Nicholas Senz |
Quando os futuros repórteres aprendem as artes do
jornalismo nas faculdades e universidades, o assunto sobre o qual costumam
aperfeiçoar as suas técnicas costuma ser política. Por outras palavras, a
maioria dos repórteres treinam para ser jornalistas políticos. Não é nada que
não faça sentido, uma vez que a maioria dos empregos para jornalistas serão
aqueles que cobrem o campo da política. Mas o factor negativo é que todas as
outras áreas tendem a ser vistas pela lente da política e isso pode conduzir a
uma cobertura distorcida.
Os exemplos abundam, mas existem sobretudo no campo do
jornalismo religioso. E vemos esta tendência não só em órgãos de imprensa
seculares, que cometem erros tão básicos como confundir um crozier [báculo] com
“crow’s ear” [orelha de corvo] ou a apelidar carmelitas de freiras da Luz do
Karma [Karma Light]. Claro que bastaria uma pesquisa de cinco segundos no
Google para resolver isto, desde que haja noção do que não se sabe. Mas o que é
mais perturbador é que tendemos a ver estes mesmos erros básicos em órgãos de
informação católicos. Os jornalistas católicos importam frequentemente termos
políticos para as suas reportagens sobre assuntos de Igreja e os resultados são
tudo menos esclarecedores.
Uma das armadilhas mais frequentes e que mais têm
formado, ou deturpado, o discurso eclesial é a divisão da Igreja entre
“progressistas” e “conservadores”. Para o jornalista que vê tudo pela lente da
política, isto seria uma perspectiva natural. A política tem sobretudo a ver
com facções com interesses diferentes a competir pelo poder para poderem
aplicar as suas agendas ou ideias. Na política americana as facções tendem de
facto a caber nestes dois campos. Por isso, quando um jornalista participa num
encontro da Conferência Episcopal e ouve os bispos a discutir se deviam dar
prioridade a questões de vida ou de justiça social, não acha muito diferente de
republicanos e democratas a debater os detalhes de um orçamento no senado.
Mas o ensinamento da Igreja não cabe tão bem nesta
quadrícula da política secular e as tentativas de projectar os prelados neste
ou naquele campo tendem a ser fúteis. Quem lê os textos do arcebispo Jose Gomez
ou do Cardeal Sean O’Malley sobre questões de vida, classifica-os de
conservadores; mas se ler as suas declarações sobre a imigração ou salários
justos, parte do princípio que são progressistas. A verdade é que nem um termo
nem outro se aplica a um contexto eclesial, mas demasiados jornalistas
católicos insistem em usá-los. Este hábito só serve para exagerar e exacerbar
as divisões entre os católicos.
A aplicação destes termos à realidade interna da Igreja é
ainda menos apropriada. Tipicamente, os católicos que defendem os ensinamentos
e a prática da Igreja são apelidados de “conservadores” enquanto aqueles que fazem
pela mudança (normalmente por algo mais em linha com a moral secular), são
apelidados de “progressistas”. Mas não deveria ser a doutrina da Igreja que
serve para medir as outras coisas? Uma pessoa que simplesmente defende
preservar a doutrina da Igreja devia ser considerada “moderada”. Os próprios
termos são reveladores dos preconceitos daqueles que os usam.
Outro problema tem a ver com a forma como os repórteres e
meios de comunicação descrevem os próprios ensinamentos da Igreja. Para os
católicos estes ensinamentos são e entendidos como verdades, enraizadas nas
Escrituras e passadas de mão em mão pela tradição apostólica, desenvolvida ao
longo do tempo pelo Magistério. Mas demasiadas vezes vemos os jornalistas
católicos a descrever estas verdades com recurso a termos políticos. Diz-se que
a contracepção é “proibida” pela Igreja, que esta tem uma “política” contra a
ordenação das mulheres e “regras” sobre eutanásia. Esta terminologia é
inteiramente desadequada e enganadora. As proibições podem ser levantadas. As
políticas podem ser alteradas. As regras podem ser mudadas. As verdades não
podem.
Freiras da Luz do Karma |
Todos estes termos podem ser usados correctamente numa
análise política, em que as diferentes facções lutam pelo poder para poderem
implementar as suas preferências, vendo-as anuladas e revertidas quando o
partido da oposição as expulsar do poder. Usá-los para descrever os
ensinamentos da Igreja apenas deixa o leitor com a impressão de que a doutrina
e o dogma são alteráveis, sujeitos a guerrilhas de poder e acordos. Imagine-se
os cardeais a fazer acordos sobre parágrafos do Catecismo como os deputados
fazem acordos sobre projectos de lei.
Dito isto, claro que há elementos de verdade nesta forma
de falar sobre a Igreja. Qualquer pessoa que conheça as tricas dos funcionários
do Vaticano poderá dizer-lhe que muito do que se passa lá é política. Enquanto
a Igreja for povoada por seres humanos – e não por anjos – continuará a haver
facções e politiquices.
Mas esta não é a essência da Igreja. Não define o que a
Igreja é, o que ensina nem a sua mensagem salvadora. A Igreja é composta por
pessoas, mas é uma instituição fundamentalmente divina. É o corpo de Cristo,
vivificado pelo Espírito de Deus, trazendo pessoas para o Pai através dos seus
ensinamentos, sacramentos e vida diária.
Sem essas fundações, a Igreja ter-se-ia dissolvido há
muito tempo. Esta deve ser a visão que guia a Igreja. Mas boa sorte em
conseguir que as escolas de jornalismo compreendam, ou ensinem, isso.
Nicholas Senz é Director da Formação de Crianças e de
Adults na Igreja Católica de St. Vincent de Paul, em Arlington, Texas, onde
vive com a sua mulher e dois filhos. Tem um mestrado em Filosofia e Teologia da
Dominican School of Philosophy and Theology em Berkeley, Califórnia.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 22 de Fevereiro de 2018)
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