Wednesday 16 April 2014

Porque Não Escrevo sobre o Vaticano

Randall Smith
Na qualidade de professor de teologia recebo vários pedidos para comentar “desenvolvimentos” no Vaticano. “Pode comentar o facto do Papa Francisco ter mandado este cardeal para aqui e mudado aquele para ali?” “O que é que isto significa para a Igreja?” “Como é que vai afectar os católicos?” Tenho de lhes dizer: “Desculpe, mas não comento politiquices do Vaticano”.

Em primeiro lugar, não sei se as pessoas percebem isto ou não, mas geralmente não cobrem políticas do Vaticano nas licenciaturas de Teologia. Estranhamente, “Mudanças de Cardeais no Vaticano” não foi uma das cadeiras da licenciatura que frequentei. “Lidar com Dicastérios” também não, nem “Arrumar a Casa no Banco do Vaticano”. Por alguma razão, as universidades preferem concentrar-se em Jesus Cristo, a Trindade, as Escrituras, a Igreja, a Salvação, as Virtudes, a Graça, os Sacramentos – coisas desse género.

Por isso eu não sou mais qualificado para comentar a confusão mais recente no Vaticano do que qualquer outra pessoa. E quando ouço outras pessoas a comentar estes assuntos, normalmente também não sabem do que estão a falar. Pode-se contar o número de comentadores fiáveis sobre o Vaticano nos dedos de uma mão – mesmo que tenha perdido alguns dedos.

Já reparei que muitas pessoas papagueiam a ideia de que precisamos de “reformas no Vaticano”, apesar de não terem a menor ideia do que as pessoas no Vaticano fazem. Simplesmente ouviram pessoas a dizer que é preciso reformar o Vaticano tantas vezes que repetem a ideia. A minha suposição é que claro que precisamos de reformas. Quando é que não precisámos de reformas? Reformas constantes, renovação, arrependimento de falhas e dedicação renovada aos objectivos primeiros da instituição – de qualquer comunidade humana! É um dos efeitos do pecado original.

Claro que há alturas em que o Vaticano está melhor e outras em que está pior. Prefiro o melhor ao pior. Mas mesmo quando está “melhor”, é sempre composto por pecadores desgraçados necessitados do perdão, da redenção e da santificação oferecidos por Jesus Cristo.

Não é que eu não queira saber o que se passa no Vaticano, é só que não há nada que possa fazer sobre o assunto. Só sei que precisamos de rezar pelo Papa e todos os membros da Cúria. Portanto é isso que faço. Eles não precisam dos meus conselhos.

Estarei ingenuamente convencido de que farão sempre as escolhas certas? Um olhar rápido por qualquer período da história da Igreja sugere redondamente que não. Mas por outro lado, um olhar para toda a história da Igreja sugere (para quem tem ouvidos para ouvir e olhos para ver) que o Espírito Santo continua a guardar a Igreja e a guiá-la por entre as brumas da história. Dado o carácter de alguns dos coitados que têm sido responsáveis por ela (como aquele tipo que negou sequer conhecer Cristo e que viria a ser o primeiro Papa e a rocha sobre a qual foi edificada), se o Espírito Santo não tivesse protegido a Igreja todos estes anos, como é que teria sobrevivido?

Às vezes preocupo-me quando vejo uma pessoa com fé pouco esclarecida a atrever-se a olhar “para os bastidores” da Igreja. Quando alguém se torna ministro extraordinário da comunhão, por exemplo, o lidar directamente com as hóstias pode levar a uma certa “desmistificação” da Eucaristia. Uma pessoa que não esteja preparada para isso pode ser tentada a pensar: “afinal isto é só um pedaço de pão. Quer dizer, as hóstias são enviadas por correio num saco de plástico!”
 
"Deixem os homens trabalhar!"
Não, não são levadas misticamente por anjos até à porta traseira da Igreja. E antes da consagração, de facto é mesmo apenas pão. O problema é que há pessoas que simplesmente não têm maturidade para compreender que Deus pode pegar na coisa mais rasca e transformá-la na coisa mais maravilhosa.

De igual modo há pessoas que provavelmente não têm maturidade suficiente para pensar sobre a mais recente confusão no Vaticano, porque não terão capacidade para ver como Deus pode pegar até nesta confusão – a fuga dos discípulos, negações de Cristo, crucificação do Salvador – e torná-la um veículo de graça. Se não gosta de ver como a comida é preparada, saia da cozinha.

Na mesma medida, quando o Papa publica uma encíclica ou uma exortação apostólica, leia-a. Tente compreendê-la e vivê-la. É isso que o Vaticano faz e as pessoas deviam-se interessar.

Infelizmente não me parece que seja isso que acontece. Os blogs de queixas e de preocupações recebem muitas visitas. Os artigos que explicam os ensinamentos católicos não, ou pelo menos é isso que me dizem. Não foi São Paulo que nos alertou para “pensar nas coisas que são de cima”? Essa sabedoria encontra-se reflectida naquilo que lemos?

Bem sei que muitas pessoas gostam de saber das politiquices do Vaticano. Mas eu prefiro que os fiéis as ignorem, na medida do possível. Os fiéis têm coisas mais importantes com que se preocupar do que a última “intriga” do Vaticano – coisas do tipo, sei lá, dar de comer aos pobres, ir à missa, tomar conta de pais idosos, criar os seus filhos, melhorar as escolas, renovar os bairros, votar em políticos responsáveis, confessarem-se bem, serem esposos fiéis. A lista de coisas mais importantes que devem preocupar um católico – as coisas sobre as quais podemos, e devemos, fazer alguma coisa – é interminável.

Por isso, por favor rezem constantemente pelo Papa, pelos cardeais e pelos bispos. Rezem para que eles tenham a sabedoria e o amor para acudir fielmente aos apelos do Espírito Santo. Depois deixem o Santo Padre e os bispos fazer o trabalho para o qual receberam do Espírito Santo o Carisma especial. Deixem o Papa preocupar-se com a burocracia do Vaticano. Essa é uma das suas funções – das menos interessantes e mais aborrecidas. Nós, leigos, temos outras coisas com que nos preocupar, sobretudo agora que se aproxima o final da Páscoa.


Randall Smith é professor na Universidade de St. Thomas, Houston, onde recentemente foi nomeado para a Cátedra Scanlon em Teologia.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 6 de Abril 2014 em The Catholic Thing)

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