Pangur Bán |
Há alguns anos ele e a sua namorada tiveram um filho. Depois
de um grave acidente chegou a estar a tomar três analgésicos diferentes. Um
caso típico de uso, e depois abuso, de opiáceos. A sua namorada também começou
a abusar de drogas.
Outros detalhes da sua vida prévia não surgiram em
conversa. Aparenta ter quarenta e poucos, mas provavelmente é mais novo do que
parece. Dá ares de ser de um meio rural, de classe operária. Também transmite a
ideia, que se viria a confirmar em conversas, de ser muito pensativo.
Quando o abuso de substâncias estava já em fase avançada,
de repente apercebeu-se do grande mal que estava a ser feito. Sem perceber
muito mais do que isso, tentou endireitar o seu próprio percurso e o da
namorada. Ela não estava interessada e ele concluiu que ao ficar com ela estava
a piorar a situação para ela e para o filho.
Partiu abruptamente. Sem nada e sem sítio para onde ir.
Mas sentiu, de forma inesperada e forte, a presença de Deus a acompanhá-lo
enquanto saía para o mundo sem planos, apenas com uma oração a pedir que Deus
lhe mostrasse onde ir, o que fazer. Vagueou durante dois anos.
A sua natureza e a sua experiência tinham-no tornado
desconfiado de organizações grandes, incluindo igrejas e, sobretudo, a Igreja
Católica. Tinha passado algum tempo com comunidades “new age”, mas estas não
lhe satisfaziam.
A dada altura soube que uma amiga de longa data estava a
morrer. Viajou uma grande distância para a visitar e ficou a cuidar dela. À
medida que a doença piorava, mais elementos da sua família vieram para ajudar e
ele acabou por perceber que já não havia nem necessidade nem espaço para ele,
por isso seguiu o seu caminho.
Quando pensava para onde ir de seguida, alguém da família
falou-lhe da tal comunidade católica, ali perto. Nunca tinha sentido qualquer
interesse por esse tipo de comunidade. Mas foi, e ficou uns tempos.
Fez biscates para pagar o alojamento. Fez perguntas sobre
a fé da comunidade e as respostas faziam sentido. Viu as orações, como eram
genuínas, os resultados que obtinham. Fé verdadeira e eficaz. O seu cepticismo
quanto a organizações grandes mantinha-se, mas a sua confiança nesta pequena
comunidade foi-se aprofundando. Ocasionalmente tinha-se interessado por
religião, e nunca tinha alinhado na conversa do “espiritual mas não religioso”,
mas também nunca tinha visto uma religião assim.
Fez perguntas sobre a fé e recebeu respostas sólidas. Chegou-se
a um ponto em que conversar com ele sobre assuntos católicos era conversar com
alguém que tinha recebido uma formação soberba e ortodoxa, tendo-se esforçado,
de forma bem-sucedida, para a compreender.
A sua vida não o tinha levado às universidades de topo,
mas era um homem inteligente, que questionava as coisas com um cepticismo
saudável – mas não com cinismo niilista – disposto a aceitar as coisas
razoáveis desde que razoavelmente demonstradas, mas sem paciência para grandes
entusiasmos ou balelas pseudointelectuais. Queria a verdade e, estranhamente,
tinha-a encontrado. E sabia-o.
Agora espera para ser recebido na Igreja Católica. Ainda
falta algum tempo.
E a namorada e o filho? “Penso neles. Ainda ontem falei-lhes. Financeiramente
estão bem, mas as coisas não mudaram muito para melhor. Sei que tomei decisões
que agora não consigo controlar. É difícil. O que posso fazer agora é continuar
a focar-me em Deus para que quando o meu filho estiver pronto, quando as coisas
estiverem prontas, eu estar pronto.” Isto não foi dito de forma evasiva ou
irresponsável, mas com resignação e esperança.
Será que se vai juntar à comunidade quando for recebido
na Igreja? “Estou-lhes muito agradecido, mas não me parece que o meu lugar seja
aqui para sempre. Seja onde for, Deus me mostrará”.
De vez em quando Felix fala de política. Está a par da
actualidade e procura separar as notícias verdadeiras das falsas, interessa-se
pelo mundo para lá da sua situação imediata e demonstra bastante prudência ao
analisar a realidade contemporânea.
Também sabe que a Igreja em que vai entrar se encontra
dividida, que o que hoje emana de Roma nem sempre parece bater certo com o que
aprendeu ao longo do último ano. Sabe como distinguir as coisas, sabe o que
passará e o que permanecerá.
A história de Felix poderá acabar bem, ou não. Mas não é
certamente a história tipicamente burguesa do católico americano assimilado. O
seu caminho para a fé não foi nem intelectual nem anti-intelectual. Mais uma
balada séria de música country católica, ainda por concluir. Talvez os
Hillbilly Thomists gravem um tema “bluegrass” sobre ela, incertezas e tudo.
Mas não deixa de ser fantástico ver que quando o dedo de
Deus toca um homem com a graça, o sofrimento não cessa, apenas começa a fazer
sentido. “Amazing”, como diz a velha canção.
Pangur Bán é um pseudónimo, de um poema do Século IX escrito
por um monge irlandês que vivia na antiga Suábia. Pode ler o poema aqui, ou aqui
e ouvi-lo em inglês ou em gaélico aqui.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 22 de Abril de 2018)
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