Wednesday, 4 December 2019

Esperança Podada

Pe. Paul Scalia

No passado domingo começámos um tempo litúrgico marcado pela esperança. O prefácio para a Missa diz que ousamos esperar. De facto, a esperança parece ser cada vez mais um atrevimento. Mas é precisamente por isso que é cada vez mais importante. Como diz Chesterton, num dos seus famosos aforismos, “esperança é esperar no desespero”. A importância da esperança aumenta em proporção ao seu absurdo.

Ousamos esperar. Neste período que o nosso país e a nossa Igreja atravessam, muitos têm dificuldade em ter qualquer tipo de esperança, quanto mais em abundância, como nos exorta São Paulo (Rom 15,13). Neste contexto fazemos bem em recordar a imagem que Cristo nos deixa, da videira e dos ramos:

“Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador. Todos os ramos que não dão uvas ele corta, embora eles estejam em mim. Mas os ramos que dão uvas ele poda a fim de que fiquem limpos e deem mais uvas ainda.” (Jo. 15, 1-2)

Sempre achei que esta bela imagem da videira e dos ramos é posta em causa, até certo ponto, pela referência dura à podagem. Não sei grande coisa sobre horticultura, mas sei o suficiente para saber que podar – embora necessário – parece, na altura, uma crueldade gratuita, uma vez que se livra de ramos perfeitamente saudáveis. Conseguimos compreender que se cortem os ramos maus, mas a poda atinge também muitos que são bons.

Tenho uns amigos que plantaram recentemente vinhas na sua propriedade. Ainda não fui lá ajudar com a poda, mas já serviu para aprender mais duas coisas. Primeiro, que a altura certa para podar é no final do Inverno e início da Primavera. Por outras palavras, é precisamente na altura em que aguardamos novos rebentos que se corta ainda mais. Segundo, que o vinhateiro tem de ser impiedoso. Deve podar ainda que pareça que está a matar a videira. Talvez já tenham visto nos campos essas videiras despidas, aparentemente mortas. Mas não estão mortas, não estão sem vida, apenas foram podadas.

Claro que essa podagem e esse despir dos ramos é necessário – não só para que dê fruto, mas para que o dê em abundância. E para que as coisas abundem, é necessário alguma podagem. A expressão latina “succisa virescit”, que significa “se for cortado, volta a crescer” toca neste ponto. É o lema do mosteiro de Monte Cassino, que já foi pilhado, saqueado e bombardeado ao longo da história. Porém, perdura.

Succisa virescit: este lema e toda a prática da podagem são importantes para a Igreja neste momento. Não sabemos porque é que o Senhor está a permitir que a Igreja seja posta à prova desta forma; porque é que está a permitir esta confusão e declínio. O mais difícil é aceitar a vontade permissiva de Deus. Mas pelo menos, ainda que sem conhecer toda a sua mente e propósito, podemos aceitar esta período de provação como um momento de podagem. As coisas estão a ser desbastadas, nalguns casos de forma severa. Mas isso é necessário para que haja renovação. 

De facto, estamos a experimentar uma podagem da nossa esperança. Cometemos o erro de relegar a virtude da esperança para as situações esperançosas. Quando tudo é cor-de-rosa, aí temos esperança. Mas mais uma vez, como nos ensina Chesterton, o contrário é que deve ser verdade. Demasiados de nós assentámos – talvez sem o saber – a nossa esperança em coisas mundanas, tornando-a uma esperança mundana. Era fácil ter esperança quando a Igreja desempenhava um papel importante no nosso país, quando estávamos a construir paróquias, escolas, seminários, hospitais, faculdades e universidades, e por aí fora. Era fácil ter esperança no tempo de gigantes como João Paulo II e Bento XVI. Nessa altura vimos o vigor da Igreja e tivemos esperança, mas talvez tenha sido pelas razões erradas.

O tronco de Jessé
Podemos esperar agora que as coisas sejam diferentes? Quando a Igreja já não é um dos actores principais, quando muitas das nossas instituições estão a fechar as portas e as propriedades estão a ser vendidas, quando a frequência dominical diminui e somos assaltados pela confusão? Ainda ousamos esperar?

A nossa Esperança já foi devidamente podada. Está a ser desbastada até ao que é autenticamente cristão e não mundano. As dificuldades que afligem a Igreja desafiam-nos a esperar de forma diferente, não com base em considerações mundanas, mas no Senhor.

Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador. Todos os ramos que não dão uvas ele corta, embora eles estejam em mim. Mas os ramos que dão uvas ele poda a fim de que fiquem limpos e deem mais uvas ainda.

Estas são palavras de verdadeira esperança. Não daquela esperança fugaz e mundana de que nós tanto gostamos e que promete uma solução fácil. Não aquela esperança falsa, mas a esperança que vê as dificuldades e os revezes como parte da Providência Divina e, por isso, ordenados para o nosso bem. Resumindo, esperamos não porque é tudo cor-de-rosa, porque somos populares, bem aceites ou estamos bem na vida, mas por causa dele.

A esperança encontra-se num ramo podado, naquilo que é negligenciável e aparentemente inerte. É assim que o Senhor prefere agir. No próximo domingo ouviremos dizer que do tronco de Jessé brotará um ramo (Isaías, 11,1). Notem bem: não é da árvore frondosa de Jessé, mas do tronco, daquilo que parece não ser capaz de gerar vida, quanto mais fruto.

É aqui que encontramos sempre nova vida na Igreja. Não entre os grandes e poderosos, não nos corredores do poder, ou nos “think tanks” de Washington, não nas enormes iniciativas que em tempos caracterizaram a Igreja nos Estados Unidos. Vem dos simples, dos pequenos e dos aparentemente infrutíferos: das simples orações devocionais; da confiança sem rodeios nos sacramentos; das obras escondidas e das orações das religiosas; de pais que se esforçam por criar filhos entre uma geração depravada e torcida; de padres que se mantêm fiéis por entre a tempestade de escândalos e, sobretudo, de uma vila sem grande história na Galileia, de uma virgem desposada de um homem chamado José, da esquecida e arruinada casa de David.


O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero.

(Publicado pela primeira vez no domingo, 1 de Dezembro de 2019 em The Catholic Thing)

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