Wednesday 8 June 2016

Revelando Deus à Humanidade

James V. Schall S.J.
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Há uma quadra de um hino do breviário inglês (Sexta-feira, 8ª Semana), que diz o seguinte: “Pronunciado pela Palavra incarnada / Deus de Deus, desde os primórdios, / Luz da Luz, descendo à Terra, / Homem, revelando Deus à humanidade”. Os itálicos da última linha são meus. Parece um paradoxo tão verdadeiro. Recorda a ideia de São João Paulo II no Redemptoris Hominis de que aprendemos o que é o homem através da revelação por parte de Cristo daquilo que nós somos verdadeiramente.

Certamente podemos pensar: “Quem é que Deus pensa que é, revelando à humanidade o que significa ser homem?” Não será um insulto à dignidade humana insinuar que o homem não consegue alcançar por si o sentido da sua vida? A resposta, suponho, é que, tal como indica a Incarnação, Deus torna-se, Ele próprio, homem e revela à humanidade o que é o homem. Esta não chegou lá sozinha, como explica São Tomás de Aquino. A verdade do homem é que foi criado para algo que não é apenas humano. Homo proprie non humanus sed superhumanus est, diz São Tomás de Aquino em De Caritate.

Mas se este “Ele” é Deus, então não pode ser homem, correcto? À primeira vista, parece logicamente correcto, mesmo que não acreditássemos em Deus. Ainda assim, será que Deus poderia ser homem sem deixar de ser Deus ao mesmo tempo? As conclusões a que chegaram os primeiros Concílios são que sim. Mais do que pensamos, por vezes, a Civilização depende da compreensão e defesa de distinções subtis.

Quem é que diz que este “Ele” é homem? Evidentemente, é “o Verbo incarnado”. O Verbo, o Filho, é “gerado” não “criado”. O Verbo é Luz “descendo à Terra”. O Logos, o Verbo, deve ser inteligível. Mas não está tudo de pernas para o ar? Este homem a revelar Deus aos homens? Talvez tenha sido a única forma de eles prestarem atenção.

Claramente, a dada altura Deus cansou-se de explicar-se aos homens através da natureza e das suas causas, através dos profetas hebraicos ou através do Espírito Santo, pairando sobre o vasto mundo. Uma abordagem diferente serviu para focar a atenção da raça humana naquilo que cada membro precisa de saber se vai escolher tornar-se o que Deus o criou para ser.

No final de contas, o homem tem de desejar e escolher ser aquilo para o qual foi verdadeiramente criado. Se Deus o “obrigasse” a aceitar o que lhe é oferecido, não seria livre. Não seria homem. Neste sentido, o próprio Deus encontra-se num impasse. Não pode contrariar a dignidade das suas próprias criaturas, que fez “pouco menores que os anjos”, como se lê no Salmo 8.

A julgar pelos resultados, passados alguns dois mil anos, esta intervenção divina não parece ter dado grande resultado. Grande parte da humanidade não ouviu falar, quanto mais aceitou, a Incarnação do Verbo como a explicação para a realidade e para a vida humana. Essa não audição ou não conhecimento pode dever-se ao facto de subestimarmos as forças que não querem que seja conhecido.

O David Warren disse, nalgum lado, que se Deus quisesse que todos os homens acreditassem, isso já teria acontecido. O facto de não ter acontecido não significa necessariamente que Deus não deseja que cada pessoa seja salva. A possibilidade de rejeitar Deus é está presente em cada vida humana.

Deus feito homem
Agora, no lugar de um homem, na forma do Verbo Incarnado, a revelar Deus à humanidade, temos o homem a negar a existência de qualquer logos fora do cosmos que revele o homem ao homem. Fará algum sentido esta explicação “humanista” do homem por parte do homem fora de Deus? O humanismo, nas suas origens intelectuais, tinha muitas vezes como predicado a negação de que o homem era o tipo de ser cujo bem dependia de dar livre curso às tendências da sua natureza.

Neste ponto torna-se bastante evidente que se queremos adoptar uma visão puramente “humana” do que é o homem essa será, bem vistas as coisas, uma negação sistemática e gradual de cada uma das coisas que constituem a natureza humana. O cumprimento dessa negação dependerá dos costumes e do poder público; será propagada pelos intelectuais e pelos media. 

O processo de reprodução será negado. A divisão dos sexos será negada A liberdade de expressão será negada. Tudo o que não seja o controlo absoluto por parte do Estado será negado. Serão negadas as nossas relações normais uns com os outros. Todas estas negações serão chamadas “boas”. Serão o que nós “queremos”. A culpa das terríveis consequências sociais de tais escolhas sobre a nossa natureza, e são muitas, será colocada sob os ombros daquilo que o Verbo Incarnado revelou sobre Si, sobre o homem. Inácio de Antioquia escreveu aos romanos: “O Cristianismo revela a sua grandeza quando é odiada pelo mundo”. O Verbo, verdadeiro homem, revela Deus à humanidade.


James V. Schall, S.J., foi professor na Universidade de Georgetown durante mais de 35 anos e é um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seus mais recentes livros são The Mind That Is CatholicThe Modern AgePolitical Philosophy and Revelation: A Catholic Reading, e Reasonable Pleasures

(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 7 de Junho de 2016 em The Catholic Thing)

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