Fiquei
profundamente tocado, e até bastante perturbado, com o artigo de
Brad Miner da passada segunda-feira em que reflecte sobre o exame
oncológico que se prepara para fazer. Para nós que já estivemos na mesma
situação estas histórias trazem de volta memórias desconfortáveis e por vezes
traumáticas. Faz-me lembrar a letra da música de Tom Petty: “The waiting is the hardest
part” [o mais difícil é a espera].
Every day you see one
more card
You take it on faith,
you take it to the heart
The waiting is the
hardest part
Com base na minha experiência,
diria que o melhor que as pessoas podem fazer é rezar. Há alturas em que as
pessoas dizem: “rezo por ti” e soa-nos a “adeus e bom dia”. Mas quando
enfrentamos um futuro escuro, potencialmente fatal e desconhecido, na certeza
apenas de que, seja o que for, o que nos espera é algo diferente do que
tínhamos planeado, há poucas coisas mais reconfortantes do que ouvir alguém
dizer, de forma sincera, “rezo por ti”, ou “estamos todos a rezar por ti”.
Por mais que não queira
recordar esses dias terríveis, permitam-me contar uma breve história pessoal
para ilustrar um ponto mais importante. Tenho memórias claras de estar deitado
numa daquelas macas de hospital, num daqueles cubículos, atrás de uma cortina,
enquanto esperava pela minha biópsia cirúrgica. Tinha esfregado o meu corpo
todo com toalhitas Hepa enquanto aguardava de pé, nu e cheio de frio, no chão
de linóleo. Tinha vestido aquela bata ridícula que nos dão e as meias
antiderrapantes. Tinha respondido à longa lista de perguntas medico-jurídicas
(Data de nascimento? Sabe o que lhe vão fazer hoje? Alguma vez teve uma reação
alérgica a anestesia? Está acompanhado?). E agora estava sentado, sozinho – nunca
me senti tão só na vida – simplesmente à espera.
E pensava: Quando é
que me deixam ver a minha mulher? Quando é que me vêm buscar? O que é que o
futuro me guarda? E mil outros pensamentos que surgiam, sem que eu quisesse, na
minha mente. E foi precisamente nesse momento que olhei para cima e vi uma
enfermeira com uma mancha preta na testa, e lembrei-me que era Quarta-feira de
Cinzas.
É difícil explicar o
quão reconfortante foi, para mim, ver essa mancha preta. Poderão pensar que
seria o contrário, afinal de contas, a frase que escutamos na Quarta-feira de
Cinzas é “lembra-te que és pó, e ao pó retornarás”. Mas aquele símbolo de fé,
aquela recordação de que há algo mais profundo e englobante que todo o aparato
estéril da medicina moderna (que sendo importante, não deixa de ser alienante e
desumanizante), foi o suficiente para elevar o meu espírito, como um abraço
caloroso de uma esposa amada.
E depois, num
daqueles momentos em que a graça de Deus nos submerge, apareceu outra
enfermeira com cinzas na testa, depois outra, e ainda outra, até que
praticamente todas as enfermeiras na unidade pré-operatória tinham as cinzas.
“Recebeste as
cinzas?”, perguntou uma delas à colega. Um padre católico tinha passado por lá
e estava a distribuir as cinzas a quem lhe pedisse. Nada do que se passou
naquele dia, para além da presença da minha mulher, teve tanto poder nem me
confortou tanto como a visão daquelas cinzas. As enfermeiras não fizeram nada
diferente nem disseram nada de diferente, mas elas estavam diferentes, como
estava diferente a enfermaria em que me encontrava deitado.
Alguns anos mais
tarde estava sentado com um amigo num cubículo igualmente frio e estéril,
enquanto ele esperava desconfortavelmente por uma colonoscopia. Não se trata de
uma grande operação, não é preciso internamento e os resultados costumam ser
bons. “Tudo ok!” Viva.
Mas só estar ali à
espera pode ser cansativo. Contei-lhe a história das cinzas. “Ena”, disse ele,
“aí está uma boa história. Devias escrever sobre isso naquela tua coluna no Catholic
Thing”. (Será que o seu tom de voz sugeriu que as minhas outras colunas ficavam
aquém? Tipo, finalmente uma boa história?)
Então discutimos
como seria se naquele preciso momento uma religiosa, com hábito e tudo, entrasse
para o tratar. Não como capelã, com uma linguagem religiosa, mas como
enfermeira. E se, por detrás de nós, houvesse um crucifixo na parede e toda a
volta ícones de Maria e de santos, em vez das cores estéreis e pinturas
modernistas de nada, como se vê em escritórios em todo o lado? Como é que isso
afectaria a experiência de estar naquele hospital?
Será chegada a hora
dos hospitais católicos? Não me refiro a hospitais que sirvam apenas católicos,
como é evidente, mas de hospitais que sirvam as pessoas de uma forma católica.
Se as pessoas tiverem alguma objecção quanto a ver crucifixos e religiosas e
outros símbolos de fé, então não há falta de alternativas a que podem ir. E que
Deus os abençoe.
Mas numa nação que
não fala de outra coisa senão de “diversidade”, haverá lugares onde católicos e
outros cristãos podem obter cuidados tanto para o espírito como para o corpo?
Não será tempo de um florescimento de ordens religiosas para treinar homens e
mulheres para servirem, não como docentes universitários, onde não faltam
candidatos, mas em hospitais onde a sua presença é tão necessária? Onde as
tendências estéreis e desumanizantes da modernidade podem afundar as pessoas,
mesmo as mais saudáveis, nas profundezas da solidão e do desespero?
Para aqueles que são chamados a “escrutinar os sinais dos
tempos à luz do Evangelho”, a resposta a estas perguntas não é evidente? Se
alguma vez esteve numa daquelas macas, com uma daquelas batas, numa daquelas
salas brancas e estéreis, sozinho e à espera, então sim, é.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 2 de Outubro de
2019)
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