Wednesday 22 March 2023

Os Dois Martírios de São João Brébeuf

Michael Pakaluk
Uma réplica exacta do Santo Sudário está em exposição no Centro de Informação Católica em Washington, D.C., promovida pelo Museu Bíblico. O padre Charles Trullols, do CIC, comenta que: “Contemplando a marca dos sofrimentos de Nosso Senhor no Sudário, temos de manter a mensagem da Quarta-feira de Cinzas marcada nas nossas almas. Também devemos ajudar Jesus com a sua Cruz e com os seus sofrimentos”.

Lendo essas palavras, por alguma razão não me saía da cabeça o martírio de São João de Brébeuf. Fui por isso à procura do relatório original preservado pelos Jesuítas, que tem por base o testemunho dado logo no dia seguinte por dois índios Huron que testemunharam a sua morte e conseguiram escapar.

Começaram por lhe arrancar as unhas. Depois espancaram-no ferozmente com cacetes, atingindo-o cerca de 200 vezes nos lombos, barriga, pernas e face. “Embora o peso destes golpes tenha sido esmagador para o padre De Brébeuf, não deixou de falar continuamente de Deus, e de encorajar os novos cristãos que estavam cativos como ele a sofrer bem, para que pudessem morrer bem, podendo assim ir com ele para o Paraíso.”

A seguir, um dos índios Iroquois levou a cabo uma caricatura de um baptismo, entornando água a ferver três vezes por cima da sua cabeça. “Echon”, disse o índio, usando o seu nome em Huron, “tu dizes que o baptismo e os sofrimentos desta vida conduzem directamente ao Paraíso; tu para lá irás em breve, por isso vou-te baptizar, e fazer-te bem sofrer, para que possas ir tanto mais rápido para o teu Paraíso.”

Então colocaram sobre ele um colar de seis machados de guerra incandescentes. “Nunca vi um tormento que me causasse tanta compaixão como aquele. Estávamos diante de um homem, atado nu a um poste, com este colar à volta do pescoço, que não sabe em que posição deve estar. Inclinando-se para a frente, pesam-lhe mais os que tem em cima dos ombros, inclinando-se para trás sofre o mesmo com os que tem sobre a barriga; mantendo-se direito, sem se inclinar para um lado ou para o outro, os machados incandescentes, aplicados de igual forma de ambos os lados, torturam-no duplamente”.

Depois, puseram-lhe em torno do peito um cinturão recheado de alcatrão e resina altamente inflamáveis e pegaram-lhe fogo, “assando todo o seu corpo”. Durante tudo isto o padre De Brébeuf aguentou que nem uma rocha, insensível ao fogo e às chamas, para espanto dos malditos sanguinários que o atormentavam. O seu zelo era tal que pregava continuamente a estes infiéis, tentando convertê-los”.

Então, para o impedir de falar, cortaram-lhe os lábios. Depois esfolaram-lhe as pernas, até ao osso, e assaram a carne diante dele. Continuaram a gozar. “Como bem vês, estamos a ser teus amigos, pois seremos a causa da tua felicidade eterna. Porque é que não nos agradeces por estes bons ofícios que te prestamos, uma vez que quanto mais sofres, mais Deus te vai recompensar.”

Quando estava já prestes a morrer, mas ainda vivo, arrancaram-lhe o coração e comeram-no, bebendo o seu sangue ainda quente. Estavam de tal forma impressionados pela sua coragem que queriam ser como ele.

Sabia que a solenidade dos mártires da América do Norte é a 19 de Outubro, mas quando é que João de Brébeuf morreu? Fui ver. Foi a 16 de Março de 1649, durante a Quaresma. (Nesse ano o Domingo de Páscoa calhou a 4 de Abril). Tinha sido capturado às primeiras horas da madrugada e morreu às 16h, depois daquilo que um autor secular descreveu como “um dos martírios mais atrozes nos anais do Cristianismo”.

Note-se que este testemunho extraordinário não veio do nada. O padre de Brébeuf tinha chegado a “Nova França” 24 anos antes. Estudou com muito cuidado primeiro os Algonkin, depois os Huron. Foi o primeiro europeu a aprender a falar fluentemente a língua Huron, tendo escrito um dicionário, uma gramática e catecismos.

Escreveu também um famoso cântico Huron, em Wendat, que contém um aviso contra as tentações do demónio.

Tende coragem, vós, que sois homens. Jesus, Ele nasceu.

Vede, fugiu aquele espírito que nos aprisionava.

Não o escutais, pois corrompe-nos a mente, o espírito dos nossos pensamentos.

(Aqui podem ouvir a música original, tirada de “Une Jeune Pucelle,” uma música tradicional francesa de 1557.)

A Viagem Espiritual de João de Brébeuf revela um homem profundamente dedicado à oração contemplativa, e que seguia rigorosamente a sua regra; que teve muitas visões místicas, algumas das quais acompanhadas em simultâneo por tentações demoníacas. Em 1631 fez um “juramento de serviço”, com as seguintes palavras: “Juro nunca falhar, da minha parte, na graça do martírio, caso na tua infinita misericórdia algum dia o ofereceres a mim, o teu servo indigno”.

Mas talvez seja igualmente impressionante o seu martírio sem sangue, o facto de ter regressado ao apostolado, uma e outra vez, ao longo de três décadas, apesar da repetidas rejeições e perseguições, e com nada mais que uma mão cheia de conversões. Pouco antes de morrer, escreveu:

Deus meu, porque é que não és conhecido? Porque é que esta terra bárbara não está convertida a ti? Porque não foi abolido daqui o pecado? Porque não és amado? Sim, meu Deus, se todos os tormentos que os cativos podem aguentar nestes países, pela crueldade das torturas, caírem sobre mim, a isso me ofereço com todo o coração, e sofrê-los-ei sozinho.

São João de Brébeuf, rogai por nós.


Michael Pakaluk, é um académico associado a Academia Pontifícia de São Tomás Aquino e professor da Busch School of Business and Economics, da Catholic University of America. Vive em Hyattsville, com a sua mulher Catherine e os seus oito filhos.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 15 de Março de 2023)

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