Brad Miner |
O académico Ziva Amishai-Maisels, da Universidade
Hebraica de Jerusalém, explica que a forma como Chagall escreve “Nazareno”
(HaNotzri), em “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”, é um trocadilho do artista,
uma vez que Nazareno se tornou um sinónimo de “Cristão”. Assim, escreve
Amishai-Maisels, Chagall “sublinha a importância de Jesus tanto para cristãos
como para judeus, pois o Jesus judeu com a cabeça coberta e o xaile com franjas
é também um cristão”. (Art Institute of Chicago Museum Studies, Vol. 15, No.2,
1991).
(É interessante referir que letra árabe “nun” foi usada
pelo Estado Islâmico para identificar as casas de cristãos no Iraque e na Síria.
Esta é a primeira letra de Nazareno e indica aqueles que devem ser exilados ou
martirizados. A letra nun, ou nün, escreve-se de forma semelhante em Hebraico,
Aramaico e árabe.)
Em 1938, quando Chagall pintou “Crucificação Branca”, os
judeus da Europa estavam a começar a sofrer a pior perseguição da história. Os
nazis tinham-se tornado o principal partido da Alemanha quatro anos antes e,
pouco depois, Adolf Hitler foi feito Chanceler. Os judeus estavam a ser
sistematicamente privados dos seus direitos civis desde 1934. Foi inaugurado o
Gabinete de Política Racial – sede da “raça superior” – e nasceu a Lebensborn,
que tinha o objetivo de promover a pureza racial, em parte pela procriação de
mulheres arianas solteiras com homens arianos.
Hitler passou de Chanceler a Presidente, e depois a
Führer. O campo de concentração de Dachau abriu em 1933. Destinava-se
principalmente a prisioneiros políticos, mas em breve abriram outros campos,
com o objectivo de levar a cabo o extermínio dos judeus e de outros povos
“depravados” na Europa.
E ao longo dos anos trinta e grande parte dos quarenta, o
mundo dormia.
Nesta altura Chagall vivia em Paris e as notícias que lhe
chegaram do pogrom de Kristallnacht, e outros ataques aos judeus, foram o
ímpeto para a criação de “Crucificação Branca”.
Na Noite de Cristal, de 9 para 10 de novembro de 1938,
milhares de lojas, casas, hospitais e sinagogas judaicas foram atacadas pelo
grupo paramilitar nazi Sturmabteilung (SA). Trinta mil homens judeus foram
detidos e enviados para os campos. Tudo isto, e mais ainda, foi concentrado por
Chagall em “Crucificação Branca”, embora as cenas do pogrom tenham sido transladadas
para a sua terra natal de Vitebsk, actualmente na Bielorrússia.
Chagall estava bem ciente do perigo em que se colocava a
si mesmo e à sua família com esta pintura, caso os alemães ocupassem Paris.
Quando isso aconteceu, em 1940, os Chagall já tinham partido para Marselhas,
onde foram detidos pelos nazis. Tal como no filme Casablanca, de 1942, os
Chagall estavam a tentar chegar a Lisboa, onde esperavam assegurar uma passagem
para Nova Iorque. Graças a Deus acabaram por conseguir, mas não sem que antes
as suas pinturas, já encaixotadas, incluindo a “Crucificação Branca”, tivessem
sido brevemente apreendidas, primeiro pelos alemães, no sul de França, depois
por fascistas espanhóis, a caminho de Portugal.
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Os restantes tableaux que rodeiam Jesus são
reconhecíveis, ainda que não nos seja possível entender todas as referências
específicas. E não podemos culpar o artista por ter uma visão um pouco
romântica da Rússia, o país onde cresceu. Afinal de contas, o “New York Times”
também tinha. E Chagall tinha sido o Comissário das Artes em Vitebsk.
Quando deixou a União Soviética, em 1992, foi em parte
porque tinha dado por si do lado errado daquilo que significava ser um
revolucionário soviético. Nas palavras de Talya Zax, a esperança de Chagall era
“um modelo da esperança do seu país, mais frágil do que qualquer dos
revolucionários estava pronto a admitir. Tanto para ele como para eles, o equilíbrio
não se poderia manter”.
O antissemitismo na Rússia era evidente para todos. Como
escreveu Sarah Boxer – numa recensão a uma biografia de Chagall no “New York
Times”, “a cegueira de Chagall em relação aos horrores soviéticos é quase
patológica”.
Chagall criou pelo menos 100 cenas de crucificações ao
longo dos anos, e fez vitrais para igrejas. Porém, nada sugere que fosse um
cristão disfarçado. David Lyle Jeffreys nota, contudo, que Chagallera amigo próximo
de Raïssa Maritain, mulher do filósofo Jacques Maritain (ambos católicos
convertidos, ela do judaísmo ortodoxo, ele do agnosticismo protestante) e ela terá
dito que Chagall sempre pintou “Christ étendu a travers le monde perdu” (Cristo
estendido no mundo perdido).
Seja porque via Cristo simplesmente como um judeu
extraordinário e ético do primeiro século, ou, menos provável, como o Messias,
para Chagall Jesus sempre representou a esperança, o que significa que existe
verdade na obra do pintor.
É certo que Chagall pintava Cristo sobretudo por razões
políticas. Como diz o professor Amishai-Maisels, Chagall nunca tentou
“representar o Messias cristão… mas o mártir judeu que não tem qualquer
esperança de salvação”. Pelo menos não no mundo como Chagall então o via, um
mundo em que os próprios cristãos tinham esquecido a mensagem de Cristo de paz
e fraternidade.
Em todo o caso, trata-se de uma paixão que durou toda a
vida. Chagall pintou a sua primeira crucificação, “Golgota”, em 1912 (actualmente
no MoMA, em Nova Iorque). E continuou a pintá-las até ao início dos anos 70.
Hoje, judeus e cristãos, unidos na tradição bíblica, são
cada vez mais sujeitos a perseguição, e não apenas no lugar onde ambas as
religiões nasceram – as terras hostis em torno da Terra Santa – mas também nos
nossos actuais impérios romanos, onde novos e seculares deuses surgem para
desafiar o Senhor.
Resta apenas dizer que “Crucificação Branca” é uma das
duas pinturas favoritas do Papa Francisco, a par de “O Chamamento de São
Mateus”, de Caravaggio. O Papa tem bom gosto em arte.
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 1 de Fevereiro
de 2022 em The Catholic Thing)
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Pintura horrível! Só mesmo um modernista pra gostar disso.
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