Michael Pakaluk |
Claro que não foi mesmo por acaso. Pedi inspiração ao meu
anjo da guarda, como costumo fazer, e sabemos que nada acontece por acaso, tudo
é guiado pela divina providência. Por isso pensei em escrever algo sobre este
livro providencial.
Admito que o escolhi algo contrariado, por várias razões.
Já vendeu dezenas de milhões de exemplares, inspirou filmes e os meus filhos
tiveram de o ler para a escola. Alguns poderão pensar que estas são todas boas
razões para o ler, mas pessoalmente tendo a andar em sentido contrário ao comum
e óbvio. Talvez vocês também não se sintam especialmente atraídos a este livro
por outras razões.
Mesmo depois de o escolher precisei de mais um bom par de
razões para começar a ler. E encontrei-os: “Qualquer livro que não tenhas lido
é igual a um livro acabado de publicar” (Samuel Johnson) e “enquanto neto de
camponeses de uma aldeia nos arredores de Varsóvia, devias aproveitar todas as
oportunidades para aprender mais sobre coisas polacas”.
Sienkewicz foi Nobel da Literatura e autor de uma grande
trilogia de romances históricos polacos. Mas o “Quo Vadis”, como devem saber, é
sobre Roma nos tempos de Nero. Conta a história da vasta e clandestina
conversão ao Cristianismo, pela perspetiva dos pagãos poderosos e decadentes
que dominavam a cidade.
Para escrever o livro o autor investigou a fundo a Roma
antiga, até ao mais ínfimo detalhe da vida do dia-a-dia. Com um o olhar atento
de um autor, conjuga todos estes detalhes na sua narrativa de forma a que ao
mesmo tempo que conta uma boa história o livro também constitui uma boa lição
histórica sobre Roma. É uma boa recomendação para quem esteja a planear uma
peregrinação à cidade eterna, porque enche as ruínas de vida.
Acima de tudo, pode-se recomendar a cristãos no Ocidente que
sentem que existe uma crescente força ideológica pós-cristã que ameaça
oprimir-nos e perseguir-nos. Não é que o livro seja grande consolo nesse
sentido. Sim, é verdade que Nero se vestiu de mulher para casar com um homem,
Pitágoras, numa grande cerimónia pública (algo que Sienkewicz não deixa de
referir). Mas por mais que sejam corruptos, os ideólogos da nossa própria Grande
Babilónia não são Nero, ainda.
O que quero dizer é que o livro oferece uma imagem dos
primeiros cristãos, que faríamos bem em tentar imitar. Permitam-me chamar-vos a
atenção para três aspetos.
Em primeiro lugar temos a paixão dos primeiros cristãos.
Tornar-se cristão na era de Nero era apaixonar-se completamente por Cristo ao
ponto de se identificar com ele e preferir morrer “com ele” a viver fora dos
seus mandamentos. Sienkewicz transmite esta paixão de forma criativa, fazendo
do romance entre um patrício romano, Vinícius, e uma convertida ao
Cristianismo, Lígia, a trama central do romance.
Como é que se transmite como era o amor destes primeiros
cristãos por Cristo? Através da história de um homem que daria o mundo inteiro
para conseguir uma mulher e tornar o amor desse homem por essa mulher e o seu
amor por Cristo a mesma coisa. Precisamos de amar Cristo e uns aos outros,
sobretudo os nossos esposos, da mesma forma.
Henryk Sienkewicz |
Em segundo lugar está aquilo a que eu chamo a “autossuficiência” da irmandade e da vida cristã para esses primeiros convertidos. Para eles, como Vicinius diz ao seu mentor pagão Patrónio, é como se Roma e Nero nem existissem. Todo o seu pensamento está em Cristo, o seu único Senhor. Descobriram um caminho de vida em Cristo e vivem como Cristo ordena e isso dá-lhes alegria, e basta.
No nosso caso, hoje poderíamos dizer em teoria que “a Igreja
é uma sociedade perfeita”, mas como nos queixamos! Falamos como se só pudéssemos
ser felizes se os tempos fossem diferentes! Não transmitimos a alegria
abundante e a perfeita satisfação de saber que o amor de Cristo já é nosso.
(Sim, também devíamos querer melhorar este mundo, mas como forma de partilhar
aquilo que já nos foi dado plenamente).
Em terceiro lugar temos a sensação de que a vida cristã implica
sempre um reinício. Por isto quero dizer que talvez alguns pensem, de forma
inconsciente, que as coisas tendem a piorar ao longo do tempo, porque pensamos em
modo de uma transmissão física que vai perdendo aos poucos aspetos do original.
Uma fotocópia de uma fotocópia de uma fotocópia, que acaba por perder quase
toda a sua informação. Mas parte do milagre do baptismo e da Eucaristia é que a
vida de Cristo é transmitida plenamente a cada convertido.
Em “Quo Vadis” vemos que os cristãos romanos têm
precisamente a mesma devoção que os discípulos na Terra Santa, a 2.500 milhas
de distância. Basta ver a vida de qualquer santo, como por exemplo a Angela Merici,
cuja memória celebrámos recentemente – uma jovem humilde chamada a amar o
Senhor no Século XV, quase que do nada, numa pequena vila nas margens do Lago
Garda. Esta é a vida renovada de um alter Christus.
Lembremo-nos de como São João Paulo II insistia em
transmitir à Igreja, na viragem do Milénio, a mensagem: Iesus Christus heri et
hodie ipse et in saecula, “Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e amanhã” (Heb.
13,8). Estas palavras mantêm-se, agora e para sempre.
“Quo vadis” costuma ser traduzido do Latim como “para
onde vais?” Mas o verbo tem o sentido de “apressar”. E a frase enfatiza o
destino, mais do que a moção. Estou agitado, distraído, a trabalhar de forma
frenética ou a adiar o trabalho? Seja o que for que estou a fazer, qual é o objetivo
final de toda a minha atividade? O romance sugere que se eu não estou a deixar
tudo o resto de lado para me apressar em direção a Cristo, então estou a
afastar-me dele.
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 2 de Fevereiro de
2021)
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