É raro celebrar-se em Portugal o Rito Bracarense. Qual
é a sua grande riqueza?
Em parte é a sua história própria e o conteúdo das suas
orações, que são diferentes do rito romano. Um exemplo que tivemos hoje e que
desconhecia é que mesmo um santo tão desconhecido como São Gorgónio, todos os
textos, menos o texto do Evangelho, eram diferentes dos textos do rito romano,
e até o Aleluia nem estava no rito romano, era uma antífona completamente
diferente do rito romano.
Outra coisa é a riqueza das orações, especificamente as
orações de preparação para a comunhão do sacerdote, e tem pelo menos dois que
são diferentes do rito romano, e revelam uma devoção eucarística muito
profunda.
Isto não é para dizer que o rito romano tem problemas,
todos temos. E Deus sabe que Braga, durante a sua história teve sempre
problemas com o seu próprio rito, entre os padres, entre os bispos, entre os
cónegos da sé, mas não podemos negar que quando o Concílio Vaticano II chamou
para a inculturação da liturgia, não tenho dúvida que tinha em vista estes
velhos ritos ocidentais, como o de Milão, o Moçárabe [em Toledo], de Braga,
como formas de inculturação, em que o povo acarinhava o rito romano, mas também
queria fazer do Rito Romano deles. Então entravam aspectos que representavam a
sua própria história, as suas lutas contra as heresias, como por exemplo a
heresia do pelagianismo aqui na Península Ibérica, e isto enriqueceu o rito
romano de uma forma própria, que não é igual ao milanês, que não é igual aos
outros ritos ocidentais que apareceram na mesma época.
E também Braga sempre teve uma queda para Roma. Vemos logos nos primeiros tempos uma carta do bispo, ao Papa Vergílio, a perguntar como podia celebrar a liturgia como em Roma, e recebeu o Cânone Romano e outros documentos. E quando foi imposto no reino suevo e na Galiza o rito moçárabe, foi uma mudança radical e logo quando foi reimposto o rito romano por Afonso de Castela e Leão, no século XI, Braga voltou e pegou em algumas coisas do seu antigo rito que não eram bracarenses, mas eram aspectos do romano antigo, do Gregório VII e anterior, que só ficou em Braga, desapareceu até em Roma. Mas sabemos pelos estudos que estas cerimónias foram feitas em Roma, nas missas papais, deixaram de existir em Roma, mas continuaram em Braga.
Na prática, hoje em dia o rito não é celebrado… Como vê isso?
De facto, todos os sacerdotes da arquidiocese de Braga
são permitidos celebrar o rito bracarense, e o rito bracarense permanece em
toda a Arquidiocese de Braga. Essa foi a última determinação de Roma. Mas no
mesmo documento diz que todos os sacerdotes de Braga podem usar o rito novo. E
como já existiam os livros em português, o cerimonial era muito mais simplificado,
e pelo menos na zona de Braga, com tanto trabalho naquela época os padres foram
pelo caminho de menos esforço.
Em Inglaterra, por exemplo, havia um indulto desde o
tempo do Cardeal Heenan, em que se podia celebrar o rito antigo romano. Mas
aqui não houve este problema, também não houve tanta experimentação estúpida
como houve noutros países. Penso que aí Portugal estava mais saudável,
liturgicamente falando.
Está a participar numa peregrinação de um grupo tradicionalista católico americano com o objectivo de chamar atenção para o rito tridentino. Qual a importância disto nos dias de hoje, em Portugal?
Primeiro não gosto de os chamar tradicionalistas, porque
isto tem um mau sabor, particularmente entre o clero e o episcopado português.
São pessoas que, como disse o Papa Bento XVI, têm um amor pela forma
tradicional de liturgia.
E porque a liturgia tradicional tem várias formas, não é
só o rito romano, monolítico, mas tem várias, acho que é essencial para as
pessoas que às vezes vêm com uma atitude possivelmente um pouco mais fechado,
de abrir-se para as outras possibilidades que já existiam antes do Concílio e
que existem outra vez hoje. Porque como sabemos a última consulta feita à Santa
Sé sobre o Sumorum Pontificum, diz que também se aplica ao rito ambrosiano,
bracarense e moçárabe, por isso não há obstáculo nenhum a celebrar o nosso
rito, nesse sentido.
Essa variedade de liturgia ajuda também a ver que há bem
na própria variedade. Que o rito novo é uma expressão que pode ser boa e
necessária para a Igreja, também o rito antigo tem o seu lugar e o seu valor,
também o rito bracarense, o dominicano, o ambrosiano, beneditino e os outros
grupos que tinham as suas variedades.
Isto é importante porque se nós começamos a ver só o
Romano, como até no relatório sobre o rito bracarense, que foi feito por D.
Francisco Maria da Silva, alguns sacerdotes queriam usar o rito romano só por
ser romano, e mais nada, é uma pena que olhemos para a liturgia assim, quando
há uma riqueza litúrgica no mundo que é tão vasta, desde os ritos orientais, da
índia, que podemos conhecer… e isto enriquece-nos a nós. Não para dizer que
vamos pegar nas coisas daqueles ritos e meter no nosso, mas para conhecê-los,
para aproveitar as orações para nós mesmos, para a nossa própria
espiritualidade. Faz muita falta isso.
Alguns pensam que estas coisas são pequenas, mas muitas
coisas neste mundo são pequenas e tornam-se importantes para quem as ama.
Existe uma versão actualizada, já reformada do rito bracarense…
O rito bracarense nunca foi reformado, foi traduzido só.
Há um livro do ordinário da missa que foi publicado no tempo de D. Francisco
Maria da Silva, e distribuído a todas as paróquias da arquidiocese de Braga e
de Viana de Castelo, naquele tempo, que tem de um lado o rito em latim e do
outro em português, mas sem alteração nenhuma, porque a Santa Sé rejeitou as
mudanças que foram propostas. E está na carta do arcebispo Bugnini, na
introdução, que diz que foi decido que para manter a integridade do rito
bracarense não se muda nada. E acabou.
Por isso se agora querem fazer outra examinação, isso é
com o Sr. Arcebispo de Braga.
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