Stephen P. White |
Esse documento sublinhava e clarificava as “razões graves”
pelas quais um bispo poderia ser removido do seu ministério eclesiástico, sobretudo
no que diz respeito a negligência em lidar com o abuso de menores. Estipula que
um bispo pode ser removido por negligência, “mesmo sem falha moral grave da sua
parte”. O documento pede ainda a formação de um “colégio de juristas” – uma assembleia
de canonistas – para assistir o Santo Padre em determinar se, e como, se devem
afirmar as conclusões do Tribunal Apostólico que julga o caso canónico.
Tomemos por exemplo o caso do Arcebispo Anthony Apuron,
do Guam. Apuron foi condenado num tribunal canónico por “delitos contra o Sexto
Mandamento com menores”. O seu recurso falhou e o Tribunal Apostólico da
Congregação para a Doutrina da Fé, com a aprovação e a autoridade do Santo
Padre, emitiu uma sentença final, que foi anunciada a semana passada: Apuron
foi removido do ministério de Arcebispo, proibido de usar as insígnias do seu
cargo de bispo e proibido ainda de viver na Arquidiocese de Agaña.
Interessantemente – e ao contrário do que se passou no caso recente de Theodore
McCarrick – Apuron não foi removido do estado clerical.
Não foi imediatamente claro porque é que a um bispo
condenado de abusar de menores (Apuron) foi permitido continuar no estado
clerical enquanto outro (Theodore McCarrick) foi laicizado. Nalguns pontos os
casos eram semelhantes – ambos envolviam o abuso sexual de menores – mas McCarrick
foi condenado também pelo crime de solicitação no confessionário, uma ofensa
grave só por si. Crimes diferentes, sentenças diferentes.
Mas as diferenças não se explicam apenas por alguma
espécie de orientações pontifícias. O Papa Francisco tem resistido a mecanismos
universais para lidar com os problemas dos bispos, uma abordagem que, pelo
menos em teoria, permite que as soluções sejam pensadas à medida da ofensa
particular, mas também para o enquadramento social, cultural e política de cada
caso. O Colégio de Juristas previsto em “Come una madre amorevole” ajuda-o
neste sentido, e pode escolher diferentes juristas para cada caso.
De facto, o Papa Francisco descreveu o processo, e como o
acha útil, numa conferência de imprensa no Verão passado, quando regressava de
Dublin – uma conferência de imprensa recordada mais pela sua resposta memorável
a questões sobre a carta de Viganò, então recém-publicada. O Papa Francisco
usou como exemplo o caso de Apuron, que na altura estava na fase de recurso:
O caso mais recente
é o de Guam, do Arcebispo de Guam, que recorreu. E eu decidi – porque é um caso
muito difícil – usar o privilégio que tenho de ser eu mesmo a ouvir o recurso,
em vez de o enviar para o concelho de recurso, que trabalha com todos os
padres. Eu é que assumi o recurso. E formei uma comissão de canonistas que me
estão a ajudar e eles disseram-me que quando eu regressar, no máximo dentro de
um mês, farão uma recomendação para que eu possa emitir um juízo. É um caso
complicado, por um lado, mas não por causa das provas, que são claras. Não
posso fazer um pré-julgamento, devo esperar o relatório, depois julgo. Mas digo
que as provas são claras porque são as provas que conduziram à condenação no
primeiro julgamento.
Zanchetta |
Há vantagens e desvantagens evidentes para este tipo de
processo. Por um lado, pode ser adaptado às necessidades de cada caso, como já
vimos. Mas há também uma grande desvantagem. Ao assumir a responsabilidade
pessoal por juntar uma equipa de juristas em cuja opinião dependerá para um
caso em particular, o Papa Francisco torna-se pessoalmente responsável pelo
desenrolar dos casos – e por como os fiéis percepcionam a forma como se lida
com cada caso.
A imparcialidade da lei não é igual ao abraço de uma mãe
amorosa, e esse é um ponto que o Papa quer sublinhar. Mas não é por acaso que
normalmente não deixamos as mães presidir sobre os julgamentos dos seus filhos.
Posto de forma mais clara: uma das razões pelas quais a Igreja se encontra
nesta crise é certamente porque muitos bispos revelaram demasiada preocupação
paternal com os seus padres criminosos, e não foram suficientemente neutros em
relação aos crimes terríveis em questão. Isto não foi sempre – ou até
frequentemente – por malícia ou más intenções. É fácil entender como poderá ter
sido precisamente o contrário.
Não é necessário pôr em questão o juízo do Papa (este, ou
qualquer outro) para compreender os perigos inerentes a um processo judicial
tão personalizado.
Nem se trata de uma preocupação abstrata. O Papa já
cometeu um erro terrível, pelo qual pediu desculpa, ao defender o bispo Juan
Barros, no Chile, mesmo ao ponto de denunciar os seus acusadores.
E depois temos o caso do bispo Gustavo Zanchetta, uma das
primeiras nomeações episcopais do Papa Francisco. Zanchetta foi removido da sua
diocese na Argentina depois de uma série de queixas – incluindo sobre
pornografia homossexual encontrada no seu telefone – e trazido para Roma por
Francisco. O Papa poderá entender isto como uma forma de trazer um filho
errante para perto dele, para poder estar sobre a supervisão de um pai que o
ama.
Outros, digamos assim, poderão entender de outra forma.
O Papa Francisco faz bem em estar de pé atrás em relação
a “remédios” legalistas e burocráticos para aquilo que é fundamentalmente uma
crise moral e espiritual. Mas dado tudo o que sabemos sobre como se tem lidado
com os ilícitos dos padres nas últimas décadas, há razões para questionar se
esta abordagem pastoral altamente personalizada e ad hoc do Papa Francisco para
com bispos errantes é o modelo mais prudente para a Igreja hoje. O tempo dirá.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 11 de Abril de
2019)
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