Stephen P. White |
Excepto quando não o fazemos.
Quando pecamos, proclamamos algo completamente diferente.
Não proclamamos a Boa Nova quando proclamamos através das palavras e dos gestos
aquilo que não é verdade. Proclamamos um anti-Evangelho, um falso Evangelho de
indiferença e conforto, de domínio e licença, egoísmo e prazer, orgulho e
juízo. Proclamamos um evangelho falso de autossuficiência e de poder.
Felizmente, Deus nunca se cansa de perdoar. A porta da misericórdia está sempre
aberta para nós.
Se forem como eu é fácil olhar à volta para esta nação,
para este mundo, para esta Igreja e ver exemplos destes falsos evangelhos. É
fácil pensar noutros católicos – alguns dos quais nos mais altos cargos de
influência civil e religiosa – que proclamam essas mentiras e de católicos que
auxiliam e protegem a proclamação dessas falsidades, como se a misericórdia
implicasse a negação da verdade.
E ainda, se forem como eu, é substancialmente mais
difícil – e muito mais perturbador – ver estes pecados na sua própria vida. O
pecado cega-nos para o pecado. O pecado, como costuma dizer um bom amigo, “estupidifica-nos”.
E então é fácil tornarmo-nos como os fariseus do Capítulo
8 do Evangelho de João que apresentaram a Jesus uma mulher surpreendida em
adultério. Estamos ansiosos para apresentar os pecados dos outros para
condenação, mas não vemos os nossos, a nossa própria necessidade de
misericórdia.
Há uns anos o Papa Francisco refletiu sobre esta passagem
numa homilia:
Penso que também nós somos as pessoas que, por um
lado, querem escutar Jesus, mas por outro lado, por vezes, gostamos de
encontrar um pau com o qual podemos bater nos outros, condená-los. E Jesus tem
para nós esta mensagem: misericórdia. Penso – e digo-o com humildade – que esta
é a mensagem mais poderosa do Senhor: misericórdia.
A misericórdia está no cerne do Evangelho. É, de certa
forma, a Boa Nova que recebemos e que temos de proclamar. Mas surge uma
questão: Misericórdia de quê? Do sofrimento e da morte? De sentimentos de culpa
e de vergonha? De uma consciência perturbada? A resposta para todas estas
questões é “sim”, mas precisamente na medida em que a misericórdia de Deus é
uma misericórdia pelo pecado e pelo erro.
Jesus repreendeu os fariseus não por eles terem
identificado (corretamente) o pecado de adultério da mulher, mas porque não
conseguiam conceber que o verdadeiro remédio para o seu pecado não era o juízo
à luz da lei, mas a misericórdia de Deus. A ordem de Jesus para a mulher
apanhada em adultério foi: “Vai e não tornes a pecar”. O seu pecado não é
ignorado nem tolerado, como muitos hoje tendem a fazer; é reconhecido e
perdoado.
Já os fariseus merecem um tratamento mais duro, não porque Jesus é forreta na sua misericórdia, mas precisamente porque não conseguem ver a verdade do seu próprio pecado. Nem o Senhor é indulgente para com a sua cegueira. Ele exibe os seus pecados diante deles, tal como o profeta Natã fez com David, para que possam ver a dolorosa verdade e arrepender-se. Ao contrário de David, que se arrependeu, os fariseus não se deixaram mover.
Vós tendes por pai ao diabo e quereis satisfazer os
desejos de vosso pai; ele foi homicida desde o princípio e não se firmou na
verdade, porque não há verdade nele; quando ele profere mentira, fala do que
lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira.
Mas porque vos digo a verdade, não me credes (Jo.
8,44-45)
Vemos então que as palavras duras de Jesus para os
fariseus e para a multidão são palavras de misericórdia. São uma oferta de
verdadeira liberdade: “Se permanecerem na minha palavra, sereis verdadeiramente
meus discípulos, e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”. E depois,
“em verdade, em verdade vos digo, todo aquele que comete pecado é escravo do
pecado”.
Que misericórdia é essa que promove em nós a cegueira
para com os nossos próprios pecados? Que misericórdia nos deixa escravos do
pecado? Que é da misericórdia sem verdade?
Infelizmente, vemos a resposta a estas perguntas quase
todos os dias.
Pode-se dizer que o diálogo de Jesus com os fariseus é
uma forma de acompanhamento, um modelo para o “diálogo” com um certo tipo de
interlocutor: como um Bom Pastor acompanha os poderosos, os obstinados e os
presunçosos. E qual foi o resultado deste modelo de acompanhamento e de
diálogo? “Pegaram em pedras para lhe lançar”.
Os fariseus acabaram por conseguir mandar matar Jesus,
acusando-o falsamente de estar a perturbar a ordem pública. Nas palavras da
multidão para Pilatos: “Se o libertardes, não és amigo de César. Todo o que se
faz Rei está contra César”.
Mas falar daquela forma com os fariseus teve outro
efeito, por mais que Jesus soubesse do preço a pagar.
Quando levantardes o Filho do Homem, então,
conhecereis quem eu sou e que nada faço por mim mesmo; mas falo como o Pai me
ensinou. E aquele que me enviou está comigo; o Pai não me tem deixado só,
porque eu faço sempre o que lhe agrada.
Dizendo ele essas coisas, muitos creram nele. (João 8,
28-30)
As palavras dirigidas por Jesus aos fariseus não eram só
para eles, mas para todos os que estavam a ver e a escutar: na altura e hoje.
Ele veio para “dar testemunho da verdade”, sabendo que isso lhe custaria a
vida, para que outros acreditassem.
A proclamação do Evangelho é alcançada através do testemunho pessoal. Quem tem ouvidos, que oiça.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado em The
Catholic Thing no Domingo, 7 de Fevereiro de 2021)
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