Randall Smith |
Na encíclica Veritatis Splendor, de João Paulo II, a
palavra “consciência” surge 108 vezes, maioritariamente em contextos em que
está a tentar corrigir erros modernos, como aqui:
Generalizada se encontra também a opinião que põe em
dúvida o nexo intrínseco e indivisível que une entre si a fé e a moral, como se
a pertença à Igreja e a sua unidade interna se devessem decidir unicamente em
relação à fé, ao passo que se poderia tolerar no âmbito moral um pluralismo de
opiniões e de comportamentos, deixados ao juízo da consciência subjectiva
individual ou à diversidade dos contextos sociais e culturais. (#4)
E novamente aqui:
Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se
a exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte
dos valores. Nesta direcção, movem-se as doutrinas que perderam o sentido da
transcendência ou as que são explicitamente ateias. Atribuíram-se à consciência
individual as prerrogativas de instância suprema do juízo moral, que decide
categórica e infalivelmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a
própria consciência foi indevidamente acrescentada aqueloutra de que o juízo
moral é verdadeiro pelo próprio facto de provir da consciência. Deste modo,
porém, a imprescindível exigência de verdade desapareceu em prol de um critério
de sinceridade, de autenticidade, de «acordo consigo próprio», a ponto de se
ter chegado a uma concepção radicalmente subjectivista do juízo moral. (#32)
Na conferência de 1991, o cardeal Ratzinger conta a
história de um colega dos seus dias de professor que sugeriu que “devemos na
verdade estar agradecidos” por Deus permitir a existência de “tantos descrentes
de consciência tranquila. Pois se os seus olhos se abrissem e se tornassem
crentes, não seriam capazes, neste nosso mundo, de carregar o fardo da fé, com
todas as suas obrigações morais. Mas desta forma, uma vez que podem seguir o
seu caminho de consciência tranquila, podem alcançar a salvação”. Este diálogo
terá tido lugar numa universidade alemã em meados da década de 1950, ou seja,
ainda à sombra da Shoah.
O que é que pensava aquele colega? Graças a Deus que
tantas pessoas seguiam Hitler “de consciência tranquila”? Pense-se só como
seria irrazoável a Igreja exigir a essas pessoas que carregassem “o fardo da
fé, com todas as suas obrigações morais”!
Sem a âncora da verdade objetiva, “os supostos
pronunciamentos da consciência” tornam-se “apenas o reflexo das circunstâncias
sociais”. “Nenhuma porta ou janela se abre do sujeito para o mundo mais
alargado da… solidariedade humana”.
Há décadas que estes documentos, que clarificam os
ensinamentos da Igreja sobre a consciência, estão disponíveis. Então porque é
que continuamos a ver padres a dizer aos católicos que lhes basta “seguir as
suas consciências”, sem se preocuparem com a verdade e com os ensinamentos da
Igreja? Não sabem ler?
E porque é que temos de levar com declarações como esta,
num artigo do “The Washington Post”, do padre Pat Conroy, o jesuíta que foi
capelão católico da Câmara dos Representantes em Washington, que se propõe
explicar “porque é que há espaço para ser pro-escolha no catolicismo”?
No nosso sistema constitucional, como é que chegamos
ao nosso valor católico neste caso, quando as mulheres têm o direito de optar…
A ideia de que cada um pode escolher para onde caminhar com a sua vida é um
valor americano. Mas acontece que é também um valor católico… A escolha é um
alto valor católico e é também um valor da Igreja. O padre italiano e gigante
da filosofia católica no Século XII [sic] Tomás de Aquino diz que se a tua
consciência te diz que deves fazer algo que a Igreja diz ser pecado, então
estás obrigado a seguir a tua consciência. Isso São Tomás de Aquino!
Não, isso não é Tomás de Aquino (que viveu no Século
XIII) e também não é ensinamento da Igreja. Conroy defendeu-se mais tarde
dizendo que “para mim o facto de o aborto ser uma tragédia não é debatível” –
obrigado senhor padre! Mas acrescenta: “só ela é que pode tomar essa decisão,
nós não a podemos tomar por ela”.
Mas essa mulher não está a tomar a decisão pelo seu filho
nascituro? E será que o padre Conroy está na verdade a falar sobre consciência?
Ou esta valorização da “escolha” não será mais um “reflexo das circunstâncias
sociais” – nomeadamente os valores de certos progressistas de bolsos fundos?
Será demais pedir a estas pessoas que leiam os documentos
oficiais e que não dêem apoio intelectual a políticos comprometidos com o holocausto de crianças
inocentes?
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 11 de Janeiro de
2022)
© 2022 The
Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de
reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião
católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade
dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment