Wednesday, 23 September 2020

À Espera da “Primavera”

Stephen P. White
Quando o Papa João Paulo II anunciou um Grande Jubileu para assinalar a aurora do terceiro milénio cristão falou convictamente de uma “nova Primavera de vida cristã”. O jubileu prometia ser o ponto alto de um pontificado recheado de grandes feitos. O Papa tinha começado o seu pontificado exortando a Igreja: “Não tenhais medo!” Acabou o Grande Jubileu num tom semelhante, fazendo eco da ordem dada pelo Senhor aos seus discípulos: “Duc in altum!”, Fazei-vos ao largo! O Grande Jubileu acabou na Solenidade da Epifania, 2001.

Foram dias inesquecíveis.

No dia 6 de janeiro de 2002 – precisamente um ano depois de concluído o Grande Jubileu – a equipa Spotlight do “Boston Globe” publicou uma reportagem sobre um abusador em série de crianças que era também padre católico: o padre John Geoghan. Acontece que a arquidiocese sabia dos seus crimes. Não obstante, Geoghan foi transferido de paróquia em paróquia, deixando na sua esteira um conjunto de vidas arruinadas. A Grande Quaresma, para usar a frase do padre Richard John Neuhaus, tinha começado. De certa forma, ainda não acabou.

Entretanto deixámos de ouvir falar muito sobre novas primaveras.

Recentemente tenho dado por mim a pensar bastante sobre esta conjunção – a esperança do Grande Jubileu e a humilhação da crise de abusos sexuais – em parte por causa do podcast que tenho ajudado a produzir para o The Catholic Project, da Catholic University. Mas também porque este sentimento de declínio se tornou uma marca da nossa vida comum, não só na Igreja, mas também na vida política e cultural. O que era suposto ser uma nova Primavera tornou-se, passadas duas décadas, uma realidade saída dos livros de Narnia: sempre Inverno, nunca Natal.

Não é difícil encontrar narrativas de declínio nos nossos dias. Muitas pessoas parecem pensar que as coisas estão a piorar e querem acreditar que não são as únicas com essa opinião. Este sentimento de declínio ajuda a explicar, em parte, o apelo pelas correntes restauracionistas da nossa política (Make America Great Again não é nada mais que um slogan restauracionista). A pandemia, caso não tenha percebido, só está a exacerbar estas tendências.

Enquanto metáfora para o estado do nosso mundo, esta pandemia é quase demasiado óbvia. A Igreja – o mundo – parece estar a suster a respiração, esperando pelo que aí vem, sem saber bem o que dizer, com medo de tornar as coisas piores, mas também com medo de permanecer em silêncio. Sem saber se devia lutar contra a lenta asfixia ou permanecer calmo e dócil e aguentar o que aí vier.

O Cardeal Jean-Claude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo, comentou recentemente que a pandemia poderá acelerar a secularização da Europa por uma década. Está preocupado que muitos católicos, pelo menos no seu Luxemburgo natal, apenas permaneceram na Igreja por razões “culturais” e que o encerramento das Igrejas durante a pandemia possa ter enfraquecido o que já era uma ligação ténue.


Aqui nos Estados Unidos há quem partilhe dessa preocupação. Em Milwaukee o arcebispo Jerome Listecki anunciou que ia levantar a dispensa geral de obrigação de missa dominical para as suas igrejas. A partir do passado fim-de-semana espera que os católicos da sua arquidiocese cumpram a sua obrigação de ir à missa. Faz sentido que, embora o bispo não saiba como vai ser o “novo normal” que chegará depois da pandemia, queira fazer tudo o que está ao seu alcance para garantir que os católicos vão à missa.

Claro que a maioria dos católicos nos Estados Unidos já não tinham paciência para ir à missa aos domingos antes da pandemia. A frequência da missa – tal como os casamentos, baptismos, crença na Presença Real e por aí fora – é apenas uma das métricas que mostra que a Igreja está em declínio, lento mas certo, há décadas.

A irrelevância política do Catolicismo é outro sinal da diminuição do impacto da Igreja na nossa vida comum. Digo “irrelevância política” não porque a Igreja não tenha nada a dizer sobre política, ou porque os votos dos católicos não interessam aos políticos – ela tem e eles interessam – mas porque as verdades da Fé têm manifestamente tão pouco a ver com a forma como milhões de católicos votam.

Lamentar a realidade é uma coisa. Não há falta de coisas a lamentar hoje em dia. Mas a desilusão por as coisas não terem acontecido como se esperava – como era “suposto” – também pode conduzir ao ressentimento. E a nossa cultura, a nossa política e a nossa Igreja estão cheios precisamente desse ressentimento.

Pode ser fácil comparar o mundo sombrio de hoje ao mundo mais solarengo de que nos lembramos e pensar que assim é que estávamos melhor. Mas vale a pena recordar que o ponto alto, em termos de prestígio e de influência, da Igreja Católica nos Estados Unidos – antes do “silly season” pós-conciliar, quando os católicos estavam social e politicamente unidos e as Missas estavam tão cheias como as escolas e os seminários católicos – coincidiu exactamente com as décadas de maior podridão e corrupção institucional na Igreja.

São Francisco de Sales escreveu que na vida espiritual devíamos buscar o Deus do consolo e não os consolos de Deus. Penso que na Igreja americana nos habituámos a procurar os frutos de uma Igreja saudável (e a lamentar a sua ausência) – muitas vocações, grande devoção entre os fiéis, casamentos e famílias sólidos, um ministério aos pobres florescente – sem nos preocuparmos em cuidar das obras espirituais que fazem com que a Igreja floresça.

Se queremos ver os rebentos da Primavera, então temos de trabalhar a terra e espalhar adubo no Outono.

“Não tenhais medo”. “Fazei-vos ao largo”. Estas não são palavras para um povo que chegou são e salvo a casa. Não são palavras para um povo que está a entrar num tempo de conforto e de consolação. São, sim, palavras para um povo fortalecido na fé e disposto a contar tudo o resto como perda. São, em resumo, palavras para o nosso tempo.

E são palavras que nos levarão rumo à Primavera… Independentemente da duração do Inverno.

 

Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 18 de Setembro de 2020)

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