Wednesday, 3 April 2019

Que Tipo de Filho?

Pe. Paul Scalia
A Quaresma é sobre o tipo de filho que escolhemos ser. Tem a ver, em primeiro lugar, com a filiação de Cristo, e depois com o facto de nós sermos filhos de Deus através dele, com Ele e nele. A Quaresma alcança o seu propósito e significado final na Vigília Pascal, quando os catecúmenos são baptizados e os fiéis renovam as suas promessas baptismais, isto é, quando nos tornamos, ou renovamos a nossa relação de, filhos de Deus.

As leituras reflectem esta realidade. O primeiro Domingo de Quaresma coloca-nos diante das tentações que queriam afastar o Filho do Pai. Ele tinha acabado de escutar a voz do Pai no Rio Jordão: “Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus toda a minha complacência”. Agora é o demónio que põe à prova as palavras do Pai, propondo outro tipo de relação filial – não proposto e desejado pelo Pai, mas baseado antes nas suas próprias sugestões: Se és de facto o filho de Deus…

É confiando no Pai, recebendo o que Ele dá e rejeitando qualquer relação filial contrafeita, que Nosso Senhor triunfa. E como que a confirmar esta vitória, o segundo Domingo da Quaresma dá-nos a voz do Pai no Monte Tabor: “Este é o meu Filho muito amado, em quem pus toda a minha complacência; escutai-o”. A Quaresma toda tem a ver, portanto, com a rejeição da falsa filiação, afastando o que não é de Cristo e preparando-nos para renascer, ou vermos renovada a nossa relação filial com Deus.

É neste contexto de filiação – tanto real como falsa – que devemos escutar a parábola do Filho Pródigo, de domingo passado. Na verdade, claro, é sobre dois filhos. Embora sejam muito diferentes, têm algo em comum: cada um escolhe o seu próprio tipo de filiação, independentemente do pai. Ou melhor, cada um nos revela formas diferentes de sermos apanhados nas ciladas do demónio e na filiação criada à nossa medida.

A rebelião do filho mais novo é mais infame. Ele “consumiu os bens [do pai] com mulheres de má vida”, nas palavras do irmão. Esta vida dissoluta poderá parecer-nos o pecado mais grave. Mas na verdade é apenas o fruto terrível, e não a raiz, da sua rebelião.

Na raiz do pecado do filho pródigo está a vontade de querer uma relação filial à sua medida. “Pai, dá-me a parte da herança que me toca”. Esta exigência dura revela o seu desejo de querer ter todos os benefícios da filiação – a sua herança – mas sem o pai. Note-se que não lhe basta estar longe do pai, quer que o pai deixe de existir. Quando diz: “Pai, dá-me a parte da herança que me toca” o que está a dizer de facto é: “Eu quero aquilo a que tenho direito quando morreres”… “Eu só posso viver a filiação que desejo quando tu partires”… “Gostaria que morresses”. 

O filho mais novo é Adão, tentando alcançar o fruto, procurando obter à sua maneira aquilo que o Pai lhe quer dar livremente – e acabando em grande desapontamento. Esta é a doença do homem caído. Queremos as coisas de Deus, mas sem Deus. Queremos a bondade da criação, sem o Criador, a dignidade que Ele nos deu, sem qualquer responsabilidade para com Ele, e a vida eterna que Ele promete, sem o seu caminho.

O Ocidente pós-cristão quer o património intelectual, moral e espiritual da Cristandade – mas sem Cristo. No final nós, tal como o filho pródigo, percebemos que não podemos ter um sem o outro. Sem o Pai, os seus dons rapidamente nos traem. E nós, tal como o filho pródigo, encontramo-nos no meio dos porcos.

E depois temos o filho mais velho. Também ele vive uma relação filial à sua maneira. Só não é tão evidente. O filho mais novo estabelece a sua própria rota, em claro contraste com o pai. O mais velho estabelece os termos para a sua relação (ou falta dela) com o pai, mas de forma menos clara. Também ele quer as coisas do pai sem o pai. Em vez de ser dissoluto e irresponsável, porém, os seus termos são mercantilistas e (espera ele) lucrativos.

“Há tantos anos que eu te sirvo, sem nunca transgredir uma ordem tua”. Esta não é a voz de um filho, mas de um empregado ou de um escravo. Trai a visão distorcida do filho mais velho da relação filial e uma fraca compreensão do seu pai. Ele encara o seu trabalho, não em união com o pai ou para bem da família, mas apenas como obrigação. O filho mais velho está sozinho em casa: todo este tempo na casa do pai, mas não da casa do pai.

Se o filho pródigo representa aqueles que se afastam, ou que se revoltam mesmo contra a Igreja (a casa do Pai) o mais velho representa aqueles que, enquanto na Igreja e talvez até a trabalhar para a Igreja, são animados apenas por um sentido de dever.

Ao contrário da vida dissoluta do filho pródigo, este vício ameaça aqueles que levam a sua fé a sério e, também ao contrário do pródigo, não querem abandonar a casa do Pai. Arriscam estar na casa do Pai, mas sem o sentido de serem seus filhos. O perigo, para eles, está em substituir o Pai pelas coisas do Pai – colocando a piedade acima da santidade e satisfazerem-se com a observação externa acima da obediência filial.

“Pai, pequei contra o céu e contra ti”. Embora partam da boca do mais novo, ambos os filhos o poderiam ter dito. A ambos falta uma relação genuína com o pai. Cada um deles, à sua maneira, distorceu-a, criando uma relação filial à sua medida.

É normal tentarmos reconhecer em nós mesmos um ou outro dos dois filhos. Mas a realidade é que nos assemelhamos a ambos, até certo ponto. Por isso, agora que nos encontramos a meio da Quaresma, fazemos bem em perguntar não se, mas como é que agimos como cada um. Quando e como é que prefiro as bênçãos de Deus ao próprio Deus? E, igualmente, quando e como é que reduzo a minha relação com o pai a um mero quid pro quo?

Temos de renunciar a estas falsas relações filiais para sermos renovados como filhos de Deus, na filiação autêntica de Cristo.


O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero.

(Publicado pela primeira vez no domingo, 31 de Março de 2019 em The Catholic Thing)

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