Wednesday 15 June 2022

Preparem-se para os Dias da Ira

Robert Royal

Não sei se é hoje* que o Supremo Tribunal vai dar a conhecer a sua decisão no caso Dobbs. Nem sei se, quando o fizer, a decisão será idêntica ao rascunho de Samuel Alito, que reverte o Roe v. Wade. O que sei é que seja qual for a margem que o Tribunal dará para que se limite o direito ao aborto, o resultado não serão manifestações “maioritariamente pacíficas”, mas sim a violência.

Os radicais pró-aborto já levaram a cabo ataques contra centros de aconselhamento pró-vida e houve vários incidentes suspeitos em igrejas por todo o país. Os mesmos grupos já prometeram muito mais para o verão e para o outono, e já estão a organizar os “Dias da Ira”.

Uma vez que nós temos sido os mais visíveis defensores da protecção de toda a vida humana, desde a concepção até à morte natural, as igrejas católicas irão ser um alvo específico. Por isso chegou a hora de também nós – não apenas os bispos e os pastores, mas todos os católicos – nos organizarmos para o que aí vem.

Não podemos depositar demasiada confiança nas instituições governamentais. Olhem só para a forma como responderam ao caso do jovem tresloucado que ameaçou matar o juiz Brett Kavenaugh. É verdade que ele foi detido e acusado – depois de se entregar. Mas pouca coisa foi feita para evitar que outra pessoa fizesse o que ele apenas ameaçou.

A questão do aborto está de tal forma politizada que Nancy Pelosi tem travado legislação no Congresso que forneceria mais protecção para os juízes, suas famílias, escrivães e empregados, dizendo que “ninguém está em perigo”. Claro que estão, mas admiti-lo poderia ofender os seus constituintes.

Entretanto o grupo pro-aborto Ruth Sent Us deu a entender num tweet, na Quinta-feira, que está a vigiar Ashley, a mulher de Kavenaugh, e que sabe onde é que dois dos seus filhos vão à escola.

O mesmo grupo divulgou a morada da juíza Amy Coney Barrett, bem como o facto de ela ir diariamente à missa e de enviar os seus sete filhos para uma escola do grupo cristão People of Praise. (Também já chamou à Igreja “uma instituição para a escravatura das mulheres”.)

E Samuel Alito está num abrigo secreto.

Isto é tudo saído diretamente do manual de instruções da Mafia: “Belo estabelecimento que aqui tem. Seria uma pena se alguma coisa lhe acontecesse.”

Se ainda vivêssemos num Estado de Direito, as pessoas da Ruth Sent Us que foram responsáveis pelo envio daqueles tweets já estariam presas. O facto de não estarem – e os media ter-nos-iam dito se estivessem – mostra-nos bem como serão tratados os protestos e a violência depois de sair a decisão de Dobbs.

Mostra também como é que o Twitter, que é tão sensível a mensagens que fazem as pessoas sentirem-se “inseguras” (algumas pessoas, pelo menos), se comportará nesta situação. Juntamente com outros meios de comunicação e redes sociais.

O procurador-geral Merrick Garland disse que este tipo de ameaças é intolerável numa sociedade civilizada. Mas onde está a acção? Não apenas as protecções nominais para aqueles que estão a ser ameaçados, ou a investigação de grupos violentos, mas o poder robusto da lei.

Protesto à porta de casa de um
juiz do Supremo Tribunal
Quando Nicholas John Roske chegou à casa de Kavenaugh estavam apenas dois polícias armados a protegê-la. Um assassino mais experiente, ou um grupo mais determinado, teria conseguido, o que seria por si só um escândalo, mas também poria todo o Supremo Tribunal e o nosso sistema de governo numa situação de desastre iminente.

Entretanto, vêm aí os Dias da Ira. Temos de começar a pensar como vamos responder. No país do Papa Francisco, Argentina, feministas radicais tomaram de assalto e incendiaram igrejas e escritórios governamentais. (Vejam aqui um exemplo). Leigos católicos têm tido que formar cordões para as impedir.

Na minha paróquia tivemos dois carros da polícia estacionados junto à Igreja no domingo depois da fuga do rascunho de Alito. Mas é evidente que o perigo só vai aumentar exponencialmente quando a decisão for oficial. Todos os bispos e todos os párocos no país deviam estar a pensar – agora mesmo, antes de começarem os problemas – sobre quem deverá ser chamado para responder aos protestos e à violência.

Eu já disse ao meu pároco que estou disposto a ir para as barricadas, se chegar a tanto. Esperemos que não chegue.

Mas ao nível local vamos precisar dos conselhos de antigos polícias e ex-militares, pessoas habituadas a lidar com o mínimo de força indispensável com indivíduos e multidões. Responder com violência equivalente seria adoptar os métodos dos nossos adversários.

É triste pensar que a América também já chegou a este ponto, mas a culpa é do próprio tribunal, por ter inventado um direito constitucional ao aborto.

Os meus amigos europeus dizem-me às vezes que nos seus países há menos comoção pública sobre o aborto porque, em vez de ser uma decisão imposta por decreto pelos tribunais, as leis foram mesmo debatidas pelas suas legislaturas. Ao contrário do que os grupos pró-aborto afirmam aqui na América, a maioria dos países europeus têm restrições ao aborto semelhantes ao que o Estado de Mississippi procura na lei Dobbs: aborto legal até às 15 semanas e mais limitado a partir daí.

É evidente que as pessoas na Europa arranjam formas de contornar a lei, e mesmo o aborto feito apenas no primeiro trimestre não deixa de ser uma abominação. Mas é revelador da nossa condição social que mesmo a lei do Mississippi, que corresponde basicamente ao consenso liberal da Europa, é vista por cá como extremista e um atentado radical aos direitos das mulheres.

Agora vamos ter de debater essas questões ao nível estadual.

Entretanto, muitos de nós seremos chamados a chegar-nos à frente, literalmente, para proteger as nossas igrejas e outras instituições que defendem o simples princípio de que a vida humana inocente é sagrada. Esse é um princípio do direito natural, uma conclusão a que se chega através do bom uso da razão e não – como dizem até alguns católicos, como o presidente Biden – a imposição de um dogma religioso aos cidadãos americanos.

As pessoas por vezes brincam, dizendo que se o grande céptico Voltaire voltasse hoje ficaria chocado ao descobrir que a Igreja se tornou a maior defensora da razão humana no nosso mundo pós-moderno e radicalmente relativista. E talvez ficasse ainda mais espantado ao ver católicos, e outras pessoas de boa-vontade a chegar-se à frente, como agora somos chamados a fazer, em defesa da razão – e da vida humana.

* As decisões do Supremo Tribunal são divulgadas às segundas-feiras. Não foi no dia 13, mas pode ser no dia 20 ou no dia 27 de Junho - Tradutor


Robert Royal é editor de The Catholic Thing e presidente do Faith and Reason Institute em Washington D.C. O seu mais recente livro é 


A Deeper Vision: The Catholic Intellectual Tradition in the Twentieth Century, da Ignatius Press. The God That Did Not Fail: How Religion Built and Sustains the West está também disponível pela Encounter Books.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 13 de Junho de 2022)

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