Clemente Lisi |
Num tempo marcado por “fake news”, os leitores são
bombardeados todos os dias com histórias – na maior parte dos casos legítimas,
mas às vezes totalmente inventadas – alimentadas pelas redes sociais. O processo
de angariação de notícias – o método através do qual os jornalistas e os
editores avaliam o valor das histórias – tem-se tornado cada vez mais tema de
discussão.
Os leitores já não se limitam a aceitar as notícias que
aparecem de manhã nos jornais ou que lhes chegam continuamente através dos seus
feeds do Twitter. Erros básicos, falta de isenção e a eleição presidencial do
ano passado ajudaram a alimentar a narrativa de que a imprensa generalista está
desligada da realidade dos americanos. A internet tem-se revelado uma
oportunidade para os jornalistas, mas cada vez mais um desafio, também.
A minha experiência indica que falta diversidade nas
redacções. Todas as empresas procuram ter diversidade nos seus quadros hoje em
dia, mas nenhuma indústria precisa mais dela do que o jornalismo. A diversidade
na redacção conduz a boas ideias, melhores debates e cobertura jornalística de
melhor qualidade. Existe diversidade racial entre o pessoal? Devemos contratar
outra mulher? Estas são questões com as quais as empresas se debatem cada vez
que há uma vaga.
Mas o que nunca parece preocupar os empregadores é se
existe um número suficiente de católicos praticantes na redacção, ou se devem
contratar uma pessoa de fé – qualquer fé – para escrever sobre o que se passa
no mundo e na comunidade. A crença em Deus é tabu na redacção.
Dizer que as pessoas religiosas estão mal representadas
no mundo jornalístico é pouco. Mas esse facto faz uma grande diferença na forma
como grandes órgãos de comunicação social tratam temas importantes como o
aborto e o casamento entre pessoas do mesmo sexo. A cobertura mediática pode
influenciar a opinião pública e ajudar a determinar as leis e as políticas. Tem
um impacto sobre as normas sociais e está a ser feita, em larga medida, sem a
contribuição de pessoas religiosas em lugares chave.
Não existe espaço mais secularizado do que uma redacção.
O preconceito liberal existe nos media, mas a maioria dos jornalistas não dá
por ele. Não se consegue distinguir o preconceito quando toda a gente à nossa
volta pensa e sente da mesma maneira.
Tomemos como exemplo a recente concentração de cidadãos
polacos ao longo da fronteira da sua nação. O evento do dia 7 de Outubro, a que
se chamou, “Terço nas Fronteiras”, foi organizado para coincidir com o
aniversário da Batalha de Lepanto, entre cristãos e o Império Otomano, em 1571.
Neste caso tratou-se de um evento solene e pacífico, mas para muitos nos media
foi automaticamente classificado como sinistro porque envolvia católicos e
terços. A “Newsweek” não resistiu a classificá-lo assim logo no título:
“Católicos polacos rezam na fronteira, em evento tido como anti-islâmico”.
Se os muçulmanos tivessem organizado uma iniciativa
semelhante jamais teria sido descrito de forma negativa. Ainda por cima a “Newsweek”
embebeu um vídeo sobre a Sexta-Feira Santa nas Filipinas (provavelmente o único
vídeo relacionado com catolicismo que tinham disponível), em que são
reencenadas as últimas horas de Jesus – incluindo homens a serem pregados a
cruzes – numa prática que o Vaticano já condenou. A imprensa cobre este evento
porque representa fanatismo, ao contrário de devoção normal.
Mas a “Newsweek” está em boa companhia. A “BBC” e outros
órgãos descreveram o evento de oração como “controverso”, como se isso fosse um
simples facto.
Estamos habituados a ver este tipo de preconceito na
forma como os media cobrem eventos como a Marcha pela Vida anual, mas a maioria
de nós não tem noção de como muitas outras “notícias” são afectadas.
Os jornalistas tendem a ser caucasianos, educados, a
viver em Nova Iorque ou em Los Angeles, duas das cidades mais liberais do país.
A maioria das pessoas conservadoras acaba por entrar para o sector privado,
oferecendo frequentemente o seu tempo ou doando dinheiro para causas que crêem
que podem ajudar outros. Os liberais apostam no jornalismo porque é uma
profissão que valorizam.
Os jornalistas que trabalham nos jornais de grande
circulação de áreas metropolitanas importantes costumam ter licenciaturas de
universidades da Ivy League – mais um bastião de liberalismo – e querem
promover a mudança através do pensamento crítico e da escrita. O jornalismo é
visto como um trabalho intelectual e passou de ser um trabalho de classes
socialmente mais baixas para classe média ou alta nos anos que se seguiram ao
caso Watergate.
Este conjunto de factores deixa católicos devotos – e
crentes devotos de qualquer fé – praticamente sem espaço nas redacções actuais.
Isso em si faz com que a cobertura mediática seja enviesada. O escândalo dos
abusos sexuais na Igreja Católica, por exemplo, não é tratado da mesma forma do
que escândalos envolvendo rabinos ou imãs.
Para os jornalistas liberais a Igreja Católica é um autêntico
saco de pancada. O jornalismo que levou ao desmascarar de padres culpados de
abusos sexuais é um exemplo de profissionalismo – e uma fonte de grande
vergonha para mim enquanto católico. Mas os representantes da Igreja nunca
recebem o benefício da presunção da inocência que vimos atribuída a polícias,
ou até a outras pessoas, acusadas de homicídio. As únicas alturas em que vemos
a Igreja a receber cobertura mediática positiva é quando apoia a agenda liberal
– basta ver a cobertura aos bispos americanos que se opuseram a Trump quando
ele tentou acabar com a política que protegia imigrantes ilegais que tinham
chegado aos Estados Unidos enquanto crianças.
A diversidade de pensamento, em geral, seria muito útil
para melhorar as redacções e o jornalismo que produzem. Mas contratar alguns
jornalistas que percebem de facto alguma coisa sobre religião – um dos aspectos
centrais da vida de seres humanos em todo o mundo – ou que talvez fossem eles
próprios crentes, é tão ou mais importante para garantir que as notícias são
completas do que a cor da pele ou o historial étnico de um repórter.
Talvez um dia os órgãos generalistas dos media acordem
para essa realidade.
Clemente Lisi, um novo colunista no “The Catholic Thing”,
é professor assistente de Jornalismo na King’s College, em Nova Iorque. Tem
quase 20 anos de experiência enquanto jornalista e editor em órgãos de
comunicação social como o “New York Post”, “ABC News” e o “New York Daily News”.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 12 de
Outubro de 2017 em The Catholic Thing)
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