Stephen P. White |
Foram dias inesquecíveis.
No dia 6 de janeiro de 2002 – precisamente um ano depois
de concluído o Grande Jubileu – a equipa Spotlight do “Boston Globe” publicou
uma reportagem sobre um abusador em série de crianças que era também padre católico:
o padre John Geoghan. Acontece que a arquidiocese sabia dos seus crimes. Não
obstante, Geoghan foi transferido de paróquia em paróquia, deixando na sua
esteira um conjunto de vidas arruinadas. A Grande Quaresma, para usar a frase
do padre Richard John Neuhaus, tinha começado. De certa forma, ainda não
acabou.
Entretanto deixámos de ouvir falar muito sobre novas
primaveras.
Recentemente tenho dado por mim a pensar bastante sobre
esta conjunção – a esperança do Grande Jubileu e a humilhação da crise de
abusos sexuais – em parte por causa do podcast que tenho ajudado a produzir
para o The Catholic Project, da Catholic University. Mas também porque este sentimento
de declínio se tornou uma marca da nossa vida comum, não só na Igreja, mas também
na vida política e cultural. O que era suposto ser uma nova Primavera
tornou-se, passadas duas décadas, uma realidade saída dos livros de Narnia:
sempre Inverno, nunca Natal.
Não é difícil encontrar narrativas de declínio nos nossos
dias. Muitas pessoas parecem pensar que as coisas estão a piorar e querem acreditar
que não são as únicas com essa opinião. Este sentimento de declínio ajuda a explicar,
em parte, o apelo pelas correntes restauracionistas da nossa política (Make
America Great Again não é nada mais que um slogan restauracionista). A pandemia,
caso não tenha percebido, só está a exacerbar estas tendências.
Enquanto metáfora para o estado do nosso mundo, esta pandemia
é quase demasiado óbvia. A Igreja – o mundo – parece estar a suster a
respiração, esperando pelo que aí vem, sem saber bem o que dizer, com medo de
tornar as coisas piores, mas também com medo de permanecer em silêncio. Sem
saber se devia lutar contra a lenta asfixia ou permanecer calmo e dócil e
aguentar o que aí vier.
O Cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo,
comentou recentemente que a pandemia poderá acelerar a secularização da Europa por
uma década. Está preocupado que muitos católicos, pelo menos no seu Luxemburgo
natal, apenas permaneceram na Igreja por razões “culturais” e que o
encerramento das Igrejas durante a pandemia possa ter enfraquecido o que já era
uma ligação ténue.
Aqui nos Estados Unidos há quem partilhe dessa preocupação. Em Milwaukee o arcebispo Jerome Listecki anunciou que ia levantar a dispensa geral de obrigação de missa dominical para as suas igrejas. A partir do passado fim-de-semana espera que os católicos da sua arquidiocese cumpram a sua obrigação de ir à missa. Faz sentido que, embora o bispo não saiba como vai ser o “novo normal” que chegará depois da pandemia, queira fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir que os católicos vão à missa.
Claro que a maioria dos católicos nos Estados Unidos já
não tinham paciência para ir à missa aos domingos antes da pandemia. A frequência
da missa – tal como os casamentos, baptismos, crença na Presença Real e por aí
fora – é apenas uma das métricas que mostra que a Igreja está em declínio,
lento mas certo, há décadas.
A irrelevância política do Catolicismo é outro sinal da
diminuição do impacto da Igreja na nossa vida comum. Digo “irrelevância
política” não porque a Igreja não tenha nada a dizer sobre política, ou porque
os votos dos católicos não interessam aos políticos – ela tem e eles interessam
– mas porque as verdades da Fé têm manifestamente tão pouco a ver com a forma
como milhões de católicos votam.
Lamentar a realidade é uma coisa. Não há falta de coisas
a lamentar hoje em dia. Mas a desilusão por as coisas não terem acontecido como
se esperava – como era “suposto” – também pode conduzir ao ressentimento. E a
nossa cultura, a nossa política e a nossa Igreja estão cheios precisamente desse
ressentimento.
Pode ser fácil comparar o mundo sombrio de hoje ao mundo
mais solarengo de que nos lembramos e pensar que assim é que estávamos melhor.
Mas vale a pena recordar que o ponto alto, em termos de prestígio e de influência,
da Igreja Católica nos Estados Unidos – antes do “silly season” pós-conciliar,
quando os católicos estavam social e politicamente unidos e as Missas estavam
tão cheias como as escolas e os seminários católicos – coincidiu exactamente
com as décadas de maior podridão e corrupção institucional na Igreja.
São Francisco de Sales escreveu que na vida espiritual
devíamos buscar o Deus do consolo e não os consolos de Deus. Penso que na
Igreja americana nos habituámos a procurar os frutos de uma Igreja saudável (e a
lamentar a sua ausência) – muitas vocações, grande devoção entre os fiéis,
casamentos e famílias sólidos, um ministério aos pobres florescente – sem nos preocuparmos
em cuidar das obras espirituais que fazem com que a Igreja floresça.
Se queremos ver os rebentos da Primavera, então temos de
trabalhar a terra e espalhar adubo no Outono.
“Não tenhais medo”. “Fazei-vos ao largo”. Estas não são
palavras para um povo que chegou são e salvo a casa. Não são palavras para um
povo que está a entrar num tempo de conforto e de consolação. São, sim,
palavras para um povo fortalecido na fé e disposto a contar tudo o resto como
perda. São, em resumo, palavras para o nosso tempo.
E são palavras que nos levarão rumo à Primavera… Independentemente
da duração do Inverno.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The
Catholic Thing na Sexta-feira, 18 de Setembro de 2020)
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