Joseph R. Wood |
Mas também sabemos que a época das “festas” pode ser um
tempo de discussões. Como Cristo prometeu, muitas famílias e amigos estão
perigosamente divididos sobre quem Ele é, bem como sobre o que deve ser a nossa
organização política.
Estas épocas estão muito ligadas. Estamos a aguardar que
Cristo regresse finalmente para nos salvar e enquanto esperamos estamos a
discutir sobre o que deve ser a nossa política.
“Venha a nós o vosso Reino”, rezamos nós em cada missa,
seis vezes em cada terço e umas quantas vezes enquanto penitência. Trata-se de
uma aspiração importante sobre o que o Governo deve pretender, que nos foi dada
pessoalmente por Cristo. É-nos dito que devemos buscar primeiro o Reino de Deus
e a sua bondade. Talvez a mais importante divisão na nossa política ao longo dos
últimos séculos radique daqui. Há quem acredite que devemos fazer os possíveis
para tornar as coisas melhores nas nossas comunidades políticas, enquanto
aguardamos a chegada do Reino. Outros estão fartos de esperar e querem
implementar o sistema político perfeito aqui e agora (normalmente estes últimos
são descritos como progressistas).
Eis a raiz das grandes discussões que se desenrolam todo
o ano e que parecem tornar-se mais intensas durante as festas.
Mas ambos os lados do argumento sabem que devemos esperar
algo melhor, uma política melhor, ou um reino melhor e final. Como é que estas
coisas se relacionam entre si?
Em ambos os casos esperamos por justiça. E queremos o que
é certo.
Os salmos estão cheios de apelos à justiça, de louvor
pelo homem justo, e da crença de que a justiça triunfará quando Deus reinar. Do
Salmo 48: “Grande é o Senhor, e digno de louvor, na cidade do nosso Deus! … [Os
senhores da terra] viram-no e ficaram atónitos, fugiram aterrorizados”. Salmo
97: “O Senhor Reina; exulte a terra e alegrem-se as regiões costeiras
distantes! … Pois tu, Senhor, sois o altíssimo em toda a terra”. E o Salmo 89: “A
rectidão e a justiça são os alicerces do teu trono; o amor e a fidelidade vão à
tua frente”.
Não admira que Cristo nos diga para rezar por este Reino.
Mas outras fontes também clamam por esta cidade. No
romance de Mark Helprin, “Winter’s Tale”,
uma das chaves da história consta de uma inscrição numa grande salva: “Que se
pode imaginar de mais belo que a visão de uma cidade perfeitamente justa a
exultar somente na justiça?”.
Todos ansiamos por essa cidade, essa comunidade de
pessoas que conjuga a verdade, a beleza e a bondade. Fontes mais antigas também
comprovam este anseio. No diálogo “Estadista”, de Platão, Sócrates observa e
aprova enquanto um visitante a Atenas ajuda um jovem, que também se chama Sócrates,
a compreender o que é um verdadeiro estadista, um bom governante. Tal estadista
conhece a alma dos seus cidadãos suficientemente bem para poder tecer as suas
virtudes para o bem da cidade, nomeando os corajosos para serem líderes em
tempo de guerra e os moderados para os tempos de paz.
O visitante descreve seis tipos de governo: governo para
o bem comum de um, de poucos ou de muitos; e governo tirânico ou egoísta de um,
de poucos ou de muitos. Este é um esquema de análise que pode ser útil ainda
hoje, quando falamos de política.
Sócrates e Platão sabiam que é assim que ansiamos ser
governados. Sabiam também que tal não será possível na terra.
Igualmente, Aristóteles, aluno de Platão, descreve os
seis tipos de governo mas também vê como as cidades gregas na realidade
encaixam nesse esquema. Em “Política” (Livros IV e VII), ele procura separar os
regimes ou as constituições que são realmente possíveis dos governos “pelos
quais se reza”. Os filósofos disputam o sentido destas palavras, claro, mas
parece ser um piscar de olho ao sétimo regime divino de Platão.
A grande exposição desta tensão entre comunidades
políticas terrenas e o governo de Deus, e a esperança pela resolução dessa
tensão, encontra-se em “A Cidade de Deus” de Santo Agostinho. O título vem dos
salmos.
Santo Agostinho vê a divisão entre a cidade terrena,
aqueles que apenas se preocupam com o que está à nossa volta, e a Cidade de
Deus, os santos no Céu e aqueles que ainda estão na terra, mas na comunhão dos
santos. Estes últimos escolhem Deus como seu fim, acima dos prazeres físicos e
materiais, do conforto e da facilidade.
Santo Agostinho diz-nos que estas duas cidades vivem misturadas
aqui na terra, até ao fim dos tempos. Às vezes os governantes terrenos tenderão
para a justiça e “tranquilitas ordinis”, ou uma “tranquilidade ordenada” nos
assuntos terrenos que tem por base a paz e a justiça. Paz na Terra e boa
vontade para com os homens. Esta ordem é um reflexo da paz eterna do Céu.
Outros governantes opõem-se a essa tranquilidade.
Mas nunca poderemos alcançar o sistema político perfeito
na terra. A paz eterna apenas será realizada naquele sétimo, divino regime em
que as aparentes contradições que atormentam a política terrena sejam resolvidas.
Onde, nas palavras do Salmo 85, “O amor e a fidelidade se
encontrarão; a justiça e a paz se beijarão. A fidelidade brotará da terra, e a
justiça descerá dos céus”.
Esperamos pelo Senhor. Esperamos e discutimos sobre a justiça
na nossa política. Esperamos por aquilo que teremos de forma completa e
infinita apenas no Seu Reino, o Reino que não é deste mundo.
Joseph Wood é professor no Instiute of World Politics em
Washington D.C. e colaborador na Cana
Academy.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 17 de Dezembro
de 2021 em The
Catholic Thing)
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