Thursday 11 February 2016

O Vaticano está mesmo a dizer aos bispos para não denunciarem casos de abuso às autoridades?

Será assim?
Está a circular uma notícia que indica que o Vaticano defende que os bispos católicos não devem informar as autoridades dos seus países aquando de acusações de abuso sexuais praticados por membros do clero.

Há aqui muita coisa que é preciso esclarecer.

Tudo começou numa notícia do vaticanista John Allen Jr. que numa coluna de opinião indicou que durante uma formação para novos bispos, estes tinham sido informados pelo formador que “os bispos não têm o dever de informar a polícia de alegações, esta é uma escolha que cabe às vítimas e às suas famílias”.

Daqui foi parar ao Guardian e do Guardian apareceu na imprensa portuguesa, mas já com indicação de que o Vaticano está a dizer que os bispos “não devem” informar as autoridades destes casos.

O principal ponto do artigo de Allen, que os outros relegaram para segundo plano, é que a comissão criada pelo Papa para lidar com o assunto dos abusos não está envolvida nesta formação. Allen critica isto, com toda a razão.

Quanto ao que foi dito na formação, há vários pontos a ter em consideração.

Para quem vive num Estado de direito parece evidente que a Igreja deve informar as autoridades, que agirão em conformidade. Mas as indicações do Vaticano são universais e nem todos os bispos e católicos vivem em estados de direito. Há países em que a denúncia oficial às autoridades faria mais mal que bem.

Por exemplo, um bispo clandestino na China deveria denunciar um padre suspeito de abusos às autoridades? O que poderia acontecer tanto ao padre (inocente até prova em contrário) como ao próprio bispo e à vítima?

Em partes de África, onde sabemos bem que a homossexualidade é duramente reprimida, um bispo deveria colocar tanto vítima como abusador em perigo de vida, denunciando o caso às autoridades?

As indicações do Vaticano têm sido claras no sentido de que nos Estados de direito e democracias, como é o caso de Portugal, existe essa obrigação. Roma exigiu já há vários anos que cada país elabore um guião de conduta para estes casos. Portugal já o fez e essas indicações são claras.

“Ao serviço da humanidade, sem procurar servir-se a si mesma, cada pessoa jurídica canónica cooperará com a sociedade e com as respetivas autoridades civis; tomará em atenção todas as indicações que lhe cheguem e responderá com transparência e prontidão às autoridades competentes em qualquer situação relacionada com abuso de menores, na salvaguarda dos direitos das pessoas, incluindo o seu bom nome e o princípio da presunção de inocência.”

Em todo o caso, em 2013 passado houve uma situação em que houve uma suspeita de abusos no norte do país e a PJ só soube através da imprensa. Na altura falei com um jurista, pensando que ele me diria que a Igreja tinha errado ao não informar logo as autoridades do caso, mas ele disse que sendo a Igreja uma instituição jurídica internacional, deveria ter autonomia para poder, primeiro, averiguar se o caso era credível, antes de falar com as autoridades.

Fiquei admirado com a resposta, e sublinho que o jurista em causa, muito respeitado, tanto quanto sei não é católico por isso dificilmente pode ser acusado de estar a proteger a Igreja.

Concluindo, há ainda muito para fazer neste campo e certamente os novos bispos beneficiarão de uma formação mais completa que será possível com a participação da comissão para a protecção dos menores. Contudo, já muito foi feito e é simplesmente errado fazer manchetes a dizer que a Igreja está de algum modo a aconselhar os bispos a não colaborar com as autoridades em casos de abusos sexuais.

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