Wednesday, 2 February 2022

O Jesus de Marc Chagall

Brad Miner

Em “Crucificação Branca” de Marc Chagall, que está actualmente exposta no Instituto de Arte de Chicago, Jesus é representado com um talit, o tradicional xaile de oração usado por judeus religiosos, sobretudo os hassidim. Tem também um pano na cabeça, ao estilo de um pastor. (Tradicionalmente, os homens judeus cobrem sempre a cabeça quando rezam.) Por cima da sua cabeça, praticamente ilegível, está a inscrição INRI em latim e em aramaico. Por baixo dos seus pés vê-se uma menorá. Chagall estava claramente a enfatizar o carácter judaico de Jesus.

O académico Ziva Amishai-Maisels, da Universidade Hebraica de Jerusalém, explica que a forma como Chagall escreve “Nazareno” (HaNotzri), em “Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus”, é um trocadilho do artista, uma vez que Nazareno se tornou um sinónimo de “Cristão”. Assim, escreve Amishai-Maisels, Chagall “sublinha a importância de Jesus tanto para cristãos como para judeus, pois o Jesus judeu com a cabeça coberta e o xaile com franjas é também um cristão”. (Art Institute of Chicago Museum Studies, Vol. 15, No.2, 1991).

(É interessante referir que letra árabe “nun” foi usada pelo Estado Islâmico para identificar as casas de cristãos no Iraque e na Síria. Esta é a primeira letra de Nazareno e indica aqueles que devem ser exilados ou martirizados. A letra nun, ou nün, escreve-se de forma semelhante em Hebraico, Aramaico e árabe.)

Em 1938, quando Chagall pintou “Crucificação Branca”, os judeus da Europa estavam a começar a sofrer a pior perseguição da história. Os nazis tinham-se tornado o principal partido da Alemanha quatro anos antes e, pouco depois, Adolf Hitler foi feito Chanceler. Os judeus estavam a ser sistematicamente privados dos seus direitos civis desde 1934. Foi inaugurado o Gabinete de Política Racial – sede da “raça superior” – e nasceu a Lebensborn, que tinha o objetivo de promover a pureza racial, em parte pela procriação de mulheres arianas solteiras com homens arianos.

Hitler passou de Chanceler a Presidente, e depois a Führer. O campo de concentração de Dachau abriu em 1933. Destinava-se principalmente a prisioneiros políticos, mas em breve abriram outros campos, com o objectivo de levar a cabo o extermínio dos judeus e de outros povos “depravados” na Europa.

E ao longo dos anos trinta e grande parte dos quarenta, o mundo dormia.

Nesta altura Chagall vivia em Paris e as notícias que lhe chegaram do pogrom de Kristallnacht, e outros ataques aos judeus, foram o ímpeto para a criação de “Crucificação Branca”.

Na Noite de Cristal, de 9 para 10 de novembro de 1938, milhares de lojas, casas, hospitais e sinagogas judaicas foram atacadas pelo grupo paramilitar nazi Sturmabteilung (SA). Trinta mil homens judeus foram detidos e enviados para os campos. Tudo isto, e mais ainda, foi concentrado por Chagall em “Crucificação Branca”, embora as cenas do pogrom tenham sido transladadas para a sua terra natal de Vitebsk, actualmente na Bielorrússia.

Chagall estava bem ciente do perigo em que se colocava a si mesmo e à sua família com esta pintura, caso os alemães ocupassem Paris. Quando isso aconteceu, em 1940, os Chagall já tinham partido para Marselhas, onde foram detidos pelos nazis. Tal como no filme Casablanca, de 1942, os Chagall estavam a tentar chegar a Lisboa, onde esperavam assegurar uma passagem para Nova Iorque. Graças a Deus acabaram por conseguir, mas não sem que antes as suas pinturas, já encaixotadas, incluindo a “Crucificação Branca”, tivessem sido brevemente apreendidas, primeiro pelos alemães, no sul de França, depois por fascistas espanhóis, a caminho de Portugal.

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Chagall poderá ter sido ingénuo ao pensar que a União Soviética, outro bastião de antissemitismo, viria em socorro dos judeus da Europa, mas aparentemente é isso que podemos observar no canto superior esquerdo do quadro, na forma de uma turba com bandeiras encarnadas.

Os restantes tableaux que rodeiam Jesus são reconhecíveis, ainda que não nos seja possível entender todas as referências específicas. E não podemos culpar o artista por ter uma visão um pouco romântica da Rússia, o país onde cresceu. Afinal de contas, o “New York Times” também tinha. E Chagall tinha sido o Comissário das Artes em Vitebsk.

Quando deixou a União Soviética, em 1992, foi em parte porque tinha dado por si do lado errado daquilo que significava ser um revolucionário soviético. Nas palavras de Talya Zax, a esperança de Chagall era “um modelo da esperança do seu país, mais frágil do que qualquer dos revolucionários estava pronto a admitir. Tanto para ele como para eles, o equilíbrio não se poderia manter”.

O antissemitismo na Rússia era evidente para todos. Como escreveu Sarah Boxer – numa recensão a uma biografia de Chagall no “New York Times”, “a cegueira de Chagall em relação aos horrores soviéticos é quase patológica”.

Chagall criou pelo menos 100 cenas de crucificações ao longo dos anos, e fez vitrais para igrejas. Porém, nada sugere que fosse um cristão disfarçado. David Lyle Jeffreys nota, contudo, que Chagallera amigo próximo de Raïssa Maritain, mulher do filósofo Jacques Maritain (ambos católicos convertidos, ela do judaísmo ortodoxo, ele do agnosticismo protestante) e ela terá dito que Chagall sempre pintou “Christ étendu a travers le monde perdu” (Cristo estendido no mundo perdido).

Seja porque via Cristo simplesmente como um judeu extraordinário e ético do primeiro século, ou, menos provável, como o Messias, para Chagall Jesus sempre representou a esperança, o que significa que existe verdade na obra do pintor.

É certo que Chagall pintava Cristo sobretudo por razões políticas. Como diz o professor Amishai-Maisels, Chagall nunca tentou “representar o Messias cristão… mas o mártir judeu que não tem qualquer esperança de salvação”. Pelo menos não no mundo como Chagall então o via, um mundo em que os próprios cristãos tinham esquecido a mensagem de Cristo de paz e fraternidade.

Em todo o caso, trata-se de uma paixão que durou toda a vida. Chagall pintou a sua primeira crucificação, “Golgota”, em 1912 (actualmente no MoMA, em Nova Iorque). E continuou a pintá-las até ao início dos anos 70.

Hoje, judeus e cristãos, unidos na tradição bíblica, são cada vez mais sujeitos a perseguição, e não apenas no lugar onde ambas as religiões nasceram – as terras hostis em torno da Terra Santa – mas também nos nossos actuais impérios romanos, onde novos e seculares deuses surgem para desafiar o Senhor.

Resta apenas dizer que “Crucificação Branca” é uma das duas pinturas favoritas do Papa Francisco, a par de “O Chamamento de São Mateus”, de Caravaggio. O Papa tem bom gosto em arte.


Brad Miner é editor chefe de The Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor de seis livros e antigo editor literário do National Review.

(Publicado pela primeira vez na terça-feira, 1 de Fevereiro de 2022 em The Catholic Thing)

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1 comment:

  1. Pintura horrível! Só mesmo um modernista pra gostar disso.

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