Brad Miner |
O escândalo de abusos sexuais na Igreja Católica
persegue-nos a todos, e não só nos Estados Unidos. Nenhuma nação com igrejas
católicas foi poupada. É verdade que o pior, isto é, o abuso sexual de meninos,
rapazes e jovens adultos, parece ter passado, mas temos aprendido as lições
certas? A tempestade já passou? Ou estamos apenas no olho do furacão?
Eu não tenho respostas, mas Bento XVI ofereceu-nos
algumas nas suas instruções sobre a educação nos seminários. Esperemos que essas orientações estejam a
ser implementadas de forma eficaz.
Contudo, continuamos a assistir a esforços por parte de
algumas vítimas à procura de justiça, bem como tentativas por parte de bispos
para evitar as suas responsabilidades. É por isso que o filme do realizador
francês François Ozon, “Graças a Deus”, é tão importante.
A virtude deste filme está no foco que põe nas vítimas,
ao contrário do Spotlight, um filme de Tom McCarthy de 2015, que venceu um Óscar
e que focava os jornalistas que revelaram a dimensão do encobrimento de abusos
sexuais na Arquidiocese de Boston.
Ozon é conhecido em França por filmes que são sensíveis
ao femininom, (conhecidos como cinema du corps, ou “cinema do corpo” e que
incluem títulos como "8 Femmes" e "Swimming Pool"). O realizador começou por tentar
filmar um documentário, mas depois percebeu que a história das vítimas do
abusador em série Pe. Bernard Preynat (desempenhado por Bernard Verley, o
melhor do filme) e o encobrimento por parte do cardeal Philippe Barbarin,
Arcebispo de Lyon (François Marthouret), exigiam uma narrativa mais dramática,
com ênfase nas personagens, ao estilo de um romance baseado em factos
verídicos.
Nas palavras de Ozon, essa era também a vontade das
vítimas:
Elas imaginavam um filme ao estilo do Spotlight, em que
seriam personagens fictícias, desempenhadas por actores famosos. Então pensei:
é isto que elas querem e é isto que eu sei fazer.
O história conta como Alexandre Guérin (Melvil Poupaud)
começa a aperceber-se dos abusos que sofreu anos antes, às mãos do padre Preynat.
Confiando na integridade do cardeal Barbarin, escreve ao arcebispo, que aceita marcar um encontro cara-a-cara entre Alexande, o padre (agora idoso) e uma
funcionária da diocese, Régine Maire (Martine Erhel). Tanto Alexandre como a
sua mulher e alguns amigos com quem falou sobre o assunto esperam que Preynat
tente embrulhar o assunto, ou mesmo negar tudo. Mas não o faz.
Chocado, mas encorajado, Alexandre pede a Preynat que
torne pública a sua confissão.
“Sinceramente”, diz o padre, “eu preferia evitar os
excessos e ataques físicos que isso poderia provocar”, explicando que alguns
anos antes tinha sido atacado no jardim da sua casa de campo por pais
“violentos e histéricos”.
“Você abusou dos filhos deles”, diz Alexandre.
“Sim”, diz o velho
padre, “mas isso não é razão para se ser violento!”
Nesta altura Alexandre está confiante de que Preynat será
laicizado e ainda acredita que o cardeal Barbarin é um homem corajoso e
honesto. Mas quando o cardeal lhe concede aquilo que apenas pode ser
considerado uma audiência, Barbarin começa a arrastar os pés em relação às medidas
a tomar contra Preynat. Alexandre não compreende porque é que o arcebispo
deixaria um pedófilo manter-se no ministério.
“Por favor, não use essa expressão”, diz o cardeal, num
tom muito formal.
Porque não?
Porque, explica Barbarin, “no sentido etimológico
pedófilo significa ‘amar crianças’”.
O cardeal pede a Alexandre para ser paciente e recorda-lhe que o
Papa Francisco tinha pedido aos cardeais para “enfrentar corajosamente este
mal”. Depois, numa evocação do juízo que Alexandre tinha feito dele
inicialmente, garante, “eu serei corajoso”.
Mas por esta altura o Alexandre já começa a duvidar das
promessas, sobretudo depois de ter descoberto que Barbarin e Preynat são velhos
amigos. Fica ainda mais desencorajado depois de outra reunião com um
funcionário da arquidiocese, um padre que reconhece os “crimes” de Preynat mas
diz francamente que ele não será laicizado: “Para quê desenterrar estas velhas
histórias?”
É então que Alexandre começa um grupo de antigas vítimas que
se intitulam “La Parole Libérée”, o que significa literalmente “a Palavra
libertada” mas é traduzida pelos próprios para inglês como "Lift the Burden" [Retira a Carga].
O título do filme vem de uma conferência que Barbarin deu
em 2016 na qual, em resposta à pergunta de um jornalista sobre a extensão da
crise em Lyon, diz “a maior parte dos factos, graças a Deus, já prescreveram”.
Ou, por outras palavras, “se a lei civil não nos obriga a responder, então não
responderemos”.
Algumas das cenas de “Graças a Deus” fazem lembrar o
Spotlight. Na recensão que fiz desse filme escrevi:
Há uma cena perto do fim do filme em que um jornalista
está de pé na parte de trás de uma igreja, ouvindo um coro infantil a cantar
músicas de Natal. A Igreja é linda, os miúdos são lindos e a música é linda…
Senti alegria por causa dessa beleza essencial, a beleza da fé católica, mas
também tristeza por causa da traição de padres e bispos que não responderam à
esta onda de crimes com sequer um semblante de compaixão cristã, preferindo
antes um carreirismo católico.
Há uma cena praticamente idêntica em “Graças a Deus”
e – tal como no Spotlight – parte-nos o coração.
Por causa da atenção que dá não só à história de
Alexandre como à de três outros homens, este filme é um bocadinho repetitivo. E
em vez de ter um final emocionante o fim – que se resume a uma longa conversa
ao jantar entre os fundadores de “Le Parole Libérée – desilude um pouco.
Bernard Preynat abusou de pelo menos 70 rapazes e foi
finalmente reduzido ao estado laical em julho deste ano. Como disse uma das
suas vítimas, era um verdadeiro Preynador”. Antes, no mesmo ano, o cardeal
Barbarin foi julgado e condenado por não ter denunciado casos de abusos
sexuais. Recebeu uma sentença de seis meses, pena suspensa. O Papa Francisco
não aceitou a sua resignação.
Na última cena de filme um dos filhos de Alexandre chega
a casa e pergunta como correu o tal jantar do “La Parole Libérée”. Foi tenso,
mas correu bem, diz o pai. Estavam a celebrar o facto de terem ganho o prémio
de cidadãos do ano de Lyon. “Sabes quem é que ganhou o ano passado?”, pergunta
ao filho. “Não”, responde o jovem. A resposta: Barbarin.
(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 16 de
Setembro de 2019 em The Catholic Thing)
Brad Miner é editor chefe de The
Catholic Thing, investigador sénior da Faith & Reason Institute e faz
parte da administração da Ajuda à Igreja que Sofre, nos Estados Unidos. É autor
de seis livros e antigo editor literário do National Review.
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