Wednesday 15 December 2021

Desconstruindo os Desconstrutores

Randall Smith
Um dos conceitos que se tornou importante nas teorias críticas da raça, feminismo de terceira vaga, pós-estruturalismo, pós-colonialismo, pós-modernismo e provavelmente uma série de outros “ismos” (que eu não sou suficientemente sofisticado para conhecer) é a noção de que devemos “desconstruir” oposições “binárias” que têm sido usados para perpetuar e legitimar estruturas de poder social que favorecem um grupo acima de outro. Binários desiguais que são frequentemente sujeitos a esta “desconstrução” incluem masculino/feminino; homem/mulher; pessoas brancas/pessoas de cor; razão/emoção e heterossexual/homossexual.

O problema, dizem, é que o primeiro elemento do par é considerado o “bom”, o “forte”, o “superior”, enquanto o segundo é o “mau”, o “fraco” ou o “inferior”. Por isso o que temos de fazer, dizem, é acabar com as oposições binárias para que o segundo grupo deixe de ser menosprezado ou oprimido neste “jogo” linguístico.

Para ser franco, não estou inteiramente convencido de que estes binários supracitados são assim tão nefastos como se diz. Pessoalmente, sempre pensei no binário homem/mulher como complementar, não como “melhor” ou “pior”. E como temos visto recentemente, a desconstrução desse binário em particular nem sempre foi para o benefício das mulheres, sobretudo no campo do desporto.

Seja como for, neste mesmo espírito de desconstrução, gostaria de propor uma série de outras oposições binárias que são regularmente usadas na sociedade contemporânea, frequentemente para menosprezar ou oprimir uma classe de pessoas. Tomemos como exemplo:

Ciência/Teologia

Razão/Fé

Progresso/Tradição

Progressista/Conservador

Modernidade/Antiguidade

Espiritual/Doutrinal

Moderno/Tradicional

Em cada caso, a oposição binária serve para menosprezar e oprimir. As pessoas dizem “Segue a ciência”. Ninguém diz “Segue a teologia”. Porquê? Porque se parte do princípio de que a categoria alargada e indefinida de “ciência” é factual, certa e indubitavelmente boa, apesar de, de tempos a tempos, repudiar todas as suas teorias mais populares. A “ciência” é associada à razão, ao progresso, às bênçãos da modernidade, enquanto a “teologia”, seja de que género for, seja por quem for, é tida como sendo mais do que um pouco duvidosa, associada a superstições antigas e dogmas fora de moda, do género que manteve os nossos antepassados na escuridão durante a “Idade das Trevas”, esse maldito tempo antes da luz pura da razão que surgiu durante o Renascimento e o Iluminismo.

Ouvimos as pessoas a dizer “temos a razão do nosso lado”. Se têm, ou não, não é bem claro. Muitas pessoas falam sobre “razão” ou “razão pura” mas não têm a menor idade do que a razão, em toda a sua complexidade e múltiplas formas de abordar a realidade, é verdadeiramente.


Por isso aquilo que as pessoas normalmente querem dizer com essa expressão é “eu tenho razão e tu não, porque não pensas como eu”.

A questão que estas pessoas estão a evitar é na verdade a mais importante de todas: “O que significa pensar? Como é que pensamos claramente sobre diversos assuntos? Faria sentido – seria razoável? – pensar sobre a pessoa com quem devo casar da mesma forma como penso sobre a razão pela qual o cobre conduz a eletricidade, ou se devo investir numa empresa e não noutra?

Ou será que existem diferentes formas de pensar, apropriadas a diferentes áreas da vida e diferentes questões? Se um treinador, ou um professor, disser a um colega céptico “eu acredito neste miúdo”, será que a resposta certa é “tens a tua fé, mas eu estou a usar a razão. Expulsa-o.”?

Quem quer ser “conservador” em oposição a “progressista”? Quem não quer “progresso”? Mas o que é o verdadeiro progresso, se não mera mudança? Se o binário fosse alterado para “conservador versus radical” ou “conservador versus anarquista”, quantas pessoas não escolheriam “conservador”?

Os católicos sabem bem como este jogo se desenrola na Igreja, quando as pessoas opõem “doutrinal” e “espiritual” como se fosse possível ser “espiritual” sem ter os pés bem assentes na doutrina. As tradições espirituais e os ensinamentos sobre justiça social da Igreja Católica baseiam-se em doutrinas muito específicas sobre justiça social e o desenvolvimento da pessoa. Leiam as obras de grandes autores “espirituais” como os santos Boaventura ou Hildegard de Bingen e encontrarão textos muito sofisticados de doutrina cristã.

Não estou a dizer que não se possam fazer distinções entre e razão, ou entre ciências naturais e teologia ou, para ser franco, entre Estado e Igreja. Os maiores teólogos da Igreja, como Tomás de Aquino, usavam estes termos com um correcto entendimento de ambos. A questão está em saber se devemos começar a desafiar as pessoas a deixar de usar estes binários quando recorrem a eles para preservar o seu próprio domínio cultural sobre os católicos e outras pessoas de fé, isto é, os pacóvios que não tiveram o benefício de uma educação secular numa universidade prestigiada e sofisticada, mantendo-se colados ao passado, com as suas superstições tradicionais que os impedem de participar no verdadeiro progresso.

Dado este tipo de preconceito irreflectido, talvez seja altura de aplicar uma dose séria de “desconstrução” aos binários opressivos da própria modernidade.

Quando alguém profere a frase ignorante: “Tu tens a tua fé, eu tenho a razão”, talvez os católicos devam adoptar a linguagem dos desconstrucionistas: “Isso não passa de um binário opressivo, e eu rejeito-o”.

Quando alguém diz “eu sigo a ciência e não uma qualquer teologia supersticiosa”, devemos responder: “Em primeiro lugar não sabes do que falas, porque não sabes o que é que a ‘ciência’ (do latim scientia, ou ‘conhecimento’) é; em segundo lugar, não pareces ter qualquer noção das discussões clássicas sobre a relação entre a ‘ciência’ e a ‘sabedoria’ (sophia), que remontam à antiguidade. Por isso, acabaste de dizer algo que é o equivalente linguístico a ‘as tuas emoções são muito femininas’ e não só me ofendeste como te revelaste profundamente preconceituoso”.

Se funciona para os desconstrucionistas, devia resultar para os católicos. Algumas pessoas de um “grupo tradicionalmente marginalizado”, nomeadamente os católicos, precisam de acordar, aprender a defender-se e não se deixarem ser oprimidos na linguagem e na sociedade.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 14 de Dezembro de 2021)

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