Michael Pakaluk |
O termo alude à teoria
de Émile Durkheim de que as divindades que inventamos resultam da unidade
social que desejamos. “Os deuses de outrora estão a envelhecer ou a morrer”,
escreveu, “e ainda não nasceram os novos… Chegará um dia em que as nossas
sociedades voltarão a conhecer horas de efervescência criativa, durante as
quais surgirão novos ideais e novas fórmulas para guiar a humanidade durante um
tempo”.
O livro de Reno é,
essencialmente, um comentário a essas frases. Durante o período de 1914-45,
observa, os “deuses fortes” de povo, sangue, classe e destino histórico
governavam com mão firme muitas nações. Uniram a Itália, Alemanha, Japão e o
Império Russo, mas puseram homem contra homem em guerras destrutivas de agressão
e genocídios. Não podemos deixar que isso volte a acontecer. Então como é que
as sociedades livres devem ser protegidas e formadas na sequência dessas
guerras?
Entre os líderes dos vencedores
democratas da guerra surgiu o consenso de que a melhor forma de avançar era a
promoção de mentes abertas, uma sociedade aberta e fronteiras abertas. Destas,
a primeira foi decisiva. Deste ponto de vista, a verdade é, inerentemente,
autoritária e divisiva uma vez que quem acredita numa verdade importante não cede
e está disposto a morrer por ela. Daí que a promoção da verdade teve de ser substituída
pelas palavras bonitas do “sentido”.
Por isso as classes
governantes promoveram todo e qualquer pensador que tinha por objetivo “desencantar”
o nosso mundo. A consequência foi uma sociedade aberta, instintivamente oposta
a tradições e convenções. Depois, para alcançar as fronteiras abertas
fizeram-se aliados dos economistas como F.A. Hayek, que defendia que as
relações económicas, embora fracas, eram (em termos práticos) mais alcançáveis,
ou Milton Friedman, que defendia a competição do mercado livre contra quais todas
as formas de controlo social.
Reno admite que este “consenso
do pós-guerra” levou a uma prosperidade incrível. Pode-se acrescentar a isso o
facto de o mundo não ter voltado a experimentar uma guerra cataclísmica. Mas a
postura constante da nossa elite de ser “anti” os “desuses fortes” da verdade,
religião e patriotismo (veja-se a rapidez com que estes termos são criticados
como “racismo” e “fascismo”) praticamente destruiu a solidariedade.
As “três sociedades necessárias” de que escreveu Russell Hittinger – família, pátria e igreja – estão
a sofrer terrivelmente. “O casamento está a ruir entre as classes operárias
americanas”, observa Reno, “face a esta realidade, é praticamente uma
insanidade fixar a atenção política nas casas de banho transgénero”.
Mas o homem é um ser
social e, avisa Reno, poemos estar certos de que os “deuses fortes” vão
regressar. Cabe-nos a nós decidir se serão benévolos ou malévolos.
A esperança de
Durkheim por uma nova era de “efervescência criativa” encontra eco no livro de
Reno. Ele simpatiza com os jovens que se vêem como que presos num século
anterior, enquanto os líderes da sua sociedade moribunda lutam contra miragens
de Hitler e do KKK. Num par de curtos parágrafos Reno interpreta o fenómeno de
Trump como expressão de uma ansiedade, que devemos apoiar, para começar uma
nova narrativa.
A força deste livro depende,
na minha opinião, do padrão. Se assumirmos que Reno está a fornecer uma perspetiva
em falta, ou unificadora, então é simplesmente brilhante e exige que
reconsideremos (ou leiamos pela primeira vez, com atenção) muitas obras influentes
da cultura do pós-guerra.
R.R. Reno |
As raízes do liberalismo
do pós-guerra remontam até antes das grandes guerras e não são apenas políticas,
mas intelectuais. Mais, o liberalismo contemporâneo tem muitas reações instintivas
para além de ser “anti” fascista. Sentimento de culpa pela prosperidade;
favorecimento do estranho acima do amigo (amor próprio desordenado); abuso do
princípio de Mill de negar que há vítimas e depois de ignorar as vítimas que se
apresentam; usar a riqueza de outros para fazer amigos; sacrificar amigos para
fazer amigos; favorecer procedimentos gerais acima de juízos “paternais” de
proximidade; a romantização do banal e do primitivo; julgar os agentes governamentais
pelas intenções, mas os privados pelos resultados. Tudo isto são aspectos da
personalidade liberal que a tese de Reno nem sequer toca.
Reno não apresenta o seu
livro como sendo católico, ou sequer cristão. Mas como é que o devemos julgar
enquanto católicos?
Bom, como é que um
católico pode pensar entrar neste novo século sem carregar com ele a análise,
feita no século passado, de João Paulo II – que conscientemente conduziu a
Igreja para o novo milénio. Reno nunca refere o seu diagnóstico de uma “cultura
da morte”. Para Reno isso não faz parte do puzzle nem é uma perspetiva
concorrente que deve ser contestada.
Por falar nisso, o livro
também não refere nunca o mal do aborto a pedido. Mas esse fenómeno parece ser uma
peça chave do declínio do amor na família e na piedade nacional. Como é que
podemos ter pietas tradicional por uma sociedade que nem se responsabiliza pelo
nosso direito a nascer? Também prejudicou a solidariedade: que solidariedade é
possível se nos limitamos a ver aqueles que dizemos ser nossos irmãos e irmãs
conduzidos para a morte?
É de novos deuses que precisamos? Não bastará encontrar a
coragem de combater os males presentes e genuínos com a mesma paixão com que os
liberais, no vácuo por nós criado, tratam os males do passado?
Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na terça-feira, 15 de Outubro de 2019)
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