Michele McAloon |
Num país onde a prática religiosa nos últimos anos tem
sido anémica, na melhor das hipóteses, este último golpe pode ser fatal para a
vida espiritual dos alemães. Porém, os bispos mantêm-se em silêncio sobre restrições
locais e estaduais motivadas pela Covid.
Salvo o que se passou o ano passado quando a anterior
chanceler alemã Angela Merkel tentou cancelar a Páscoa – não estou a gozar –
não tem havido quaisquer relatos nos media da Alemanha de prelados, ou até
cidadãos individuais, a protestar contra ordens governamentais sobre quem é que
as Igrejas podem servir durante a pandemia. Merkel acabou por ceder e permitir
as celebrações pascais, mas só depois de protestos e pressão de empresários e
comerciantes.
A comparação entre a resposta americana e a alemã
relativa à regulação de ajuntamentos religiosos diz muito sobre o diferente
entendimento de liberdade religiosa nas duas nações.
A reação nos Estados Unidos às restrições a ajuntamentos
religiosos não podia ter sido mais diferente. Em Abril de 2020, quando foram
introduzidas restrições para prevenir a propagação da Covid-19, surgiu uma
verdadeira tempestade de processos judiciais, a alegar a violação da Primeira
Emenda.
As batalhas sobre liberdade religiosa foram travadas de
forma apaixonada nos tribunais e nos media por organizações como o Becket Fund
for Religious Liberty e a Alliance Defending Freedom que interpuseram acções
nos tribunais federais contra governadores que emitiram decretos estaduais para
impedir as celebrações religiosas. A reação pública foi audível e rápida. O
resultado é que durante esta última vaga da pandemia as igrejas têm-se mantido
maioritariamente abertas. Os governadores evitam arreliar os eleitores.
Mas ao contrário dos Estados Unidos, onde a Constituição
proíbe o governo federal de se intrometer em assuntos religiosos, a
Constituição alemã nada diz sobre o assunto. Oficialmente não existe Igreja de
Estado na Alemanha, mas desde 1919 que o Governo alemão cobra um “imposto
eclesial” (Kirchensteuer, em alemão). Na prática, este imposto transforma a
Igreja alemã numa espécie de agência estatal.
Se alguém estiver oficialmente registado como católico,
ou membro de outra confissão, são-lhe cobrados mais 8 ou 9% de IRS. A única
forma de evitar este imposto é fazendo uma declaração a renunciar a pertença
religiosa. Nesse caso, o indivíduo deixa de poder receber os sacramentos ou um
enterro cristão.
Em 2020 este imposto gerou 7,75 mil milhões de dólares
para a Igreja Católica Alemã, apesar de um número recorde de católicos terem
abandonado a Igreja. Em 2019 foram 272,771 os que saíram – um ligeiro aumento
em relação aos números de 216,078, em 2018. Contudo, o dinheiro tem comprado
silêncio e muito pouca oposição dos bispos (cujo ordenado é pago pelo Estado)
quando o governo interfere em assuntos religiosos.
A Colónia de Virgínia designou o Anglicanismo como
religião de Estado e de seguida passou a cobrar impostos para financiar a
igreja. O tratamento desigual e por vezes abusivo de outras denominações
religiosas na colónia – tanto da parte de representantes do Governo como dos
cidadãos – revoltou Madison. No seu discurso na Assembleia Estadual observou
que as Igrejas de Estado “tendem para grande ignorância e corrupção” por causa
da promoção do “orgulho, ignorância e malandrice” e “vício e maldade entre os
leigos”. Madison acabou por convencer os seus concidadãos a deixarem de
financiar as igrejas, e esta experiência ao nível do Estado sublinhou a
necessidade da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos.
Tendo em conta a diferença na lei alemã, não admira que o
infame Caminho Sinodal da Conferência Episcopal (que está a ser acompanhada de
perto por leigas particularmente estridentes) se tem desviado rumo à corrupção
(como Madison avisou), tentando abençoar uniões homossexuais, a ordenação de
mulheres e até a abolição do sacerdócio. Entretanto a evangelização – a missão
central da Igreja – tem sido quase completamente esquecida.
Os bispos alemães têm feito ouvidos moucos aos apelos
repetidos do Papa Francisco para se focarem na evangelização, dada a “crescente
erosão e deterioração da fé”. Numa carta de 28 páginas endereçada aos bispos, o
Papa Francisco escreve: “Sempre que uma comunidade eclesial tentou resolver os
seus problemas sozinha, dependendo apenas das suas próprias forças, métodos e
inteligência, acabou por multiplicar e fomentar os males que pretendia
ultrapassar.” Ironicamente, em resposta, os bispos acentuaram os seus esforços.
Desde 2019, quando o Papa escreveu a carta, vários bispos encorajaram
publicamente a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Porém, a
Conferência Episcopal tem-se mantido em silêncio sobre as restrições ao culto
religioso motivados pela Covid-19.
A maioria dos alemães que continuam a ir à missa são
católicas fiéis e ortodoxos que não concordam com o caminho sinodal. Mas
mantêm-se em silêncio, com medo de uma sociedade religiosamente intolerante e
obcecada com regras. Resta ver se estes poucos crentes – o último bastião de
católicos fiéis na Alemanha – irá cumprir com as regras de admissão nas suas
igrejas locais.
Historicamente, não é despropositado nem xenófobo
perguntar o que pode vir a preencher o vazio numa Alemanha espiritualmente
despojada ou, por falar nisso, noutra nação qualquer. Mas dêem graças pelo
barulho e a revolta demonstrados pelo povo americano – por mais preocupante que
possa parecer no momento. Desde a fundação dos Estados Unidos até hoje, a luta
dos americanos pela liberdade religiosa tem tido consequências muito para além
das suas fronteiras.
Michele Malia McAloon é casada há quase 28 anos. É mãe,
oficial das Forças Armadas americanas na reserva e advogada de direito
canónico. Vive em Wiesbaden, na Alemanha. Pode ouvir o seu podcast
“Cross Word” no Spotify, Apple Podcasts e archangelradio.com.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 20 de Agosto de
2022)
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