Wednesday 21 November 2012

Conversas imaginárias sobre “bispas” adiadas

Não. Se adormeceres passa mais depressa.
A Igreja de Inglaterra (Anglicana), decidiu ontem adiar o inevitável e, numa votação que apanhou todos de surpresa, rejeitou a possibilidade de ordenar mulheres para o episcopado.

Como quase tudo o que diz respeito à Igreja Anglicana, esta história é tremendamente complexa. Vou tentar por isso desvendá-la, imaginando uma conversa imaginária com alguém que não sabe nada sobre o assunto.

Então o que é que se passou?
A Igreja de Inglaterra, a mais antiga e influente das igrejas da Comunhão Anglicana, rejeitou uma proposta que permitira a ordenação episcopal de mulheres. Ou seja, na Igreja de Inglaterra não vai haver mulheres bispo tão cedo, pelo menos mais cinco anos, de acordo com as regras internas.

Uma maioria votou contra, foi?
Não. A esmagadora maioria votou a favor. Mas a Igreja Anglicana tem um sistema que obriga a que este tipo de decisões seja tomada por maioria de dois terços em cada uma das câmaras do sínodo, a dos bispos, a do clero e a dos leigos. A câmara dos bispos, actualmente, é composta só por homens. A do clero e dos leigos tem homens e mulheres. Globalmente três quartos dos membros do sínodo votou a favor.

Portanto foi mais um caso em que os bispos, só homens, impedem o avanço social contra a vontade dos padres e leigos esclarecidos?
Também não. Os bispos votaram esmagadoramente a favor, os padres também. Foi na câmara dos leigos que a medida foi chumbada, por uma unha negra, mais precisamente seis votos.

Quem é que é contra?
A Igreja Anglicana tem muitas facções. Entre elas a facção dos anglo-católicos e dos evangélicos. Os anglo-católicos são conservadores do ponto de vista litúrgico e depois alguns também são conservadores do ponto de vista teológico. Os evangélicos tendem a ser conservadores do ponto de vista teológico e liberais do ponto de vista litúrgico.

Neste caso a oposição vem de uma aliança entre anglo-católicos e evangélicos conservadores.

Mas não há mulheres bispo na Igreja Anglicana?
Há, mas não na Igreja de Inglaterra. O que levanta uma situação algo estranha de uma igreja que rejeita a ordenação episcopal de mulheres se encontrar em comunhão com outras, como por exemplo o Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que aceitam. Aliás, nos Estados Unidos a Igreja é mesmo chefiada por uma mulher.

Mas em Inglaterra não há ordenação de mulheres, é isso?
Pelo contrário, há ordenação de mulheres mas só para o diaconado e para o sacerdócio.

Uma mulher padre a fazer figas antes da votação
Então esses tais conservadores são contra mulheres bispo mas aceitam mulheres nas outras ordens? Como é que é isso?
É mais complicado do que parece. Para começar eles não aceitam mulheres no sacerdócio e, na esmagadora maioria dos casos, estão reunidos em paróquias que são servidas exclusivamente por homens.
Mas há aqui uma diferença importante. É que para um cristão que não aceita a ordenação de mulheres qualquer acto sacerdotal que ela pratique é nulo. Por isso, a Eucaristia celebrada por uma mulher não seria um acto verdadeiro, não haveria consagração, por exemplo. Isto é importante para os anglo-católicos. Para os evangélicos é a questão da tradição de os líderes das comunidades cristãs serem homens, uma vez que não tendem a acreditar na Eucaristia e nos outros sacramentos que dependem do sacerdócio, como acreditam os católicos e os anglo-católicos.

A diferença é que os bispos podem ordenar sacerdotes e aí o caso muda de figura, porque para quem não acredita na validade das ordens femininas, isso implica introduzir na linhagem episcopal ordens inválidas, o que por sua vez afecta todos os outros sacramentos. Por exemplo um homem que fosse ordenado por uma mulher não seria um padre válido, e por conseguinte os sacramentos que celebrasse seriam inválidos etc. etc. etc.

Então nunca vai haver mulheres bispo na Igreja de Inglaterra?
Provavelmente vai. Se forem respeitadas as regras da própria Igreja, então o assunto só pode voltar a ser discutido daqui a cinco anos. Veremos nessa altura se os conservadores consolidaram a sua posição ou ficaram mais fracos. Mas há a possibilidade de o Governo e os tribunais intervirem antes disso.

Como?
A Igreja de Inglaterra é a confissão oficial do Estado, por isso tem de responder perante o poder político. Os políticos ficaram furiosos com a decisão de ontem e já se fala em acabar com a isenção que a Igreja tinha em relação à lei da igualdade, que proíbe a discriminação laboral em função do sexo. Se isso acontecer a medida poderá mesmo ser imposta judicialmente ou politicamente. A acontecer isso levantará toda uma outra discussão sobre liberdade religiosa…

Mais dúvidas? É também para isso que existe a caixa de comentários, tentarei fazer os possíveis para vos esclarecer.

Filipe d'Avillez


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