Randall Smith |
Não nego que exista essa percepção, mas a realidade acaba
muitas vezes por ser o contrário daquilo que os jovens progressistas pensam.
Aqueles que gostariam de assegurar uma distribuição mais equitativa da riqueza
na economia e um maior respeito pelo ambiente estão de facto a exigir uma autodisciplina
considerável, do género que normalmente não exigimos a quem vive um estilo de
vida de libertinagem.
Pensam que é descabido pedir a um homem para disciplinar
os seus apetites sexuais, mas ao mesmo tempo esperam que ele abdique do seu
apetite por dinheiro, estatuto social e poder?
É estranho dizer por um lado que “não é necessário ter a
disciplina para ser fiel à sua mulher e filhos”, mas por outro insistir que
alguém deva sentir-se responsável perante toda a humanidade no que diz respeito
à reciclagem das embalagens de plástico. Se um homem não consegue disciplinar
os seus apetites ao ponto de ser fiel aos seus próprios filhos e à mulher a
quem jurou fidelidade até à morte, diante de Deus, então porque haveríamos de
pensar que seria suficientemente disciplinado para ser fiel às gerações que
virão depois da sua morte? Não nos deve surpreender, portanto, que à medida que
as sociedades se tornam moralmente mais “progressistas” vão acumulando mais
dívidas para serem pagas pelas gerações futuras.
A laxidão que os “progressistas” apoiam no campo da moral
pessoal é apenas mais uma variante do individualismo autónomo que pretendem
combater no campo económico. E cada vez que se enfraquecem os elos sociais da
sociedade, sobretudo aqueles que são desenvolvidos dentro da realidade altruísta
que é o casamento e a família, resulta numa diminuição do capital social
necessário para assegurar que as pessoas continuem dispostas a partilhar abundantemente
com os outros sem medo de ficarem indigentes.
Quando se fomenta maiores níveis de confiança social as
pessoas ficam mais dispostas a partilhar. Quando temem que mesmo as suas
relações mais próximas são baseadas em nada mais do que o prazer ou a
realização do outro, esta vontade esvai-se e formam-se muros de proteção.
Quando isto acontece, a única maneira de garantir mesmo as formas mínimas de
colaboração passa a ser através da coação governamental. É mesmo isso que queremos?
Se não quer o Governo a intrometer-se na sua vida
privada, surpreendo-o verdadeiramente que o vizinho do lado não queira o
Governo a intrometer-se nas suas decisões empresariais privadas? Se quer usar o
poder coercivo do Governo para obrigar os médicos a praticar abortos, então
fica mesmo espantado ao saber que o seu senhorio quer usar os poderes coercivos
do Governo para o despejar quando não paga a renda?
E da mesma forma, se insiste que o Governo não tem nada
que lhe dizer quanto é que deve pagar aos seus trabalhadores mas ao mesmo tempo
quer usar os poderes coercivos do Governo para favorecer o seu negócio, então
porque é que se surpreende ao ver que os “progressistas” resistem à intrusão do
Governo para umas coisas e encorajam-na para outras?
Numa cultura em que a liberdade significa sobretudo
liberdade de constrangimentos, liberdade para fazer o que quero e não a
liberdade para me dedicar ao bem dos outros, rapidamente se torna claro para os
jovens que a liberdade que lhes está a ser “vendida” todos os dias pelas elites
culturais – a liberdade de autocriação, a liberdade de criar uma identidade através
dos bens de consumo, a liberdade de ir em busca do que é excitante e de viver
como as celebridades nos anúncios – é cara, muito cara.
A vida “de artista” em Nova Iorque é cara. A mansão é
cara e os colégios da moda são caros. Há estudos que revelam que mais de um
quarto das pessoas que ganham mais de 100,000 dólares por ano dizem que “mal
conseguem aguentar” e que não têm dinheiro suficiente para as suas necessidades
mais básicas. A liberdade da autocriação autónoma é cara; o estilo de vida das celebridades
também.
Los Angeles e Nova Iorque são viveiros de eleitores de causas socialistas, mas estão longe de ser exemplos morais de igualdade de rendimentos. As pessoas que vivem em casas e apartamentos caros e que gastam dinheiro em bares e discotecas, mas que depois exigem que o Governo faça “mais pelos pobres” têm muito pouca credibilidade.
Saia desse apartamento caro, vá viver para uma cidade
modesta e um bairro simples, envie os seus filhos para as escolas públicas
locais ou para uma modesta escola católica que serve de facto os pobres, e aí
talvez tenha alguma credibilidade. Caso contrário é uma fraude. Não pode exigir
aos outros que abdiquem das coisas reles de que gostam enquanto fica com as
coisas sofisticadas que lhe dão prazer a si.
Os adeptos do estilo de vida liberal nunca conseguirão
alcançar a justiça social se usarem a sua preocupação pela justiça social como
os fariseus usavam os seus símbolos religiosos, como sinal da sua própria
presunção. “Alargam os seus filactérios e aumentam as franjas dos seus mantos”;
“tudo o que fazem é para serem vistos pelos homens”; quando vão dar dinheiro
aos pobres mandam tocar as trombetas para serem respeitados pelos outros.
Demasiados americanos, sejam autoproclamados “liberais”
ou “conservadores”, acreditam que aquilo que torna a América grande é o facto
de os indivíduos poderem escolher o seu próprio conceito de bem, desligado das
exigências e das necessidades dos outros e alcançá-lo como um direito
divorciado de qualquer obrigação aos outros ou ao bem comum.
Tanto os “conservadores laissez-faire” como os “progressistas”
são chamados a compreender que a América apenas será “grande” quando fizermos
nossas as orações os versos, demasiadas vezes ignorados, do “America the Beautiful”:
América!
América!
Deus corrija cada uma das tuas falhas,
Confirme a tua alma na autodisciplina,
A tua liberdade na lei!
América!
América!
Que Deus refine o teu ouro
Até que todo o sucesso seja nobreza
E todo o lucro divino!
América!
América!
Que Deus te dê a sua graça
Até que o lucro egoísta deixe de manchar
O
estandarte dos livres!
Randall Smith é professor de teologia na Universidade de
St. Thomas, Houston.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 9 de Setembro de 2020)
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