Wednesday 27 May 2015

Muito Mais que Uma Crise de Natalidade

Pe. Mark Pilon
Recentemente um amigo, bom católico e bom homem, discordou de mim quando eu argumentei que a contracepção e a mentalidade contraceptiva não só mudaram os conceitos sociais de casamento e família, como poderão ter minado fatalmente as culturas e as nações previamente cristãs. É uma visão negativa, admito, mas também acho que é bastante realista e penso que é crucial que a enfrentemos como cristãos.

Ele contra-argumentou que a minha visão é demasiado simplista e que ignora o facto de a queda do índice de natalidade anteceder em pelo menos um século a invenção da pílula. Mais, existem por detrás disto muitas causas complexas para além dos contraceptivos, causas de natureza económica, social, geográfica, etc. Tudo isto é verdade.

Mas esta visão deixa de fora o factor essencial. A contracepção não é a única causa da queda demográfica radical, mas é, sim, o meio pelo qual essa queda foi conseguida de forma tão eficiente em tantos sítios. Obviamente as correntes ideológicas, como o movimento contra o crescimento populacional, também desempenharam um papel fundamental e há certamente outros factores envolvidos, mas estes não explicam o que há de verdadeiramente diferente e novo neste decréscimo demográfico secular.

Historicamente tem havido várias razões, tanto pessoais como sociais, para que as pessoas limitem o tamanho das suas famílias. Mas quando as pessoas limitavam o tamanho das suas famílias no passado – normalmente através da abstinência ou do uso de métodos de barreira – não estavam a negar, em si, o plano de Deus para o casamento, estavam simplesmente a recusar-se a segui-lo por razões pessoais, boas ou más.

Também não afirmavam, como fazem cada vez mais pessoas hoje, que a esterilidade é mesmo preferível em relação à fertilidade, nem que a esterilidade no casamento é igual a, se não mesmo preferível à, fertilidade no casamento. Por outras palavras, não tomavam parte numa redefinição da relação essencial entre o casamento e a procriação.

Mas esse já não é o caso. E a crescente aceitação do conceito de casamento homossexual é, a este respeito, um poderoso sinal dos tempos, a último desenvolvimento das implicações da contracepção para o casamento e para a sociedade.

A mentalidade contraceptiva não é apenas uma construção mental, nem uma questão secundária. Esta mentalidade é precisamente aquilo que há de novo na tendência histórica da infertilidade, a tendência para separar radicalmente a fertilidade do casamento, para negar que a procriação é um factor essencial de um verdadeiro casamento.

Essa tendência chegou agora ao seu ápice na afirmação, tanto legal como na opinião pública, de que o exemplo extremo de união sexual infértil, o acto homossexual, deve ser reconhecido como base para um casamento. Esse é o cerne da questão na igualdade do casamento, o equiparar de actos homossexuais a actos que estão intrinsecamente ligados à fertilidade, mesmo que nem sempre resultem na procriação. O casamento gay é o último passo na redefinição do casamento em relação à fertilidade e a procriação. Esse processo de redefinição de casamento iniciou-se com a gradual aceitação moral da contracepção.

Outro passo foi o desenvolvimento de técnicas e meios contraceptivos que causam directamente esterilidade, não apenas no acto mas na pessoa. A pílula era considerada uma alteração temporária (talvez não tão temporária para muitas mulheres) do corpo da mulher, por forma a evitar a fertilidade. Agora existem intervenções cirúrgicas, tanto para homens como para mulheres, que tornam o corpo permanentemente estéril, uma alteração ainda mais radical da natureza humana.

Pecado contra o primeiro mandamento?
Claro que estas invenções tiveram consequências enormes, sociais e culturais, que afectaram tanto o casamento como a família. Hoje negamos regularmente a contribuição significativa da contracepção para a ruina actual destas instituições, bem como o surgimento de novos estilos de vida. Verdadeira cegueira, mas isso não é o pior efeito.

Quando começámos a alterar tecnologicamente o corpo humano e a sua fertilidade, tratou-se de uma verdadeira mudança na nossa relação com Deus. A fertilidade não é apenas mais um aspecto da nossa natureza humana. É o elo de ligação mais íntimo entre a natureza corporal do homem com o Deus da criação, um aspecto essencial da humanidade enquanto criada à imagem de Deus.

O Senhor é verdadeiramente um Deus de fertilidade, ainda que não seja o Deus da fertilidade dos pagãos. Aliás, pelo menos os pagãos estavam, dessa forma, a honrar a relação essencial entre a fertilidade humana e o divino. Eles percebiam aquilo que o nosso mundo tão esclarecido já não percebe. É por isso que João Paulo II ensinou que a contracepção era também um pecado contra o primeiro mandamento. É uma nova forma de idolatria em que o homem se eleva ao estatuto de divindade e as consequências são muito extensas, indo muito para além do mal da contracepção.

A contracepção afectou tudo: casamento, fé, consciência moral, autoridade do magistério, já para não falar no colapso da sociedade, causado pela revolução sexual que facilitou e, agora, a destruição de populações e nações inteiras.

Em Junho os juízes do Supremo Tribunal tomarão uma decisão sobre a natureza do casamento, mas essa decisão interessa pouco. As sondagens já mostram que o mal tomou conta das massas na Europa e aqui. Mesmo muitos cristãos aceitam que uma noção profundamente deturpada de casamento seja aceite como igual ao verdadeiro plano de Deus para o casamento, como aparece no Génesis.

É provável que esta atitude acabe por determinar o destino de muitas nações.


O padre Mark A. Pilon, sacerdote da Diocese de Arlington, Virginia, é doutorado em Teologia Sagrada pela Universidade de Santa Croce, em Roma. Foi professor de Teologia Sistemática no Seminário de Mount St. Mary e colaborou com a revista Triumph. É ainda professor aposentado e convidado no Notre Dame Graduate School of Christendom College. Escreve regularmente em littlemoretracts.wordpress.com

(Publicado pela primeira vez no sábado, 23 de Maio de 2015 em The Catholic Thing)

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