mãos e o rosto da bisavó, com se fossa o último gesto de ternura. 

Depois fui para a cozinha de propósito e eles foram atrás. Foi surpreendente a conversa que tivemos com perguntas sobre a vida e a morte e seu porquês, bem com sobre a fé e Deus. Perguntas que mais pareciam de adultos que se interrogam que de crianças (bem, pensamos que elas são parvas e não se interrogam). 

Ao outro dia os dois rapazes de sete anos acompanharam o funeral à igreja onde foi celebrada missa de corpo presente e ao cemitério, e portaram-se como qualquer outra pessoa presente. Percebi que aprenderam mais sobre a vida do que em qualquer lição teorica. Não lhes foi roubada essa possibilidade de perceberem que todos morremos e de se interrogarem sobre a morte e os seus porquês, e sobre o para além da morte.

Fernando Sampaio



No passado dia 12, faleceu o meu sogro.

A saúde agravara-se nas últimas semanas e quando os rins deixaram de funcionar o desfecho tornou-se previsível.
Os nossos filhos testemunharam e assimilaram a nossa ansiedade e dor. Para eles foi uma experiência nova, pois nunca um familiar tão próximo tinha falecido.
Fizemos questão que estivessem alguns minutos no velório e vissem o corpo do avô no caixão.
Quando os levava para a capela, lembrei-lhes: “O que vocês vão ver é apenas uma parte do avô. A alma dele já não está ali; já partiu para outro mundo. O avô continua a ver-nos e a gostar de todos nós lá no sítio onde ele está agora.”
Alguns dias depois, o mais novo disse-me:
- Sabes pai, hoje tive um sonho que era espectacular se tivesse sido realidade…
- Então, o que foi?
- Sonhei que o avô tinha ressuscitado!
- Como foi isso?
- Estávamos todos em casa da avó, lá no norte, e ele apareceu na sala. E eu perguntei-lhe: “Ó avô, já estás bom dos rins?”. E ele riu-se e respondeu: “Claro, até já fui fazer xixi…”
- Pois é, David. Esse sonho é muito giro, mas eu acho que o avô agora está mais feliz lá no outro mundo. Devia ter o pai dele à espera… Sabes que o pai dele morreu quando ele era pequenino… devia estar com saudades dele. E o irmão dele também devia estar à espera… Um dia todos nós nos vamos reencontrar lá no outro mundo.
- Mas eu tenho saudades dele! Às vezes até choro…
- É normal termos saudades. É sinal que gostamos das pessoas. Mas tu sabes que ele gostava – e ainda gosta! – de ti?
- Sim, sei isso. Mas eu não queria estar triste.
- Estamos todos tristes. É normal. Mas a morte não é uma separação para sempre. Sabemos que um dia nos vamos reencontrar, não é verdade?
- Eu também sei isso. Mas continuo triste.

Marco Oliveira



Há um ano e meio atrás, faleceu a minha mãe. O Miguel, mais velho, na altura quase a fazer 4 anos, acompanhou me por mais que uma vez aos paliativos do IPO. Como o funeral foi durante a semana, nenhum acompanhou (A Sussu tinha então 2 anos, mas uma ligação extraordinária com a avó).

Levei o Miguel à missa de 7º dia e aos 15 dias em memória da avó e bisavós. Nunca perguntou nada: sobre a diferença das rotinas (todos os dias eu chegava do IPO as 21), sobre a ausência da avó nas visitas ao avô, nada. Pediu-me uma pagela. Olhou, afagou, calou. Missa do 1º mês, igual.

Na altura, falei com psicólogos amigos que me aconselharam a aguardar por um sinal dele, e para, dentro dos meus credos, lhe explicar de um modo simples o que aconteceu.

Passado cerca de um mês e meio, acerca de uma visita do meu pai a minha casa, o Miguel perguntou:" ...vem o avô, o padrinho... E a avó?" Respondi:" a avó agora está no céu."... "No céu, como?"

"A avó agora está com o Jesus...é um anjo especial que está a olhar por nós"
"E tem asas? Como posso vê-la?"... A conversa fluiu sem dramas. Mas o Miguel fez questão de rematar dizendo que não queria que eu é o pai nos transformássemos em anjos, e tentei tranquilizá-lo com serenidade.

A Sussu perguntou pela avó ao longo de vários meses, quando me via ao telefone. Rotinas. Falava com ela todos os dias. Há uma semana, agora com 3,5 anos perguntou-me pela "outra avó"... "Que avó??" “a avó Ema". Respirei fundo, e contei-lhe que a avó Ema, foi para o céu... Que agora é um anjo que olha por nós.


Os filhos são o melhor de nós e ensinam-nos entre outras coisas a crescer e aceitar.

Maria Costa



Teologicamente, não há nada que te proíba a cremação. A Igreja Católica prefere a inumação à cremação, creio que mais por se desassociar de práticas pagãs do que pela finalidade em si. Se o corpo volta ao pó, seja pelo processo biológico natural, seja pela cremação, o fim vai ser o mesmo. As cinzas são pó e biblicamente são sinal de humilhação, de redução à insignificância ou de lamento. Claro que é preciso ter atenção aos contextos. Por mim, inumado ou cremado, o principal é o respeito pela cerimónia em si, a celebração daquilo a que os Ortodoxos chamam (e que aprecio muito) o "nascimento para o Céu" do crente, o memorial de esperança que se celebra e o efectivar do processo de luto, algo que muitas vezes desprezamos nestas considerações.

No que diz respeito à morte como início, discordo. A morte é um evento no meio de todo o processo que é a nossa vida, sobretudo a partir do momento em que começamos a caminhar com Cristo. Diria que a conversão é o início e a morte o efectivar da receção da esperança com que vivemos: a eternidade junto do Pai. Claro, aí a vida é perfeita, mas não deixa de ser uma continuação da nossa imortalidade (termo que uso para não confundir com o conceito de Deus ser eterno), que começa no momento da nossa concepção.

Em relação às crianças... vai muito da opção parental e da maturidade de pais e crianças. Com 14 anos não fui ao funeral do meu avô materno, que havia estado internado num hospital e fisicamente debilitado. A razão que me deram, mesmo sendo num lar cristão e o meu avô um homem de fé, foi a de não ficar na cabeça com uma imagem que não era aquela que correspondia ao meu avô. Quando estive presente no funeral de um pastor amigo e pai de um grande amigo, pude presenciar aquele misto de tristeza e alegria que é o funeral de um cristão. Sabemos que o corpo que ali está é a imagem que vamos relembrar do último contacto, mas também é a figura com quem convivemos. Se não existir capacidade de uma criança entender isto ou de encaixar isto, o assunto pode ser complicado. Mas voltando ao que disse acima, parte sempre da maturidade e creio que sobretudo dos pais em ajudarem as crianças a lidarem com esse momento.

Obrigado a ti e à Ana Rute por lançarem um debate interessante e pertinente para quem é pai e se preocupa com a educação dos filhos.


Ricardo Mendes Rosa



Levei a Helena (4 anos) e a Jacinta (meses) à missa de corpo presente (caixão fechado) de uma conhecida. Estava imensa gente, mas elas eram as únicas crianças . Não me arrependo nada. Ser cristão é encarar a morte com naturalidade.

Morreu também a tia Zita, freira doroteia e madrinha da minha sogra, e lá tive de as levar outra vez à missa de corpo presente (caixão aberto). Não deixei a Helena chegar perto do caixão, e encarou tudo com tranquilidade.

Correu e saltou para o colo da avó, porquê esta se desfez em lagrimas quando estava a falar, e foi um gesto de que só uma criança se lembra. Quem diz que não são consolações de Deus?

As irmãs doroteias ficaram comovidíssimas.

Não levei ao enterro propriamente dito, achei que talvez não fosse o tempo.

O Gastão (enteado, 10 anos) que por uma razão ou outra não estava connosco, soube da morte da tia Zita pelo primo, no carro, e começou a chorar e a dizer “mas tu contas isso assim?!”.

Isto para dizer que crianças nos funerais, sim. Cremações, não. Cada vez me lembra mais o fogo do inferno, nunca me esqueço do meu avô a ir “para o forno”. Pó, és, pó, serás; mas respeitemos a decomposição natural do corpo, tal como respeitamos o modo como foi criado.

Matilde Torres Pereira




O meu marido morreu em Milão no final de uma doença de seis meses. Estava bem de saúde, mas quando se apercebeu que estava mal não havia muito a fazer.

Era relativamente jovem, muito activo, e dos nossos cinco filhos havia um, o mais novo, de 8 anos, que vivia connosco. Acompanhou o desmoronar físico do Pai, que foi de facto impressionante.

Ele conversou com o Pai diversas vezes sobre a sua doença e sobre a sua morte, como se fosse o assunto mais comum. O meu marido explicava-lhe o suficiente para ele se ir compenetrando que o Pai ia mesmo morrer, mas que ele nunca ficaria sozinho.

Na véspera da morte, presenciei o diálogo que se segue. No fim de rezarmos o terço em conjunto o meu filho dizia ao Pai:
“Oh Pai eu não quero que o Pai morra”. E o meu marido respondia-lhe: “Eu vou morrer, mas tu deves continuar a pedir-me tudo”.

Depois de algum silêncio dizia o meu filho: “E se o Pai me diz que não?”

Mais algum silencio, e responde-lhe o meu marido: “Se o que acontecer não for o que tu esperavas, vais perguntar à Mãe por quê.”

O Pai morreu nessa madrugada e o meu filho foi ver o corpo do Pai ainda na cama. À minha intervenção de que o Pai parecia estar a dormir, o meu filho respondeu prontamente que não estava dormir, por que não ressonava.

O funeral, quer em Milão, quer depois em Lisboa, foi vivido pelo Alexandre como uma festa. Estava excitado e tudo era diferente. Muita gente a dar-lhe atenção. O drama aconteceu quando a rotina se instalou novamente na nossa vida, então já transferida para Lisboa, e ele não aceitava que o Pai tivesse morrido. Estava verdadeiramente zangado... Tão zangado que muitas vezes só sossegava quando ia visitar o jazigo do Pai, graças a Deus muito próximo da nossa casa.

Eu própria tive de "adiar" fazer o luto, de tal maneira o meu filho estava perturbado e eu tinha de lhe dar atenção. Mas estava perturbado pela ausência do Pai, não pelo funeral.

Desta experiencia posso afirmar que foi muito bom para o meu filho ter acompanhado a decadência física do Pai, a sua morte e funeral. As crianças, em particular ele, assimilam melhor o que também elas experimentam do que aquilo que lhes é contado. A realidade é sempre mais positiva que a fantasia.


Mariana Vilas-Boas

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