Thursday 2 March 2023

CARTA AOS BISPOS DA IGREJA EM PORTUGAL SOBRE AS MUDANÇAS QUE TODOS NECESSITAMOS DE FAZER

Uma vez que não encontro nenhum link para o texto da carta aos bispos online, tomei a liberdade de a copiar para aqui. Isto não deve ser lido como um apoio à carta. Podem encontrar a minha opinião sobre a carta aqui.

Aos Bispos portugueses

Este é o tempo!

Este é o tempo de uma tristeza imensa e – como não dizê-lo? – de uma enorme revolta contra os abusos praticados e contra o seu encobrimento.

Este é o tempo que nenhum de nós desejava, mas a que não podemos fugir.

Este é o tempo do reconhecimento de uma ineludível culpa intensa e, por isso, o tempo de pedir perdão às vítimas, cujas vidas foram danificadas por actos e omissões.

Este é o tempo da nossa grande vergonha e, por isso, da expiação do grande pecado organizado. Este é o tempo de uma crise de dimensões nunca anteriormente por nós vista.

Por tudo isto, este é um tempo de parcas palavras, de humilde silêncio e de actos muito concretos que só podem levar às grandes mudanças que evitem de novo tamanhos pecados.

Como Igreja, temos agora dois caminhos possíveis: denegar e iludir, insistir no rumo que nos trouxe a esta aflição permanente de caminhar para a auto-destruição e ferir pessoas; ou avançar, com oração e com coragem para mudar e reformar, com espírito humilde e destemido. Não temos dúvidas sobre onde, mais facilmente, encontraremos Jesus Cristo.

Sabemos como é tremendo o desafio.

Tão tremendo que julgamos ser a hora de não deixar os nossos Bispos sozinhos e de contribuir para os ajudar a reflectirem sobre como seguir pelo caminho das mudanças, o único possível.

Queremos acreditar que os nossos Bispos nos saberão ouvir, como ouviram os católicos que escreveram a carta de Nov.2021, grupo de que vários de nós fizemos parte, sobre a necessidade de criar uma comissão nacional realmente independente e credível para recolher informação sobre abusos de menores na Igreja portuguesa, aliás em comunhão com o sentimento generalizado da Igreja universal e da sociedade em que vivemos e que servimos.

Queremos acreditar que, em conjunto, faremos uma profunda mudança no modo de ser, viver e pensar a nossa Igreja, uma tarefa também para os próximos anos, mas a começar hoje.

É-nos exigido repensar o poder, a autoridade, a sinodalidade e a participação de todos, sempre com os olhos postos nos que estão na margem, que pusemos à margem.

E enquanto definimos o nosso futuro, precisamos de criar desde já os instrumentos para garantir a máxima vigilância e atenção às formas como acolhemos crianças, jovens e todas as pessoas vulneráveis.

Que propomos então de concreto aos nossos Bispos, reunidos a 3 de Março em reunião plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP)?

1. De imediato (isto é, até 30 dias)

a. sejam criados mecanismos que viabilizem apoio e ajuda psicológica e psiquiátrica às vítimas a realizar fora do âmbito eclesial, e ajuda espiritual, caso elas a pretendam;

b. simultaneamente, seja definido um mecanismo para pedir perdão às vítimas de acordo com as suas necessidades, e realizado um momento solene e colectivo que simbolicamente projecte publicamente esse pedido de perdão;

c. seja criada uma nova comissão independente, à semelhança da anterior, que prossiga o trabalho, continue a receber denúncias de abusos e a acompanhar casos, composta por pessoas de reconhecida competência, corajosas, íntegras, com capacidade de liderança e maioritariamente externas à Igreja, especialmente capazes no âmbito das ciências sociais, para dar sequência ao processo;

d. aceitem a ajuda do Vaticano, referida pelo Cardeal Sean O’Malley, Presidente da Comissão Pontifícia para a Protecção de Menores, para reflectir seriamente sobre os abusos na Igreja e como ultrapassar a actual crise;

2. A curto prazo (isto é, até 60 dias)

e. a actividade das comissões diocesanas sobre abusos seja recentrada exclusivamente na prevenção primária e formação, de acordo com um mandato claro e com um programa discernido construído por pessoas devidamente habilitadas;

f. bispos encobridores, a existirem, se retirem de funções;

g. todos os abusadores que estejam actualmente ao serviço da Igreja sejam suspensos com carácter preventivo sempre que haja indícios minimamente credíveis sobre abusos e, quando considerados culpados à luz da moral cristã, independentemente de eventual processo judicial, sejam dispensados de funções e no caso de clérigos passando ao estado laical;

3. A médio prazo (isto é, até seis meses)

h. todos os agentes pastorais tenham acesso e estudem o relatório da comissão independente, estudem as conclusões, prevenindo a tentação negacionista ou de relativização do fenómeno criminal;

i. seja elaborado um manual de boas práticas que ajude os agentes pastorais a prevenir situações de risco e a identificar indícios de casos de abusos, bem como a acolher e encaminhar vítimas;

j. seja encetada uma reflexão de fundo sobre o impacto negativo que a percepção distorcida sobre a sexualidade humana tem vindo a causar em toda a Igreja, com a ajuda de especialistas externos;

k. seja proporcionado um acompanhamento aos abusadores que necessariamente inclua tratamento psiquiátrico e psicológico.

Sabemos bem que todas estas propostas trazem uma dor associada e que todas elas revelam uma verdade incómoda: todos nós precisamos de nos pôr em causa.

Estas são algumas das tarefas que consideramos urgentes no longo caminho de reforma permanente a que o Evangelho e Papa Francisco nos desafiam e de que tanto necessitamos para sermos consequentes nesta Quaresma.

Precisamos todos de cooperar na construção de caminhos que levem a Igreja a deixar de ser autoritária, clerical e arrogante e a ser mais inclusiva, mais fraterna, mais humilde e mais capaz de ler os sinais dos tempos, com Deus vivo no centro dos nossos corações.

Queremos uma Igreja onde todos se possam abrigar e acolher.

Contem com as nossas orações e colaboração e os nossos melhores cumprimentos,

01 de Março de 2023

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