Anthony Esolen |
Jesus não é fã de argueiros. Quer-nos livres deles. Ordena-nos
a fazer um sério exame de consciência, uma limpeza espiritual; devemos ser
misericordiosos com os pecadores, mas intolerantes com o pecado, a começar com
o nosso próprio. Estamos zangados com o nosso irmão? Olhámos com desejo para
aquela mulher? Procurámos o lugar de honra na mesa? Rezamos de forma a dar nas
vistas? Alimentamos desejos de vingança contra aqueles que nos magoaram?
Hipocrisia, orgulho, ira, cobiça, vaidade, desejo de
vingança – estes são pecados ou disposições pecaminosas que devemos odiar como
odiamos as doenças do corpo, porque, tal como o cancro, fazem mal à
constituição moral de que Deus nos dotou. Pensem nos pecados sérios como corpos
estranhos que se alojam nos ossos, no sangue, no cérebro e no coração. Jesus
quer-nos livres deles.
Podemos fazer uma distinção claríssima entre o realismo
da Igreja e aquilo a que chamarei o “irrealismo” dos nossos tempos, uma
incapacidade de compreender a realidade do pecado. Quando eu digo que a calúnia
é um pecado isso significa mais do que apenas a constatação do facto de que a
calúnia fere a reputação da vítima, ou que Deus a condenou, ou que, como dizem
os sofistas, a “sociedade” a vê com maus olhos. Significa que Deus a condena da
mesma forma como um médico odeia cancro.
Platão entendia isto – como é que os cristãos não o
percebem? A calúnia devora verdadeiramente as entranhas do caluniador. O
pecador é a primeira e mais miserável vítima do pecado. Não seguimos as leis
morais como se fossem um conjunto de restrições culturais arbitrárias. Deus
criou-nos de forma que florescemos quando obedecemos à lei moral e decaímos,
adoecemos e morremos quando a ignoramos ou violamos.
Tudo isto é independente de opiniões. É a lei que está
inscrita nos nossos corações; a lei com a qual os nossos corações funcionam, e
neste sentido todas as pessoas são iguais. Não há dois ou três tipos de coração
diferentes que bombeiam o sangue pelos nossos corpos; só um. Não há dois ou
três testemunhos da lei moral diferentes inscritas no nosso coração, apenas um.
O coração físico é feito para sangue, não para água ou cola. O coração moral é
formado por aquilo que é verdadeiramente bom, não para a hipocrisia, orgulho,
ira, luxúria, cobiça, vaidade ou vingança.
Claro que, se viver cercado de pessoas que enchem o coração
moral de cola e chamam-lhe um tipo de sangue diferentes, e seguir os seus
exemplos, poderá não ser culpado de uma violação consciente e intencional da
lei de Deus. A sua culpa é mitigada pela sua insensatez. Mas a cola não deixa
de ser cola. Chame-lhe o que quiser; o pecado não se verga às alcunhas. Pode
chamar ao melanoma na bochecha do seu irmão um sinal, mas os seus perigosos
tentáculos não deixarão de fazer o seu trabalho.
E porque é que lhe chamaria um sinal? Talvez não creia
verdadeiramente naquilo que a Igreja ensina. Segue-o na sua própria vida, mas
não lhe dá verdadeiro crédito. É um resíduo de um hábito cultural; como um
judeu que segue as leis kosher, mas que não insiste que os filhos o façam,
porque já não vê qualquer ligação entre essas leis e a aliança entre Deus e
Israel. Não tem valor real.
E portanto você diz que a fornicação é errada, porque
Deus a condenou, mas não acredita verdadeiramente que a fornicação é errada, e
que por isso a condenação de Deus é um pouco como um alarme, uma barreira de
segurança. Diz a si mesmo que Deus ignorará esse mal, tal como você ignora,
porque assim é tudo mais fácil.
Você não é um hipócrita moralista. É um hipócrita
não-moralista, que se congratula por ter uma mente muito aberta que, na
realidade, não passa de indiferença e cobardia.
Ou então chama-lhe um sinal porque é isso que toda a
gente lhe chama e de alguma forma tem esperança que Deus alinhe. Diz que toda a
gente é pecadora, por isso pouco interessa qual é o pecado que desfigura o seu
irmão. No fim Deus apagará tudo.
Mas essa atitude não é reconciliável com as palavras e o
exemplo de Jesus, e faz com que a Cruz não tenha qualquer sentido. Para quê
morrer por um povo paralisado pelo pecado quando seria muito mais fácil
encolher os ombros perante a paralisia e com um toque de uma varinha mágica na
ressurreição dos mortos: Já está! Toda a gente é santa.
Nesse esquema não há lugar para o amor. Se vê um cancro
não diz: “Bem, toda a gente vai morrer de alguma coisa eventualmente, qual é o
problema?” Se vir um homem deitado numa vala, espancado quase até à morte, não
olha para ele e diz “bem, se não fosse isto era outra coisa qualquer” e segue o
seu caminho.
Interessa que o homem se tenha lançado para a vala? Interessa
que o seu irmão esteja a preparar uma corda para se enforcar? A vontade altera
a realidade do mal? Se duas pessoas concordam em jogar à roleta russa, isso faz
com que o jogo seja menos mortal? O consentimento mútuo no mal tanto pode
agravar a culpa como mitigá-la. Num duelo, ambos consentem.
Caros leitores, chegou a hora de voltar à realidade.
Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são: Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.
(Publicado pela primeira vez na quinta-feira, 3 de Agosto de 2017 em The Catholic Thing)
©
2017 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os
direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica
inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus
autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment