O
primeiro é um clássico ensaio de Natal de Neio Postman, “A Parábola da Mancha
no Colarinho”, sobre uma dona de casa despassarada que compra o detergente
errado para as camisas brancas do marido. Podem ler aqui. Postman nota que “os anúncios de televisão são uma espécie de
literatura religiosa. Comentá-los de forma séria é um exercício de
hermenêutica, um ramo da teologia que se ocupa da interpretação e explicação
das Escrituras”.
Os
anúncios de televisão mais importantes, diz ele – e recordemos que o comércio
de Natal tem um papel salvífico para muitas empresas – “assumem a forma de
parábolas organizadas em torno de uma teologia coerente. Como todas as
parábolas religiosas, propõem um conceito de pecado, apontam o caminho de
redenção e uma visão do Céu. Também sugerem quais são as raízes do mal e quais
as obrigações dos santos”.
Postman
escreve:
Nas
parábolas dos anúncios de televisão, a causa do mal é a Inocência Tecnológica,
o desconhecimento dos detalhes dos sucessos benévolos do progresso industrial.
Esse desconhecimento é a principal fonte da infelicidade, humilhação e
discórdia na vida. E como se vê de forma poderosa na parábola da mancha, as consequências
dessa inocência podem surgir a qualquer momento, sem aviso, e com toda a força
da sua acção fulminante.
Acrescenta:
Não
é fácil saber precisamente quando, como povo religioso, trocámos a nossa fé nas
ideias tradicionais de Deus pela crença na força enobrecedora da Tecnologia,
mas os anúncios de televisão constituem a maior fonte de literatura que
possuímos sobre este nosso novo compromisso espiritual.
Tal
como outros textos religiosos, “A Parábola da Mancha no Colarinho”, agora já
com cerca de 40 anos, perdeu algum do seu contexto social. As críticas
feministas e os especialistas em estudos do género podem ser particularmente
hostis quanto a esta parábola. Contudo, ela contém um ensinamento-chave da
ortodoxia americana moderna: desejar bugigangas é bom; comprar coisas é ainda
melhor; e quanto mais quantidade e mais novas forem as coisas, melhor. Menos
que isso é suspeito.
Claro
que há outra forma de pensar sobre a temporada que começa este domingo, se bem
que menos comercial, em tempos conhecido como “Advento”. Incrivelmente ainda há
alguns seguidores de Jesus que usam esse termo.
O
que me leva a Alfred Delp e o Advento do Coração, o segundo texto que leio sempre nesta altura do ano, e que é muito
mais emocionante.
Os
americanos nunca viveram uma ditadura política. A última guerra travada no
nosso solo acabou há mais de 150 anos. Logo, para muitos de nós é difícil
imaginar a vida nos regimes totalitários do século passado. Mas esses regimes,
e toda a selvajaria catastrófica que soltaram, foram muito reais, tal como
documentado por testemunhas desde Elie Wiesel a Alexander Solzhenitsyn. O
Terceiro Reich assassinou milhões de vítimas inocentes, incluindo milhares de
mártires cristãos. Alguns, como Dietrich Bonhoeffer, o pastor luterano e
teólogo, são bem conhecidos. Alfred Delp, o padre jesuíta alemão, estão entre
os mais significativos.
Alfred Delp S.J.
O
Advento do Coração é uma coleção dos textos de Delp sobre o Advento escritos
entre 1933, o ano em que os Nazis tomaram o poder na Alemanha, e Dezembro de
1944, semanas antes de morrer. Os textos fazem parte de um diário da fé de Delp
e revelam uma alma que, mesmo debaixo de opressão brutal, está recheado de uma
claridade, caridade, coragem e beleza penetrantes. No seu ensaio “O Advento
Eterno”, escrito em 1933 e dirigido aos jovens, Delp escreve:
Como
devemos celebrar a festa
Para
a qual nos apressamos?
Que
aprendamos a celebrá-la
Livres
da avalanche de ninharias
Com
as quais, tão facilmente, se submerge
O
grande sentido deste dia santo
Que
possamos encarar de frente
A
grande, santa realidade do Natal.
No
Advento do Coração encontram-se ainda as notas de Delp sobre o Advento de 1935,
bem como as homilias e meditações sobre o Advento dos anos entre 1941 e 1944 e
ainda as meditações da prisão de Tegel, das últimas semanas da sua vida. Quando
a guerra começou a virar-se contra a Alemanha, aumentaram os bombardeamentos
aliados e a repressão Nazi contra a dissidência subiu de tom. Delp continuou a
enfatizar três temas do Advento: gratidão pelo dom da vida; esperança e alegria
na expectativa do Natal; e confiança inabalável na Segunda Vinda de Cristo, o
seu triunfo e a sua justiça.
Em
1942-1943, com o apoio do seu superior jesuíta, Delp juntou-se ao Círculo
Kreisau, um grupo de resistência cristã preocupado com a reconstrução de uma
Alemanha desnazificada depois da guerra. Juntamente com muitos outros, foi
detido em Julho de 1944 depois de uma tentativa falhada para matar Hitler,
apesar de não ter tido qualquer envolvimento. Foi interrogado e torturado
durante seis meses. Algumas das suas meditações de Advento foram escritas em
algemas e contrabandeadas para fora da prisão no meio da roupa suja. Em Janeiro
de 1945 foi condenado por traição e sentenciado à morte pelo juiz homicida Roland
Freisler, que presidia ao Tribunal Popular do Terceiro Reich. No dia 2 de
Fevereiro de 1945 foi enforcado. Menos de 24 horas mais tarde, num pormenor de
justiça divina, Roland Freisler morreu, atingido diretamente por uma bomba
americana.
Entre
as palavras de Delp que nos chegaram encontram-se estas:
Jamais
experimentaremos o nosso desejo primordial e saudoso por Deus de forma mais
activa e desperta que nesta época… O Advento é o tempo do que busca Deus. O
desejo original contido em cada coração humano é um grande impulso em direcção
ao Deus distante e escondido, um anseio para caminhar naquela longínqua e
esquecida pátria da alma. Esse anseio é o que a Igreja exprime, tanto na sua
atitude interior como na liturgia desta época.
Alfred
Delp morreu a acreditar nessas palavras. Podemos pelo menos tentar vivê-las
neste advento e, ao fazê-lo, entrar no verdadeiro coração do Natal.
Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.
(Publicado
pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 26 de Novembro de
2021)
© 2021 The Catholic Thing.
Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment