Wednesday 12 January 2022

A Consciência enquanto Libertação da Verdade?

Randall Smith
“Na discussão contemporânea sobre o que constitui a essência da moralidade, e como esta pode ser reconhecida, a questão da consciência assume a maior importância, sobretudo no campo da teologia moral católica”. Assim falou o então cardeal Ratzinger, em 1991, na conferência “Consciência e Verdade”. Este tema da ligação entre a consciência e a verdade, sobretudo a verdade acerca da pessoa, foi repetida incessantemente pelos papas João Paulo II e Bento XVI.

Na encíclica Veritatis Splendor, de João Paulo II, a palavra “consciência” surge 108 vezes, maioritariamente em contextos em que está a tentar corrigir erros modernos, como aqui:

Generalizada se encontra também a opinião que põe em dúvida o nexo intrínseco e indivisível que une entre si a fé e a moral, como se a pertença à Igreja e a sua unidade interna se devessem decidir unicamente em relação à fé, ao passo que se poderia tolerar no âmbito moral um pluralismo de opiniões e de comportamentos, deixados ao juízo da consciência subjectiva individual ou à diversidade dos contextos sociais e culturais. (#4)

E novamente aqui:

Em algumas correntes do pensamento moderno, chegou-se a exaltar a liberdade até ao ponto de se tornar um absoluto, que seria a fonte dos valores. Nesta direcção, movem-se as doutrinas que perderam o sentido da transcendência ou as que são explicitamente ateias. Atribuíram-se à consciência individual as prerrogativas de instância suprema do juízo moral, que decide categórica e infalivelmente o bem e o mal. À afirmação do dever de seguir a própria consciência foi indevidamente acrescentada aqueloutra de que o juízo moral é verdadeiro pelo próprio facto de provir da consciência. Deste modo, porém, a imprescindível exigência de verdade desapareceu em prol de um critério de sinceridade, de autenticidade, de «acordo consigo próprio», a ponto de se ter chegado a uma concepção radicalmente subjectivista do juízo moral. (#32)

Na conferência de 1991, o cardeal Ratzinger conta a história de um colega dos seus dias de professor que sugeriu que “devemos na verdade estar agradecidos” por Deus permitir a existência de “tantos descrentes de consciência tranquila. Pois se os seus olhos se abrissem e se tornassem crentes, não seriam capazes, neste nosso mundo, de carregar o fardo da fé, com todas as suas obrigações morais. Mas desta forma, uma vez que podem seguir o seu caminho de consciência tranquila, podem alcançar a salvação”. Este diálogo terá tido lugar numa universidade alemã em meados da década de 1950, ou seja, ainda à sombra da Shoah.

O que é que pensava aquele colega? Graças a Deus que tantas pessoas seguiam Hitler “de consciência tranquila”? Pense-se só como seria irrazoável a Igreja exigir a essas pessoas que carregassem “o fardo da fé, com todas as suas obrigações morais”!

Aquilo que mais incomodou no comentário deste homem, escreve Ratzinger, foi a noção nele contida de que a fé é um fardo que mal se consegue aguentar… a fé quase como uma punição, ou pelo menos, uma imposição difícil de acarretar. De acordo com esta visão, a fé não tornaria a salvação mais fácil, mas mais difícil. Ser feliz equivaleria a não ter de carregar o fardo de ter de acreditar, ou de ter de se submeter ao jugo moral da fé da Igreja Católica. A consciência errada, que torna a vida mais fácil e estabelece um caminho mais humano, seria então uma verdadeira graça… A inverdade, ou a verdade mantida ao largo, seria melhor para o homem do que a verdade. O homem estaria mais confortável nas trevas do que na luz. A fé não seria um dom de Deus, mas uma aflição. Se fosse esta a realidade, como é que a fé poderia conduzir à alegria? Quem teria a coragem de a passar a outros? Não seria melhor poupá-los à verdade, ou mesmo afastá-la deles?

Sem a âncora da verdade objetiva, “os supostos pronunciamentos da consciência” tornam-se “apenas o reflexo das circunstâncias sociais”. “Nenhuma porta ou janela se abre do sujeito para o mundo mais alargado da… solidariedade humana”.

Há décadas que estes documentos, que clarificam os ensinamentos da Igreja sobre a consciência, estão disponíveis. Então porque é que continuamos a ver padres a dizer aos católicos que lhes basta “seguir as suas consciências”, sem se preocuparem com a verdade e com os ensinamentos da Igreja? Não sabem ler?

E porque é que temos de levar com declarações como esta, num artigo do “The Washington Post”, do padre Pat Conroy, o jesuíta que foi capelão católico da Câmara dos Representantes em Washington, que se propõe explicar “porque é que há espaço para ser pro-escolha no catolicismo”?

No nosso sistema constitucional, como é que chegamos ao nosso valor católico neste caso, quando as mulheres têm o direito de optar… A ideia de que cada um pode escolher para onde caminhar com a sua vida é um valor americano. Mas acontece que é também um valor católico… A escolha é um alto valor católico e é também um valor da Igreja. O padre italiano e gigante da filosofia católica no Século XII [sic] Tomás de Aquino diz que se a tua consciência te diz que deves fazer algo que a Igreja diz ser pecado, então estás obrigado a seguir a tua consciência. Isso São Tomás de Aquino!

Não, isso não é Tomás de Aquino (que viveu no Século XIII) e também não é ensinamento da Igreja. Conroy defendeu-se mais tarde dizendo que “para mim o facto de o aborto ser uma tragédia não é debatível” – obrigado senhor padre! Mas acrescenta: “só ela é que pode tomar essa decisão, nós não a podemos tomar por ela”.

Mas essa mulher não está a tomar a decisão pelo seu filho nascituro? E será que o padre Conroy está na verdade a falar sobre consciência? Ou esta valorização da “escolha” não será mais um “reflexo das circunstâncias sociais” – nomeadamente os valores de certos progressistas de bolsos fundos?

Será demais pedir a estas pessoas que leiam os documentos oficiais e que não dêem apoio intelectual a políticos comprometidos com o holocausto de crianças inocentes?


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 11 de Janeiro de 2022)

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