Daniel McInerny |
Eu compreendo a sensação. O juiz Kennedy tende a ser o
voto decisivo no Supremo Tribunal. Frequentemente, ao que parece, nas grandes
questões constitucionais que dividem a nossa nação, vemo-nos obrigados a
esperar ansiosamente a sua opinião.
E mais do que nunca agora que o Supremo Tribunal pondera
a constitucionalidade do “casamento” entre pessoas do mesmo sexo. Qual será a
decisão de Kennedy em Junho? Será que se vai juntar aos juízes conservadores,
recusando tornar a redefinição do casamento um direito constitucional? Ou irá
lançar-nos ainda mais para a escuridão?
O tempo dirá. Mas tenham em conta que, na melhor das
hipóteses, o que o Supremo Tribunal fará no próximo mês é aquilo que não fez
com o Roe v. Wade, isto é, devolver a questão aos eleitores nos seus respectivos
estados. Como é que nos temos saído com o processo democrático? Da última vez
que verifiquei, o casamento entre pessoas do mesmo sexo era legal em 37 dos
nossos 50 estados. [Na verdade, o casamento homossexual apenas foi legalizado
por via democrática em 11 estados, seja através dos governos estaduais ou
referendos. Nos restantes 26 a questão foi decidida por tribunais estatais ou
federais, em muitos casos contra a vontade expressa em referendo ou pelas
decisões dos governos locais.]
Por isso, independentemente da decisão do Supremo
Tribunal no próximo mês, os defensores do casamento tradicional terão diante de
si uma tremenda batalha cultural e política. E a maior dessas batalhas é a
cultural.
O que é que eu quero dizer por batalha cultural? Quero
dizer o esforço para reformar – e para nós, católicos, evangelizar – os
corações e as mentes, os hábitos e as práticas, dos nossos concidadãos.
O recurso a metáforas militares para descrever este
trabalho é inspirador, mas também apresenta dificuldades. Termos como
“batalhas” ou “guerras” culturais invocam imagens de protesto e revolta. Mas
enquanto o protesto e a revolta, se usados com prudência, podem ser de facto
necessários para defender o casamento tradicional, temos de admitir que não são
um caminho tipicamente frutífero para tocar e converter mentes e corações.
Isto não significa que a metáfora de uma “batalha”
cultural não tenha a sua utilidade. Mas talvez seja necessário pensar no campo
de batalha cultural de uma forma diferente. Pensemos na imagem do Papa
Francisco da Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha. Deste
ponto de vista, usando a metáfora militar, a Igreja cumpre o papel de médico
para as vítimas da impiedosa chacina da nossa cultura secular contra todos os
que a ela se opõem. Sofreram-se grandes danos e chegou a hora da triagem e das
cirurgias.
Esta é uma imagem apropriada da nossa cultura no que toca
à homossexualidade e ao casamento homossexual. É um campo de batalha cheio de
almas feridas, desesperadas por uma cura de que nem sabem que precisam. E é
também uma imagem apropriada do papel principal do católico perante este
cenário: a nossa obrigação é montar um hospital de campanha e levar a cabo o
trabalho misericordioso da cura.
Mas como é que se curam estas feridas? Como é que se
inicia uma conversa com alguém firmemente comprometido com a ideologia do
movimento pelos direitos dos homossexuais?
Esta é uma questão que fazemos bem em contemplar. Temos
de pensar mais a fundo sobre como dialogamos com a nossa cultura no que toca a
esta questão.
A retórica da vizinha é melhor que a minha? |
Antes, o que temos de fazer é trabalhar o aspecto
retórico dos nossos argumentos. Isto é, precisamos de pensar em formas
persuasivas – que não apenas verbais – de alcançar aqueles que não têm ainda
ouvidos para ouvir os argumentos abstractos.
Pensem só, por momentos, nalguma da retórica popular
usada pelos defensores dos direitos homossexuais, tal como o lema “Amor é Amor”
e o termo praticamente radioactivo “intolerante” que tem sido usado mais e mais
para atacar os opositores ao casamento entre pessoas do mesmo sexo. Pensem
também no poder de persuasão que têm as celebridades divertidas ou bonitas,
sobretudo entre os jovens, quando representam homossexuais na televisão ou nos
filmes, ou simplesmente quando saem em defesa da ideologia. E recordando que a
linguagem persuasiva nem sempre é verbal, que dizer daqueles pequenos
autocolantes azuis com o sinal “=” a amarelo que os condutores colocam nos pára-choques
para mostrar que defendem a “igualdade no casamento”.
Tudo isto é retórica. E o discurso persuasivo é algo em
que o movimento dos direitos homossexuais se tem especializado. Por isso temos
de nos perguntar: Qual é a nossa retórica? O que é que estamos a fazer para
tornar os nossos argumentos não só lógicos como também atractivos?
Se estão à espera que eu vos dê uma resposta brilhante a
esta questão, então lamento desiludir-vos. É algo sobre o qual apenas agora
comecei a pensar e exige mais reflexão cuidadosa.
Para começar, sou céptico em relação ao termo “casamento
tradicional”, sobretudo quando direccionado a jovens, que raramente estão à
procura de formas de se tornarem “tradicionais”.
Como é que transmitimos, de forma divertida e persuasiva,
a ideia de que o casamento é sobre complementaridade, que o sexo tem a ver com bebés
e que se enriquece com as diferenças entre homens e mulheres, que as crianças
precisam de um pai e de uma mãe, que o tecido social desgasta-se quando o
casamento se torna um “conceito aberto”? Estes são os nossos desafios
retóricos.
Quando eu e a minha mulher falamos a casais sobre os métodos
naturais de planeamento familiar ela diz sempre que esta é a forma “natural” de
ter filhos. É uma forma de atrair jovens sem grande formação para as verdades
da Igreja através de algo – “o regresso à natureza” – pelo qual provavelmente
já sentem um grande apelo. Se me for permitido o elogio, trata-se de uma
excelente forma de usar retórica.
E é precisamente esse o tipo de discurso que temos de
desenvolver no que diz respeito à homossexualidade e ao casamento homossexual.
Por isso coloco-vos a questão, que exigirá o trabalho
conjunto de muitas mentes: Quais são as vossas ideias?
Daniel McInerny é filósofo e autor de obras de ficção
para crianças e adultos. Mais informação em danielmcinerny.com.
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 8 de Maio
de 2015 em The Catholic Thing)
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Absolutamente extraordinário, caro Filipe. Ou seja, a excelente forma de usar a retórica, para os católicos usarem no que diz respeito à homossexualidade e ao casamento homossexual, é o tipo de discurso do "regresso à natureza"?
ReplyDeletePassando ao lado dos factos, como o casamento não existir "na natureza" ao contrário da homossexualidade; e ao lado de séculos de doutrina, do voluntas ut voluntas às virtudes cardeais, o autor não consegue sequer perceber - ou ouvir - que a questão da natureza e naturalidade (da atracção) é o argumento central de quem pretende convencer ou, como escreve, atacar.
Consegue, nesta tentativa de fazer o casamento sexy - como no título original -, desrespeitar a doutrina e, ao mesmo tempo, dar o ponto ao "inimigo".
No fundo, não se trata de nova retórica, mas de roupagem moderninha para o básico - "o que eles fazem não é natural". E sim, "eles", porque sobre os homossexuais nem uma palavra, apenas lutar contra quem está "comprometido com a ideologia do movimento pelos direitos dos homossexuais". Ficamos sem entender se o autor já os dá como perdidos, na "hora da triagem e das cirurgias"?
E isso, da batalha, leva-me à dúvida sobre o que me é mais chocante neste artigo: se a vontade de ir para a guerra (e, depois das cardeais, lá vão as virtudes teologais pela borda) se o ridículo do armamento.
Com um abraço amigo do
Diogo Henriques