Wednesday, 22 December 2021

O que é que Esperamos?

Joseph R. Wood

Sabemos que o tempo do Advento é um tempo de espera. Tendo ouvido as leituras da liturgia de Novembro sobre o fim dos tempos, e fechado o ano com a Solenidade de Cristo Rei, começamos o novo ano à espera do que acabámos de escutar e de celebrar.

Mas também sabemos que a época das “festas” pode ser um tempo de discussões. Como Cristo prometeu, muitas famílias e amigos estão perigosamente divididos sobre quem Ele é, bem como sobre o que deve ser a nossa organização política.

Estas épocas estão muito ligadas. Estamos a aguardar que Cristo regresse finalmente para nos salvar e enquanto esperamos estamos a discutir sobre o que deve ser a nossa política.

“Venha a nós o vosso Reino”, rezamos nós em cada missa, seis vezes em cada terço e umas quantas vezes enquanto penitência. Trata-se de uma aspiração importante sobre o que o Governo deve pretender, que nos foi dada pessoalmente por Cristo. É-nos dito que devemos buscar primeiro o Reino de Deus e a sua bondade. Talvez a mais importante divisão na nossa política ao longo dos últimos séculos radique daqui. Há quem acredite que devemos fazer os possíveis para tornar as coisas melhores nas nossas comunidades políticas, enquanto aguardamos a chegada do Reino. Outros estão fartos de esperar e querem implementar o sistema político perfeito aqui e agora (normalmente estes últimos são descritos como progressistas).

Eis a raiz das grandes discussões que se desenrolam todo o ano e que parecem tornar-se mais intensas durante as festas.

Mas ambos os lados do argumento sabem que devemos esperar algo melhor, uma política melhor, ou um reino melhor e final. Como é que estas coisas se relacionam entre si?

Em ambos os casos esperamos por justiça. E queremos o que é certo.

Os salmos estão cheios de apelos à justiça, de louvor pelo homem justo, e da crença de que a justiça triunfará quando Deus reinar. Do Salmo 48: “Grande é o Senhor, e digno de louvor, na cidade do nosso Deus! … [Os senhores da terra] viram-no e ficaram atónitos, fugiram aterrorizados”. Salmo 97: “O Senhor Reina; exulte a terra e alegrem-se as regiões costeiras distantes! … Pois tu, Senhor, sois o altíssimo em toda a terra”. E o Salmo 89: “A rectidão e a justiça são os alicerces do teu trono; o amor e a fidelidade vão à tua frente”.

Não admira que Cristo nos diga para rezar por este Reino.

Mas outras fontes também clamam por esta cidade. No romance de Mark Helprin, “Winter’s Tale”, uma das chaves da história consta de uma inscrição numa grande salva: “Que se pode imaginar de mais belo que a visão de uma cidade perfeitamente justa a exultar somente na justiça?”.

Todos ansiamos por essa cidade, essa comunidade de pessoas que conjuga a verdade, a beleza e a bondade. Fontes mais antigas também comprovam este anseio. No diálogo “Estadista”, de Platão, Sócrates observa e aprova enquanto um visitante a Atenas ajuda um jovem, que também se chama Sócrates, a compreender o que é um verdadeiro estadista, um bom governante. Tal estadista conhece a alma dos seus cidadãos suficientemente bem para poder tecer as suas virtudes para o bem da cidade, nomeando os corajosos para serem líderes em tempo de guerra e os moderados para os tempos de paz.

O visitante descreve seis tipos de governo: governo para o bem comum de um, de poucos ou de muitos; e governo tirânico ou egoísta de um, de poucos ou de muitos. Este é um esquema de análise que pode ser útil ainda hoje, quando falamos de política.

Mas o visitante fala ainda de uma sétima forma de governo, uma que “devemos separar das outras constituições, como um deus dos homens”. Este governo divino excede a capacidade humana. Um bom estadista só pode conhecer de forma imperfeita as virtudes dos seus cidadãos. É preciso um governante divino para conhecer os homens perfeitamente, e assim apenas um deus pode governar de forma perfeita.

Sócrates e Platão sabiam que é assim que ansiamos ser governados. Sabiam também que tal não será possível na terra.

Igualmente, Aristóteles, aluno de Platão, descreve os seis tipos de governo mas também vê como as cidades gregas na realidade encaixam nesse esquema. Em “Política” (Livros IV e VII), ele procura separar os regimes ou as constituições que são realmente possíveis dos governos “pelos quais se reza”. Os filósofos disputam o sentido destas palavras, claro, mas parece ser um piscar de olho ao sétimo regime divino de Platão.

A grande exposição desta tensão entre comunidades políticas terrenas e o governo de Deus, e a esperança pela resolução dessa tensão, encontra-se em “A Cidade de Deus” de Santo Agostinho. O título vem dos salmos.

Santo Agostinho vê a divisão entre a cidade terrena, aqueles que apenas se preocupam com o que está à nossa volta, e a Cidade de Deus, os santos no Céu e aqueles que ainda estão na terra, mas na comunhão dos santos. Estes últimos escolhem Deus como seu fim, acima dos prazeres físicos e materiais, do conforto e da facilidade.

Santo Agostinho diz-nos que estas duas cidades vivem misturadas aqui na terra, até ao fim dos tempos. Às vezes os governantes terrenos tenderão para a justiça e “tranquilitas ordinis”, ou uma “tranquilidade ordenada” nos assuntos terrenos que tem por base a paz e a justiça. Paz na Terra e boa vontade para com os homens. Esta ordem é um reflexo da paz eterna do Céu.

Outros governantes opõem-se a essa tranquilidade.

Mas nunca poderemos alcançar o sistema político perfeito na terra. A paz eterna apenas será realizada naquele sétimo, divino regime em que as aparentes contradições que atormentam a política terrena sejam resolvidas.

Onde, nas palavras do Salmo 85, “O amor e a fidelidade se encontrarão; a justiça e a paz se beijarão. A fidelidade brotará da terra, e a justiça descerá dos céus”.

Esperamos pelo Senhor. Esperamos e discutimos sobre a justiça na nossa política. Esperamos por aquilo que teremos de forma completa e infinita apenas no Seu Reino, o Reino que não é deste mundo.


Joseph Wood é professor no Instiute of World Politics em Washington D.C. e colaborador na Cana Academy.

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 17 de Dezembro de 2021 em The Catholic Thing

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