Anne Hendershott |
Estudos recentes revelam que os níveis de esperma de
homens no ocidente desceram 60% desde 1971, evocando a grande distopia de
P.D. James “Os Filhos dos Homens”, com a sua visão de uma sociedade que já não
se consegue reproduzir. Baseado no Reino Unido, em 2021, esta ficção
assustadora descreve uma mundo de infertilidade em massa entre os homens, um
mundo em que não nascem crianças há 25 anos. No livro, o último bebé que nasceu
é agora um adulto e a população está a envelhecer. Tal como na realidade
actual, os cientistas no livro de James ainda não conseguiram descobrir uma
cura, ou sequer uma causa, para a infertilidade.
No artigo em que publicam as suas descobertas, na revista
Human Reproduction Update, os investigadores – de Israel, Estados
Unidos, Dinamarca, Brasil e Espanha – concluem que o total de contagem de
esperma caiu 59.3% entre 1971 e 2011 na Europa, América do Norte, Austrália e
Nova Zelândia.
Alguns cientistas afirmam que a “vida moderna” causou
sérios danos à saúde dos homens. Pesticidas, poluição, dieta, stresse, tabaco e
obesidade… todos têm sido associados ao problema, com algum grau de plausibilidade.
Mas há menos homens a fumar do que nunca e os controlos de
poluição e de pesticidas que os governos têm implementado ao longo dos últimos
40 anos diminuíram vários destes riscos.
Durante a Revolução Industrial, no século XIX, os
homens incorriam em riscos de saúde muito maiores ao trabalhar em fábricas numa
altura em que não havia sequer regulamentos sobre a qualidade do ar. Havia
menos problemas de fertilidade nessa altura, as famílias eram numerosas e
ninguém se preocupava com a contagem de esperma.
A obesidade pode ser um factor, mas os investigadores
ainda não conseguiram estabelecer uma ligação. Um grupo de investigadores da Faculdade
de Medicina da Universidade de Loma Linda fez um
estudo ao longo de quatro anos com uma população de Adventistas do Sétimo
Dia, que são rigorosamente vegetarianos. Os resultados revelaram que os
vegetarianos têm uma média de contagem e de mobilidade de esperma significativamente
mais baixas que carnívoros, mas o veganismo é um estilo de vida minoritário
ainda, especialmente entre homens, e por isso não pode ser a principal causa do
fenómeno.
As causas para este declínio de fertilidade continuam por
apurar. Mas para se compreender as consequências de uma sociedade estéril, a
história de P.D. James descreve um mundo sombrio em que emerge um Governo
totalitário para manter a ordem – e fornecer “conforto” aos residentes. É um
mundo em que os animais de estimação se substituem às crianças e a religião
parece ter perdido o seu sentido. Porém, na tentativa fraca de manter os
rituais cristãos as igrejas anglicanas levam a cabo cerimónias de baptismo elaboradas
para os gatinhos de estimação da população, repletas de vestidos brancos e
boinas.
Na sociedade estéril de P.D. James, o sexo entre os
jovens tornou-se “o menos importante dos prazeres sensoriais do homem”. E embora
os homens e as mulheres ainda se casem, é frequentemente com pessoas do mesmo
sexo. O desejo sexual diminuiu a par da fertilidade masculina, não obstante os
esforços do Governo para estimular o desejo através de lojas de pornografia
patrocinadas pelo Estado.
De certa forma o romance de James descreve uma sociedade
que conseguiu precisamente aquilo que queria: prazer sexual sem risco de gravidez.
Mas a ironia é que não havendo possibilidade de procriação, o sexo perde o seu
sentido. É um facto que enfrentamos cada vez mais hoje enquanto debatemos se o
Estado deve obrigar todos os contribuintes, incluindo aqueles que têm objecções
religiosas, a pagar pelos “direitos reprodutivos” de todas as mulheres, numa
altura em que há cada vez mais preocupações com a infertilidade masculina.
Há muito que os antropólogos e os sociólogos sabem que
a questão da fertilidade humana numa dada população tem de ser vista de uma
perspectiva cultural. A cultura é a forma de vida, ou a concepção de vida que
caracteriza cada sociedade humana. Inclui os valores partilhados, normas e
comportamentos de uma dada sociedade.
Para compreender as taxas de fertilidade e a diminuição
da população, devem-se identificar e modificar as influências culturais. A
cultura é importante para se compreender as taxas de fertilidade e para
modificar a actividade sexual, criando uma relação entre o sexo e a reprodução
e o sistema de valores de uma cultura. Quando, numa determinada sociedade, a
chegada de uma criança é desvalorizada, o acto sexual que produz a criança
também se desvaloriza. Note-se que os níveis de fertilidade masculina estão em
queda no Ocidente e não em África, onde as crianças continuam a ser altamente
valorizadas e acolhidas em amor.
Esta perspectiva sociológica ou cultural estava
claramente expressada na Humanae
Vitae: Sobre a Regulação da Natalidade, emitida pelo Papa Paulo VI no
dia 25 de Julho de 1968, onde se lê:
“O problema da natalidade,
como de resto qualquer outro problema que diga respeito à vida humana, deve ser
considerado numa perspectiva que transcenda as vistas parciais – sejam elas de
ordem biológica, psicológica, demográfica ou sociológica – à luz da visão
integral do homem e da sua vocação, não só natural e terrena, mas também
sobrenatural e eterna.”
Talvez seja chegada a hora de considerar a sociologia em
torno da cultura de “direitos reprodutivos” que criámos – a cultura de
contracepção que o Ocidente abraçou. Temos de nos questionar sobre o eventual
custo psíquico de uma cultura em que a contracepção e o aborto são de tal forma
importantes que o ObamaCare procurou obrigar todos os empregadores – incluindo instituições
religiosas – a fornecer aos seus funcionários seguros de saúde que incluíam
cobertura para medicamentos contraceptivos e abortivos abortivos para todos.
É importante realçar que estes declínios de fertilidade
começaram a registar-se em 1971 com o surgimento da pílula contraceptiva e
liberalização do aborto a pedido através de Roe v. Wade. Será que, tal como na
distopia de James, há um preço psíquico a pagar quando começamos a partir do
princípio que podemos controlar todos os aspectos das nossas vidas? Será
possível que tenhamos sobrecontrolado a nossa própria fertilidade?
Anne Hendershott é professora de Sociologia e directora
do Centro Veritas para Ética na Vida Pública, da Universidade Franciscana de
Steubenville, Ohio. É autora do livro The
Politics of Deviance (Encounter Books).
(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 10 de
Agosto de 2017 em The Catholic Thing)
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