A minha promessa não foi esquecida. Prometi àqueles de
vós que foram baptizados, um sermão para explicar o sacramento da mesa do
Senhor, que agora podem ver, e da qual partilharam na noite de ontem. Devem
saber aquilo que receberam, aquilo que estão prestes a receber, o que devem
receber todos os dias.
O pão que podem ver no altar, santificado pela palavra de
Deus, é o corpo de Cristo. O cálice, ou melhor, o que o cálice contém,
santificado pela palavra de Deus, é o sangue de Cristo. Foi por meio destas
coisas que o Senhor Cristo quis apresentar-nos o seu corpo e o seu sangue, que
derramou por nós, para o perdão dos pecados.
Se receberem bem estas coisas, vocês mesmos são aquilo que
recebem. Sabem, o apóstolo diz que nós, sendo muitos, somos um pão, um corpo (1
Cor. 10, 17). É desta forma que ele explica o sacramento da mesa do Senhor; um
pão, um corpo, é o que todos somos, por mais que sejamos.
Neste pão é-vos dado a perceber claramente o quanto devem
amar a unidade. Acaso este pão foi feito de um só grão? Não foram muitos os
grãos de trigo? Mas antes de se unirem no pão, cada um era separado; foram
juntados por meio da água e de bater e esmagar. Se o trigo não for moído,
afinal de contas, e amolecido com água, não se pode pôr neste formato, a que se
chama pão.
Da mesma forma, também vocês foram moídos e batidos, por
assim dizer, pela humilhação do jejum e o sacramento do exorcismo. Depois veio
o baptismo e foram, por assim dizer, amolecidos pela água para poderem ser
moldados na forma de pão. Mas não é pão ainda sem o fogo para o cozer. Então o
que significa o fogo? É o crisma, a unção. O óleo, que alimenta o fogo, como
vêem, é o sacramento do Espírito Santo.
Reparem nisso quando lemos os Actos dos Apóstolos;
começamos agora a ler esse livro. Hoje começa o livro a que chamamos os Actos
dos Apóstolos. Quem quiser progredir tem assim os meios para o fazer.
Quando se reunirem na Igreja, ponham de lado as histórias
tontas e concentrem-se nas Escrituras. Aqui somos os nossos livros. Por isso
prestem atenção e vejam como o Espírito Santo virá no Pentecostes. E é assim
que ele virá; mostrar-se-á em línguas de fogo.
Santo Agostinho e Santa Mónica |
Agora têm os sacramentos pela ordem em que ocorrem.
Primeiro, após a oração, são convidados a elevar os corações; é assim que deve
ser para os membros de Cristo. Afinal de contas, se vocês se tornaram membros
de Cristo, onde está a vossa cabeça? Os membros têm cabeça. Se a cabeça não
tivesse ido antes em frente, os membros não lhe seguiriam.
Onde foi a nossa cabeça? O que é que pronunciaram no
Credo? Ao terceiro dia ressuscitou dos mortos, subiu aos céus e está sentado à
direita do Pai. Por isso a nossa cabeça está no céu. É por isso que, depois das
palavras, “corações ao alto”, respondemos, “o nosso coração está em Deus”.
E não devem atribuir isso ao vosso poder, aos vossos
méritos, aos vossos esforços, este elevar do coração ao Senhor, porque é pelo
Dom de Deus que devem ter o coração no alto.
É por isso que o bispo, ou o presbítero que oferece,
depois de termos respondido “o nosso coração está em Deus”, continua dizendo
“demos graças ao Senhor nosso Deus”, porque os nossos corações foram elevados
ao alto. Demos graças, porque se Ele não nos tivesse permitido elevá-los, os
nossos corações continuariam cá em baixo na terra. E vocês afirmam a vossa
concordância, dizendo “é nosso dever, é nossa salvação” dar graças ao que nos
levou a erguer os nossos corações ao nível da nossa cabeça.
Então, depois da consagração do sacrifício de Deus,
porque ele quis que nós próprios fôssemos o seu sacrifício, como é indicado por
onde o sacrifício foi colocado em primeiro lugar, que é o sinal da coisa que
somos; é por isso que, feita a consagração, rezamos a oração que o Senhor nos
ensinou, que vocês receberam e pronunciaram.
Depois disso vem o cumprimento, “a paz esteja convosco”,
e os cristãos beijam-se uns aos outros com um beijo sagrado. É um sinal de paz;
o que é indicado pelos lábios deve acontecer na consciência; isto é, tal como
os seus lábios se aproximam dos lábios do seu irmão ou da sua irmã, assim os
vossos corações não se devem retrair dos deles.
São, por isso, grandes sacramentos e sinais, sacramentos
verdadeiramente sérios e importantes. Querem saber como a sua importância é-nos
incutida? O apóstolo diz, “Portanto, qualquer que comer este pão ou beber o
cálice do Senhor, indignamente, será culpado do corpo e do sangue do Senhor” (1
Cor 11,27).
O que significa receber indignamente? Receber com
desprezo, receber com escárnio. Não se deixem pensar que aquilo que podem ver
não interessa. O que conseguem ver passa, mas a realidade invisível que é
significada não passa, mas permanece.
Vejam, é recebido, é comido, é consumido. O corpo de
Cristo é consumido? A Igreja de Cristo é consumida? Os membros de Cristo são
consumidos? Deus nos livre! Aqui estão eles a ser purificados, ali serão
coroados com os louros da vitória.
Por isso aquilo que é significado permanece eternamente,
embora aquilo que significa parece passar.
Por isso recebam os sacramentos de tal modo que não
pensem em vocês mesmos, mantendo a unidade nos corações, elevando sempre os
corações ao alto. Que a vossa esperança não esteja na terra, mas no Céu. Que a
vossa fé esteja firme em Deus, que seja aceitável para Deus. Porque aquilo em
que crêem, sem ver, verão ali, onde terão alegria, sem fim.
– Proferido c.411-415
St. Agostinho (354-430) nasceu na actual Argélia. Depois
de uma juventude desregrada, tornou-se um católico fiel, por influência da sua
mãe, Santa Mónica, e do seu professor, Santo Ambrósio de Milão. Dois dos seus
livros, “Confissões” e “A Cidade de Deus” são considerados dos maiores exemplos
de apologética cristã.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo de Páscoa, 1 de Abril de 2018)
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