Philip Hawley Jr. |
De vez em quando Deus coloca na nossa vida alguém tão rico em
graça que esta parece submergir-nos completamente. A Emma foi uma dessas
pessoas para mim.
A sua morte, depois de uma batalha de cinco anos contra o
cancro, não foi referida na imprensa local. A Emma era uma imigrante pobre que
esfregava o chão da minha casa quando não estava a mudar as fraldas aos meus
filhos. A sua humildade era tão misteriosamente profunda que podia desaparecer
de vista mesmo quando era a única outra pessoa na sala.
E contudo – ou, aliás, devido a estas qualidades – estou
certo de que um coro de anjos fez tremer as portas do céu durante os seus
últimos momentos na terra, porque, na morte como na vida, ela esvaziou-se em
Deus numa viagem indescritivelmente bela de sofrimento e graça.
A Emma sofreu emocional e espiritualmente nos últimos meses
e a minha experiência enquanto médico de pouco serviu para aliviar as suas
aflições. Todos já passámos pela angústia de ver alguém de quem gostamos em
sofrimento. Há uma aversão profunda ao sofrimento na natureza humana, bem como
compaixão para com aqueles que sofrem.
Estes aspectos da nossa natureza são ainda mais aparentes
nestes tempos em que o desenvolvimento da medicina eliminou grande parte do
sofrimento físico que, para os nossos antepassados, era simplesmente parte da
vida e da morte. Não obstante serem bons em si, estes avanços levam-nos a ver o
sofrimento como uma anomalia, algo a ser eliminado, até na hora da morte.
O sofrimento é um denominador comum em todas as razões
dadas por doentes com pensamentos suicidas. O apoio ao suicídio medicamente
assistido radica, no fim de contas, na crença de que a eliminação do sofrimento
– físico, psicológico, espiritual ou existencial – é um bem moral mais
importante do que sustentar a vida.
Alguns destes argumentos são espúrios, como a afirmação de
que a dor severa é comum no final da vida. Na verdade os cuidados paliativos
tornaram-na bastante rara. Mas a mera negação destes medos, que são
compreensíveis, nada faz para ajudar aqueles que contemplam o suicídio, só faz
com que se sintam mais isolados.
Uma sondagem da Pew Research de 2014 revelou que 71% dos
americanos consideram-se cristãos. É um número quase idêntico ao dos americanos
que apoiam o suicídio assistido. Isto sugere que a maioria dos cristãos apoia o
suicídio assistido. Então pergunto aos meus correligionários, sobretudo aos
católicos: O que é que Jesus Cristo nos tem a dizer sobre o sofrimento em fim
de vida? Afinal de contas, o seu exemplo devia ser da maior importância para os
seus seguidores.
A nossa fé cristã assenta, em última análise, na Paixão de
Cristo. Se Cristo significa alguma coisa, é em primeiro lugar o Deus-homem que
sofreu para nos redimir do pecado. A Paixão não é apenas o que Cristo fez, mas
quem Ele é.
Os defensores do suicídio assistido costumam argumentar que
uma morte arrastada é indigna. Mas antes de aceitar esta afirmação, pensem por
momentos nos detalhes da Paixão de Cristo. Se uma morte sofrida é indigna,
então a de Cristo foi a mais indigna de todas. Porque é que Cristo, ou o Pai,
não puseram fim rapidamente à indignidade? Tendo em conta que a prolongada
morte de Cristo causou sofrimento aos que o observavam aos pés da Cruz, talvez
ele tivesse o dever de morrer rapidamente.
São João Paulo II: Um exemplo de dignidade no sofrimento |
Mas o sofrimento de Cristo continuou até à morte, o que
aponta para outra verdade. Ao contrário dos conceitos triviais de dignidade a
que nos costumamos agarrar, a verdadeira dignidade humana deriva directamente
da fonte: Imago Dei. O sofrimento não é uma afronta à nossa dignidade. Quando
oferecida da forma como Deus nos pede, é uma afirmação da nossa dignidade. Nos
seus últimos anos, o Papa São João Paulo II viveu esta verdade de forma a que
todos a pudessem ver.
A morte é uma coisa confusa e por vezes fisicamente
revoltante. Desconfio que a morte de Cristo na cruz tenha sido bastante mais
hedionda do que a Bíblia diz. Mas apesar disso a sua mãe permaneceu aos pés da
cruz do seu filho e viu-o a morrer de uma forma indescritivelmente horrível.
Apesar da agonia física e espiritual, tanto a mãe como o Filho aceitaram as
suas cruzes. Ao fazê-lo, Cristo parece estar a dizer algo para todos aqueles
que sofrem junto de um doente moribundo.
Para lá da Paixão de Cristo, a história da Igreja antiga é
também, na sua dimensão humana, uma história de sofrimento. Todos os apóstolos
à excepção de João foram martirizados e são incontáveis os que morreram pela fé
nos primeiros tempos da Igreja.
Não quero dar a entender que compreendo uma morte sofrida,
ou como Deus retira graça do mal físico. Estas e muitas outras coisas
permanecem misteriosas para mim, mas há uma verdade que me parece clara: Cristo
não aceita apenas o sofrimento para si. Ele pede-nos que sofra com ele e esse
pedido está no coração da nossa fé cristã.
A Emma nunca deixou de sorrir, mesmo por entre o seu
sofrimento imenso. É algo que não me imagino capaz de fazer. Ela aceitou o
convite de Cristo e, nessa sua entrega, eu fui abençoado com a visão do Cristo
sofredor e com a luz de uma graça inexplicável. Ela demonstrou como se pode
optar por sofrer simplesmente porque é isso que Cristo nos pede.
Nas suas palavras e acções Jesus nunca sugere que a nossa
vida – um dom de Deus – é nossa para destruir. Através da sua Palavra revelada,
aliás, é precisamente o contrário que se torna evidente, como poucas verdades o
são.
O suicídio não é uma libertação compassiva do sofrimento. A
morte não é o fim. Eu não pretendo saber como é que Deus pesará a decisão de
quem quer que seja debaixo de um sofrimento tão intenso, mas o que nos está a
pedir quando chegar a hora da nossa morte parece-nos evidente.
Deus quer-nos com ele no Céu e o sofrimento em fim-de-vida
é um apelo dramático e último para entregarmos a Ele a nossa vontade. Para
aqueles, como eu, que são pecadores, esse é o maior dom que Ele nos podia
oferecer. Não estou a dizer que vai ser fácil, mas temos o exemplo de Emma e de
outros como ela para seguir.
Veja também
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- A Medicina ao Serviço do Poder
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(Publicado pela primeira vez
no domingo, 24 de Setembro de 2017 em The Catholic Thing)
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Philip Hawley, Jr, MD, é médico num hospício e antigo professor
assistente de Pediatria Clínica na University of Southern California Keck
School of Medicine.
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