Randall Smith |
Há quem esteja zangado. Muito zangado. Como escreveu um
amigo: “Os democratas não estavam tão zangados desde que Lincoln libertou os
seus escravos e o Supremo Tribunal acabou com a segregação das suas escolas
públicas”. Quando esses “direitos” lhes foram negados – “direitos” baseados,
então, como hoje, na negação da plena humanidade de outros seres humanos –
essas pessoas ficaram mesmo muito zangadas.
Tal como muitas outras pessoas, estou preocupado com o
aumento das ameaças às igrejas católicas e aos centros de apoio a grávidas em crise.
Houve pelo menos sessenta e três destes ataques desde que um rascunho da sentença
de Dobbs foi divulgado há várias semanas. Um grupo chamado “A Vingança de Jane”
está a apelar à participação em motins no que chamou um “Verão de Ira”. O seu
lema é: “Aos nossos opressores: se o aborto não for seguro, vocês também não
estarão”.
Como devemos responder?
Eu quero dizer o seguinte:
Ouçam lá, Vingança de Jane. Se os centros de apoio a
grávidas em risco não estão seguros, vocês também não. Se gostam de dar, também
vão levar, faz parte das regras do jogo.
Pensam que estão zangados? Há cinquenta anos que,
pacifica e pacientemente, vivemos com um regime opressivo de aborto, sem
qualquer capacidade de nos fazermos ouvir no sistema democrático que nos foi
deixado pelos nossos fundadores, tentando, de todas as formas legais, proteger
a vida intrauterina.
Por isso aqui fica um recado para os nossos opressores. Por
cada um dos nossos que cair, caem dois dos vossos. É a “maneira de Chicago”.
Talvez se recordem dessa cena do filme “Os Intocáveis” em
que o inestimável Sean Connery diz a Eliot Ness, protagonizado por Kevin
Costner: “Queres apanhar o Capone? É assim que se faz. Ele puxa de uma navalha,
tu puxas de uma pistola, ele envia um dos teus para o hospital, tu envias dois
dos dele para a morgue. À maneira de Chicago”.
Para nós, Vingança de Jane, vocês são o Capone. Porque,
sejamos honestos, é mesmo isso que vocês são: rebentam com crianças inocentes
no útero, e ganham dinheiro com isso. Mantêm as mulheres reféns até pagarem. Os
centros de apoio pró-vida oferecem serviços médicos, mas vocês incendeiam-nos
para que as mulheres fiquem sem outras opções.
Por isso, Vingança de Jane, ouçam este conselho. Vocês
não querem declarar guerra a um povo que tem uma tradição de mártires e que tem
lutado para proteger os nascituros diante de oposição constante ao longo de cinquenta
anos. Especialmente porque é claro que não passam de meros cobardes que gostam
de fazer vandalismo adolescente a meio da noite e que ameaçam os filhos dos juízes
do Supremo Tribunal. Ui, que corajosos.
É isso que eu quero dizer, mas não é isso que eu devo
dizer. Porque a “maneira de Chicago” não é “a maneira americana”. Nem é a “maneira
católica”.
Comecemos com a “maneira americana”, que demasiadas
pessoas parecem ter esquecido.
Eu tinha um aluno magnífico que certa vez concluiu que
existia uma injustiça na nossa universidade.
“Muito bem, e o que pretendes fazer sobre o assunto?”,
perguntei.
“Ah, pois é”, disse, mas sem estar completamente
convencido.
A participação cívica e o governo democrático tornaram-se
a última coisa em que as pessoas pensam hoje em dia, quando devia ser a
primeira. Essa é a maneira americana.
E que dizer dos outros, com as suas t-shirts pretas e
máscaras, que partem vidros e lançam cocktails Molotov? São fascistas.
Pesquisam “camisas negras em Itália” e vejam o que aparece. Pesquisem “Kristallnacht”.
Estão a ver quem é que usa camisas negras e parte vidros?
Agora vejam vídeos dos motins que se realizaram quando os
primeiros alunos negros foram escoltados para a Universidade do Alabama, em
1963. Verão raparigas brancas com saias de feltro e meia curta a gritar aos
altos berros, com ar de quem está prestes a morrer.
Vejam imagens dos protestos passivos de negros nos restaurantes
segregados: pessoas a gritar, a fazer birras, a entornar bebidas e a atirar
comida aos alunos pacíficos que se encontram sentados ao balcão. Os fascistas
são assim. Tal e qual os manifestantes pro-aborto enraivecidos à porta do
Tribunal.
Eu não levo a mal as pessoas que discordam com a sentença
do caso Dobbs, mas não faz qualquer sentido dizer que uma decisão que leva o
assunto de volta aos eleitores representa “a destruição da nossa democracia”.
Devolver um assunto aos eleitores é “antidemocrático”?
Pessoas com t-shirts pretas e máscaras a vandalizar propriedade são antifascistas?
Claro. E “guerra é paz”, “liberdade é escravatura” e “ignorância é força”.
Mas não se deixem enganar: todas estas medidas políticas,
por mais importantes que sejam, não são as nossas principais armas. As nossas
principais armas são o que sempre foram: oração, jejum, esmola, sacrifício
pessoal, coragem, paciência, apoio incansável para mulheres e crianças
necessitadas, e esforços pacíficos para converter mentes e corações.
Essa é a maneira católica. Foi assim que chegámos onde
estamos. É nisso que temos de confiar enquanto caminhamos para um futuro incerto.
Podemos alegrar-nos, mas o trabalho em prol dos bebés por nascer deve intensificar-se.
Os nossos opositores já deixaram bem claro o que
pretendem. Deixemos também nós bem claro o que queremos. Estamos dispostos a qualquer
sacrifício, sofreremos qualquer indignidade, e trabalharemos sem descanso e sem
retribuição para proteger estas crianças e as suas mães. Diremos: “Se nos
tirarem um, construiremos outros dois”. “Obriguem-nos a carregar este fardo
durante uma milha, e carregá-la-emos durante duas”.
Essa é a maneira católica.
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na terça-feira, 28 de Junho de 2022)
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artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The
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(Mais um) Excelente artigo de Randall Smith. Porém, gostaria de ler aqui a sua opinião, Filipe, sobre a revogação de «Roe vs. Wade».
ReplyDeleteOlá!
DeletePubliquei um artigo sobre a revogação logo quando saiu o rascunho da decisão.
Dediquei também todo um episódio do podcast ao assunto.
Abraço