Wednesday, 18 March 2015

Homossexualidade e Direito Natural

Daniel McInerny
No âmbito do seu corajoso esforço para proteger os estudantes católicos da sua diocese dos efeitos perniciosos da agenda homossexual, o Arcebispo Salvatore Cordileone, de São Francisco, invocou o direito natural para sublinhar a inaceitabilidade das relações homossexuais e do casamento homossexual.

Mas Gary Gutting, professor de Filosofia na Universidade de Notre Dame e colunista regular no New York Times, questionou a forma como o arcebispo compreende o direito natural. Ele acredita que, bem entendido, o direito natural apoia a prática e o casamento homossexual. Gutting está totalmente errado nesta sua visão e é importante que se perceba porquê.

Em primeiro lugar, porém, é preciso pegar em duas questões relativas ao direito natural. Como é que o direito natural se relaciona com a fé? E como é que funcionam os argumentos do direito natural?

O direito natural não é um conceito especificamente católico. Na praça pública, costumam ser os católicos a invocá-lo, mas isso é só porque costumam ter uma apreciação robusta da integridade e abrangência da razão natural – a utilização das nossas mentes independentemente de revelações divinas.

Esta luz natural do nosso intelecto é complementada e aperfeiçoada pelas revelações de Deus, especialmente pelos dogmas da nossa fé. Mas esta luz sobrenatural não diminui de forma alguma a integridade da razão natural, que é capaz de discernir as leis que governam o exercício virtuoso das nossas capacidades humanas.

Resumindo, o direito natural depende da razão e, por isso, está ao alcance, em princípio, das mentes de todo e qualquer ser humano, seja católico ou não.

O professor Gutting aprecia esta distinção. Ele não confunde os argumentos de direito natural com a teologia revelada. Na sua resposta ao arcebispo Cordileone, o principal objectivo é confrontar os seus argumentos no terreno dos princípios naturais ou filosóficos. (Depois, Gutting recorre às escrituras para atacar os argumentos contra a homossexualidade, mas deixemos isso para os biblistas).

Então como é que funcionam os argumentos do direito natural? Para responder a isto, temos primeiro de ver o que significa qualquer lei ou preceito. “A noção de um preceito”, escreve São Tomás de Aquino, “significa a ordem para um fim, na medida em que aquilo que é ordenado é necessário ou expediente para um fim”.

De igual modo, uma lei ou um preceito natural significa aquilo que é necessário ou expediente para um dos nossos fins naturais. E quais são os fins naturais do ser humano? São os bens que aperfeiçoam a nossa natureza, os bens para os quais fomos criados e que a nossa natureza anseia antes sequer de tomarmos decisões particulares: bens como a vida, a família, a educação, amizade, comunidade política, verdade e, acima de tudo, a verdade sobre Deus.

Um argumento de lei natural parte da examinação dos bens que aperfeiçoam ou cumprem a natureza humana. Estes argumentos procuram clarificar as leis ou os preceitos que governam a busca necessária ou expediente destes bens.

Gutting sustenta a sua crença de que o direito natural apoia a agenda gay em dois argumentos, o primeiro dos quais revela a fraqueza de ambos. Este argumento prende-se com aquilo que Gutting entende como sendo os efeitos benéficos sexo “não reprodutivo”, isto é, relações homossexuais.

Gary Gutting
O seu argumento é colocado em forma de pergunta: “Mesmo que o sexo não reprodutivo fosse de alguma forma menos ‘natural’ que o reprodutivo, não poderia desempenhar um papel positivo num amor humanamente satisfatório* entre duas pessoas do mesmo sexo?”

Tudo depende do que Gutting quer dizer por “satisfatório”. Como acabámos de ver, os preceitos da lei natural governam a busca de bens que satisfazem a nossa natureza humana. O professor Gutting limita-se a assumir uma noção particular de satisfação humana, concordando com o filósofo John Corvino que: “Uma relação homossexual, tal como uma heterossexual, pode ser um lugar significativo de sentido, crescimento, satisfação. Pode realizar uma variedade de bens genuinamente humanos; pode dar bom fruto… [para casais hétero ou homossexuais] o sexo é uma forma única e poderosa de edificar, celebrar e repor a intimidade”.

No seu ensaio, Gutting não apresenta argumentos neste sentido, dando como adquirido que esta é uma descrição genuína da satisfação para a qual nos impulsiona o direito natural. Mas a lei natural não está direccionada a uma qualquer noção de satisfação, mas sim, e apenas, à satisfação das nossas inclinações naturais, anteriores à escolha.

Mesmo que aceitássemos que uma relação homossexual possa ser um lugar de “sentido” que “repõe a intimidade”, continuaríamos com a questão de saber se este “sentido” e “intimidade” estão em sintonia com o verdadeiro florescimento da nossa natureza. Sem dúvida que os adúlteros também encontram algum “sentido” e “intimidade” nos seus casos extraconjugais, será isto base suficiente para declarar que o adultério satisfaz genuinamente a natureza humana e, por isso, é permissível à luz do direito natural?

Ao tentar colocar a tradição do direito natural no campo da agenda homossexual, Gutting insere no seu argumento uma noção de satisfação que nenhum defensor do direito natural aceitaria e, com base nesse subterfúgio, declara vitória.

Não deixa de ser interessante que no seu artigo Gutting nunca utiliza as palavras “casamento” e “família” como sendo sequer uma parte da satisfação da sexualidade humana. O mais próximo que chega são referências a “gravidez” e “reprodução”, como sendo aquilo que a tradição do direito natural indica como o propósito das relações sexuais.

Mas esta é uma deturpação gritante. O propósito natural do sexo não é, por si só, uma gravidez, mas sim um lar. E por “lar” estou-me a referir a um marido e uma mulher, casados, cujos actos procriadores resultaram, oxalá, no dom de crianças barulhentas, cansativas e exigentes, pelas quais os membros do casal estão dispostos a sacrificar as suas vidas.

Se Gutting não vai referir o bem do lar, então não está a falar do sexo no sentido usado pela tradição do direito natural.

Logo, a razão não está do seu lado na sua tentativa de colocar essa tradição ao serviço da agenda homossexual.


*O termo usado em inglês é “fulfilling”. A palavra “satisfatório” pode parecer ser referente apenas às necessidades ou desejos físicos ou superficiais, mas neste contexto deve ser entendido como algo que satisfaz inteiramente o homem, também a um nível mais profundo e espiritual.


Daniel McInerny é filósofo e autor de obras de ficção para crianças e adultos. Mais informação em danielmcinerny.com.

(Publicado pela primeira vez no sábado, 14 de Março de 2015 em The Catholic Thing)

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