David Warren |
O erro é um grande dissipador de tempo e de energia. Quem
o disse foi Goethe, numa carta que escreveu a alguém, mas poderia ter sido
outra pessoa qualquer, em qualquer outro lado. Sim, Goethe diz que num mundo em
que o erro se repete de forma incessante, a verdade deve ser repetida
frequentemente.
Recordei-me desta máxima devido ao meu péssimo hábito de
ler as notícias – outra actividade que dissipa tempo e energia. As notícias
confundem-nos. Certamente não é preciso dar exemplos.
Há tolos santos, embora actualmente sejam difíceis de
encontrar; há tolos triviais; e depois há tolos maliciosos. Estes útimos são
grandes dissipadores, não só deles mesmos. Faríamos bem em ignorá-los
totalmente, mas o problema é que tendem a ser ambiciosos. É preciso tempo e
energia para os travar.
Na América de hoje (enquanto Canadiano incluo-me neste
continente), parece que o erro está consagrado na Constituiçao. Está expresso
como separação entre Igreja e Estado. Isso significa uma coisa para os seus
autores, que eram cristãos, e outra para os seus descendentes pagãos.
Ao excluir da vida pública os próprios princípios sobre
os quais se fundou a sociedade americana, o erro fica com uma espécie de
monopólio, para ser imposto por um sem número de departamentos de Estado.
Aqui neste “espaço seguro” somos maioritariamente
católicos, e os pais fundadores (pré e pós-revolução) eram maioritariamente
protestantes, mas as verdades fundamentais a que se referiam atravessavam
fronteiras confessionais.
A Virgínia, o Massachusetts e o Québec eram regiões bem
distintas, tanto em termos eclesiais como gerais, mas para um observador da
China seriam bastante semelhantes. A noção do homem num mundo decaído, nascido
escravo do pecado e a precisar de redenção, era comum a todas as facções. Daqui
seguiam muitas particularidades.
Entre os poucos filmes que já vi inclui-se “Nashville”,
realizado pelo falecido Robert Altman, para o bicentenário dos Estados Unidos.
Entre os seus enredos inclui-se a odisseia de uma jornalista pretensiosa da BBC
(desempenhada por Geraldine Chaplin), em busca da “verdadeira América”, mas constantemente
a enganar-se.
Num certo domingo de manhã ela encontra-se num gigantesco
parque de estacionamento, cheio de autocarros escolares amarelos. Encontra
nestes monstros metálicos um grande simbolismo.
Mas depois a câmara mostra-nos várias igrejas –
baptistas, metodistas, episcopalianas, etc. – em que se encontram os vários
protagonistas cómicos do filme. Todos estão a cantar, a rezar e a ouvir
homilias. Aí vemos a “verdadeira América” que a menina bem de Inglaterra não
tinha conseguido ver.
Refiro o filme apenas porque é tão recente; afinal de
contas, 1976 não foi assim há tanto tempo. Eu lembro-me da data e estou na casa
dos 60. Lembro-me que quando estava a crescer em Ontário o que era normal era
ir à Igreja. Eu não fui criado por cristãos praticantes, mas percebia que isso
é que era fora do comum.
De certa forma os meus pais eram liberais à moda antiga, anticlericais
por disposição e a minha mãe, na verdade, era conscientemente ateia, mas penso
que nunca lhes passou pela cabeça sugerir que a cultura religiosa do continente
inteiro tinha de ser destruída. Até dizia que “os crentes são mais bem-comportados”.
Isso porque dão por adquiridas coisas sobre as quais os
outros precisam de reflectir – com todos os erros que se seguem naturalmente
quando alguém precisa de reinventar a moralidade a partir do zero. Os crentes
tinham noções básicas do bem e do mal, implantadas desde pouco depois do
nascimento. Até as crianças de lares sem fé absorviam estes valores da
sociedade em geral.
Sim, a maioria dos crentes era hipócrita; e também eram
ateus, na prática, naqueles momentos em que se esqueciam que Deus nos observa.
Esta não é uma particularidade dos cristãos, mas da condição humana:
encontramo-nos frequentemente no erro.
E é por isso que Goethe – também ele um liberal à antiga
– diz que devemos regressar à verdade, como quem desperta do sono, sentindo-se
refrescado. Domingo, “todo o santo Domingo”, era o nosso toque de despertar.
Não sou um daqueles parvos ingénuos que pensa que a
América simplesmente pensou duas vezes e concluiu, de forma democrática, que a
religião era inconveniente e dispensável. Deu muito trabalho minar a religião,
resultado de uma “longa marcha pelas instituições” dos progressistas. Foi
preciso muita capitulação das nossas figuras de autoridade.
E como todos sabem – e como todos os progressistas gostam
de proclamar – a história não anda para trás. Não há nada na antiga América que
se vá reedificar espontaneamente. Não foi sozinha que se edificou, foi
resultado do trabalho e da aspiração humana, com raízes muito anteriores à sua
própria descoberta e povoação.
Muita coisa foi destruída no espaço de duas gerações. Não
estamos perante uma transição geracional, mas civilizacional. Quando
abandonamos o Cristianismo, o nosso passado cristão torna-se incompreensível
para nós. Os nossos antepassados tornam-se impossivelmente estranhos. A sua
prática religiosa torna-se um factor de alienação. Os cristãos sobreviventes
tornam-se uma seita exótica minoritária que precisa de ser cuidadosamente
regulada e vigiada pelo Governo.
O slogan “Make America Great Again” pode ter resultado
durante a última eleição presidencial, mas são palavras vazias. Partem do
princípio que houve uma América que em tempos foi grande. Talvez tenha havido,
mas esta já não é a América. “Já não estamos no Kansas”
Mesmo o conceito de grandiosidade é vazio se não puder
ser especificado. Estamos a falar de grandeza geográfica? Mas isso já somos.
Económica? Mas já produzimos bens de gosto duvidoso em quantidades sem
precedentes. Ou estaremos a falar de um conceito de virtude e de nobreza?
Claro que é isso, apesar da confusão. Mas sem um conceito
claro do que é nobre e virtuoso continuamos desorientados. E estas coisas não
virão do nada.
E é por isso que proponho um slogan alternativo, “Make America Christian Again”. E já que a história não anda para trás, concentremo-nos em fazê-la católica, desta vez. Caso contrário estaremos a dissipar tempo e energia.
David Warren é o ex-director da revista Idler e é
cronista no Ottowa Citizen. Tem uma larga experiência no próximo e extreme
oriente. O seu blog pessoal chama-se Essays in Idelness.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 24 de Novembro
de 2017 em The Catholic Thing)
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