Daniel McInerny |
No âmbito do seu corajoso esforço para proteger os
estudantes católicos da sua diocese dos efeitos perniciosos da agenda homossexual,
o Arcebispo Salvatore Cordileone, de São Francisco, invocou o direito natural
para sublinhar a inaceitabilidade das relações homossexuais e do casamento
homossexual.
Mas Gary Gutting, professor de Filosofia na Universidade
de Notre Dame e colunista regular no New York Times, questionou
a forma como o arcebispo compreende o direito natural. Ele acredita que, bem
entendido, o direito natural apoia a prática e o casamento homossexual. Gutting
está totalmente errado nesta sua visão e é importante que se perceba porquê.
Em primeiro lugar, porém, é preciso pegar em duas questões
relativas ao direito natural. Como é que o direito natural se relaciona com a
fé? E como é que funcionam os argumentos do direito natural?
O direito natural não é um conceito especificamente
católico. Na praça pública, costumam ser os católicos a invocá-lo, mas isso é
só porque costumam ter uma apreciação robusta da integridade e abrangência da
razão natural – a utilização das nossas mentes independentemente de revelações divinas.
Esta luz natural do nosso intelecto é complementada e
aperfeiçoada pelas revelações de Deus, especialmente pelos dogmas da nossa fé.
Mas esta luz sobrenatural não diminui de forma alguma a integridade da razão
natural, que é capaz de discernir as leis que governam o exercício virtuoso das
nossas capacidades humanas.
Resumindo, o direito natural depende da razão e, por
isso, está ao alcance, em princípio, das mentes de todo e qualquer ser humano,
seja católico ou não.
O professor Gutting aprecia esta distinção. Ele não
confunde os argumentos de direito natural com a teologia revelada. Na sua
resposta ao arcebispo Cordileone, o principal objectivo é confrontar os seus
argumentos no terreno dos princípios naturais ou filosóficos. (Depois, Gutting
recorre às escrituras para atacar os argumentos contra a homossexualidade, mas
deixemos isso para os biblistas).
Então como é que funcionam os argumentos do direito
natural? Para responder a isto, temos primeiro de ver o que significa qualquer
lei ou preceito. “A noção de um preceito”, escreve São Tomás de Aquino,
“significa a ordem para um fim, na medida em que aquilo que é ordenado é necessário
ou expediente para um fim”.
De igual modo, uma lei ou um preceito natural significa
aquilo que é necessário ou expediente para um dos nossos fins naturais. E quais
são os fins naturais do ser humano? São os bens que aperfeiçoam a nossa
natureza, os bens para os quais fomos criados e que a nossa natureza anseia
antes sequer de tomarmos decisões particulares: bens como a vida, a família, a
educação, amizade, comunidade política, verdade e, acima de tudo, a verdade
sobre Deus.
Um argumento de lei natural parte da examinação dos bens
que aperfeiçoam ou cumprem a natureza humana. Estes argumentos procuram
clarificar as leis ou os preceitos que governam a busca necessária ou
expediente destes bens.
Gutting sustenta a sua crença de que o direito natural
apoia a agenda gay em dois argumentos, o primeiro dos quais revela a fraqueza
de ambos. Este argumento prende-se com aquilo que Gutting entende como sendo os
efeitos benéficos sexo “não reprodutivo”, isto é, relações homossexuais.
Gary Gutting |
Tudo depende do que Gutting quer dizer por “satisfatório”.
Como acabámos de ver, os preceitos da lei natural governam a busca de bens que
satisfazem a nossa natureza humana. O professor Gutting limita-se a assumir uma
noção particular de satisfação humana, concordando com o filósofo John Corvino
que: “Uma relação homossexual, tal como uma heterossexual, pode ser um lugar
significativo de sentido, crescimento, satisfação. Pode realizar uma variedade
de bens genuinamente humanos; pode dar bom fruto… [para casais hétero ou
homossexuais] o sexo é uma forma única e poderosa de edificar, celebrar e repor
a intimidade”.
No seu ensaio, Gutting não apresenta argumentos neste
sentido, dando como adquirido que esta é uma descrição genuína da satisfação
para a qual nos impulsiona o direito natural. Mas a lei natural não está direccionada
a uma qualquer noção de satisfação, mas sim, e apenas, à satisfação das nossas
inclinações naturais, anteriores à escolha.
Mesmo que aceitássemos que uma relação homossexual possa
ser um lugar de “sentido” que “repõe a intimidade”, continuaríamos com a
questão de saber se este “sentido” e “intimidade” estão em sintonia com o
verdadeiro florescimento da nossa natureza. Sem dúvida que os adúlteros também
encontram algum “sentido” e “intimidade” nos seus casos extraconjugais, será
isto base suficiente para declarar que o adultério satisfaz genuinamente a
natureza humana e, por isso, é permissível à luz do direito natural?
Ao tentar colocar a tradição do direito natural no campo
da agenda homossexual, Gutting insere no seu argumento uma noção de satisfação
que nenhum defensor do direito natural aceitaria e, com base nesse subterfúgio,
declara vitória.
Não deixa de ser interessante que no seu artigo Gutting
nunca utiliza as palavras “casamento” e “família” como sendo sequer uma parte
da satisfação da sexualidade humana. O mais próximo que chega são referências a
“gravidez” e “reprodução”, como sendo aquilo que a tradição do direito natural
indica como o propósito das relações sexuais.
Mas esta é uma deturpação gritante. O propósito natural
do sexo não é, por si só, uma gravidez, mas sim um lar. E por “lar” estou-me a
referir a um marido e uma mulher, casados, cujos actos procriadores resultaram,
oxalá, no dom de crianças barulhentas, cansativas e exigentes, pelas quais os
membros do casal estão dispostos a sacrificar as suas vidas.
Se Gutting não vai referir o bem do lar, então não está a
falar do sexo no sentido usado pela tradição do direito natural.
Logo, a razão
não está do seu lado na sua tentativa de colocar essa tradição ao serviço da
agenda homossexual.
*O termo usado em inglês é “fulfilling”. A palavra “satisfatório”
pode parecer ser referente apenas às necessidades ou desejos físicos ou
superficiais, mas neste contexto deve ser entendido como algo que satisfaz inteiramente
o homem, também a um nível mais profundo e espiritual.
Daniel McInerny é filósofo e autor de obras de ficção
para crianças e adultos. Mais informação em danielmcinerny.com.
(Publicado pela primeira vez no sábado, 14 de Março de
2015 em The Catholic Thing)
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