Diácono James H. Toner |
Estava no meu gabinete, no seminário onde leccionava,
quando tocou o telefone. Atendi, e levei logo com uma rajada de palavrões.
Quando o meu interlocutor acalmou, explicou-me que acabara de ler um artigo que
eu tinha escrito, meses antes, sobre um padre que conheci nos meus dias de
acólito, numa pequena igreja na Nova Inglaterra.
O padre “Smith” era o vigário paroquial cujas missas
tinha acolitado 50 anos antes daquele telefonema. No artigo que escrevi
agradeci-lhe os seus brilhantes serviços sacerdotais e a influência
inteiramente positiva que tinha tido sobre mim. Em todos os anos em que fui
acólito, sempre tive a melhor impressão do padre Smith.
Foi transferido mesmo antes de eu entrar para o liceu, em
1960. Liceu, universidade, tropa, o começo da vida de casado e o começo da
minha carreira como professor sucederam-se rapidamente. Nunca tinha chegado a
agradecer ao padre Smith e, quando finalmente me lembrei de o fazer, ele tinha
morrido.
Não obstante, mesmo depois da sua morte escrevi, para
expressar publicamente a minha apreciação por este grande padre que tinha sido
parte da uma infância idílica: excelentes pais, grandes padres e professores,
jogos, bicicletas e livros e, a seu tempo, um casamento com uma miúda da mesma
terra.
Escrevi que o padre Smith era um filho leal da Igreja.
Toda a gente na minha paróquia o adorava. Tratava os acólitos com respeito,
bondade e bom humor. Se, por exemplo, eu cometesse algum erro quando ajudava à
missa, corrigia-me com paciência. Estava disponível para todos os que precisavam
dele – aconselhando, celebrando, consolando, baptisando, casando, visitando no
hospital e presidindo a velórios e enterros.
Então o senhor do outro lado do telefone disse-me que o
padre Smith era um violador; e que ele estava entre os que tinha sido violado.
Isto estava totalmente para além da minha capacidade de
compreensão. Nos seis anos que o tínhamos conhecido na minha pequena vila, não
houve um único incidente negativo nem qualquer manifestação da efebofilia (a
atracção de um adulto por adolescentes) de que o padre Smith estava agora a ser
acusado.
Disse-me que o padre Smith fazia parte de uma rede de
padres que levava rapazes adolescentes para uma casa de campo, embebedavam-nos,
drogavam-nos, mostravam-lhes pornografia e tinham relações sexuais com eles.
Pior, o sucessor do padre Smith na minha antiga paróquia também era acusado de
fazer parte desta rede.
Foi de pouco consolo saber que estas terríveis
actividades tinham acontecido cerca de vinte anos depois de eu ter sido
acólito.
Pensei que as acusações não podiam ser verdade, e disse-o
ao meu interlocutor.
Mas eram – conforme me foi confirmado por várias fontes
credíveis e pelo testemunho pessoal de pessoas que tinha conhecido anos antes.
Não queria acreditar. Como é que este padre piedoso tinha participado nestes
deboches, nestes crimes, nestes pecados mortais? O padre Smith? O devoto,
bondoso, sincero e bem-disposto padre Smith?
Não sei. Jamais saberei. Mas ainda me lembro do padre
Smith na missa, voltando-se para as pessoas e a dizer Dominus vobiscum; invocando o auxílio de São Miguel Arcanjo contra
a maldade e as armadilhas do demónio; a sua devoção clara a Nosso Senhor e à
sua Igreja.
No filme “Yang-Tsé em Chamas” Steve McQueen interpreta
Jake Holman, da marinha americana que, depois de uma desventura na China, se vê
encurralado. Mesmo antes de ser executado, pergunta: “como é que isto
aconteceu?”
Passaram quase sessenta anos desde que vi o padre Smith,
que em tempos me tinha desafiado a pensar em ser padre (coisa que não fiz).
Celebrava a missa com grande reverência, era claramente devoto nos seus
ensinamentos e nas suas pregações, era bondoso e bem-educado, tinha um humor
apropriado e era um padre exemplar. Ainda guardo boas memórias de alguém que
conheci como sendo um santo sacerdote e um homem bom.
As pessoas esperam que os escritores tenham respostas
para as perguntas que levantam. Mas eu não tenho respostas para o que se passou
com o padre Smith. Não compreendo. Estou atordoado por este mistério de
iniquidade (2 Tess 2,7)
Bem sei, como diz o aforismo, que corruptio optimi pessimum est (A corrupção do melhor é a pior). Nós
procurávamos no padre Smith e nos seus pares o sagrado, e deram-nos o profano;
a virtude, e deram-nos o vício; a pureza, e deram-nos perversão. Foi chamado a
ser digno do seu ministério (Ef. 4,1). Mas traiu as suas promessas e o seu
sacerdócio. Os votos e o potencial do melhor padre Smith degeneraram de alguma
forma na maldade moral que foi o pior padre Smith.
Rezamos ferverosamente, claro, por todas as vítimas do
mal. Penso também no padre Smith de vez em quando, e rezo pelo repouso da sua
alma. Foi um pároco tão bom, uma influência tão boa, que pelo menos um dos seus
antigos acólitos o procuraria, anos mais tarde, para lhe agradecer. Deve ter
feito muito de bom (que recordo) bem como muito mal (que, graças a Deus, nunca
vi ou ouvi enquanto ele serviu na minha paróquia).
Será que ele pensou, para o fim da sua vida, nas muitas
formas como traiu os seus votos sacerdotais solenes, e naqueles que tinha
violado de forma tão cruel? Será que se arrependeu quando jazia, moribundo, com
doença cardíaca? E será que perguntou a si mesmo e a Deus, enquanto morria,
“como é que isto aconteceu?”
Rezo que sim.
O diácono James H. Toner, Ph.D., é professor emérito de
Liderança e Ética na U.S. Air War College, e autor de “Morals Under the Gun” e
outros livros. Leccionou em Notre Dame, Norwich, Auburn, a Academia da Força Aérea
Americana e na escola e seminário de Holy Apostles.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 22 de Outubro de
2017 em The Catholic Thing)
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