Pe. Paul Scalia |
No passado domingo começámos um tempo litúrgico marcado
pela esperança. O prefácio para a Missa diz que ousamos esperar. De facto, a
esperança parece ser cada vez mais um atrevimento. Mas é precisamente por isso
que é cada vez mais importante. Como diz Chesterton, num dos seus famosos
aforismos, “esperança é esperar no desespero”. A importância da esperança
aumenta em proporção ao seu absurdo.
Ousamos esperar. Neste período que o nosso país e a nossa
Igreja atravessam, muitos têm dificuldade em ter qualquer tipo de esperança,
quanto mais em abundância, como nos exorta São Paulo (Rom 15,13). Neste
contexto fazemos bem em recordar a imagem que Cristo nos deixa, da videira e
dos ramos:
“Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador.
Todos os ramos que não dão uvas ele corta, embora eles estejam em mim. Mas os
ramos que dão uvas ele poda a fim de que fiquem limpos e deem mais uvas ainda.”
(Jo. 15, 1-2)
Sempre achei que esta bela imagem da videira e dos ramos
é posta em causa, até certo ponto, pela referência dura à podagem. Não sei
grande coisa sobre horticultura, mas sei o suficiente para saber que podar –
embora necessário – parece, na altura, uma crueldade gratuita, uma vez que se
livra de ramos perfeitamente saudáveis. Conseguimos compreender que se cortem
os ramos maus, mas a poda atinge também muitos que são bons.
Tenho uns amigos que plantaram recentemente vinhas na sua
propriedade. Ainda não fui lá ajudar com a poda, mas já serviu para aprender
mais duas coisas. Primeiro, que a altura certa para podar é no final do Inverno
e início da Primavera. Por outras palavras, é precisamente na altura em que
aguardamos novos rebentos que se corta ainda mais. Segundo, que o vinhateiro
tem de ser impiedoso. Deve podar ainda que pareça que está a matar a videira.
Talvez já tenham visto nos campos essas videiras despidas, aparentemente
mortas. Mas não estão mortas, não estão sem vida, apenas foram podadas.
Claro que essa podagem e esse despir dos ramos é
necessário – não só para que dê fruto, mas para que o dê em abundância. E para
que as coisas abundem, é necessário alguma podagem. A expressão latina “succisa
virescit”, que significa “se for cortado, volta a crescer” toca neste ponto. É
o lema do mosteiro de Monte Cassino, que já foi pilhado, saqueado e bombardeado
ao longo da história. Porém, perdura.
Succisa virescit: este lema e toda a prática da podagem
são importantes para a Igreja neste momento. Não sabemos porque é que o Senhor
está a permitir que a Igreja seja posta à prova desta forma; porque é que está
a permitir esta confusão e declínio. O mais difícil é aceitar a vontade
permissiva de Deus. Mas pelo menos, ainda que sem conhecer toda a sua mente e
propósito, podemos aceitar esta período de provação como um momento de podagem.
As coisas estão a ser desbastadas, nalguns casos de forma severa. Mas isso é
necessário para que haja renovação.
De facto, estamos a experimentar uma podagem da nossa
esperança. Cometemos o erro de relegar a virtude da esperança para as situações
esperançosas. Quando tudo é cor-de-rosa, aí temos esperança. Mas mais uma vez,
como nos ensina Chesterton, o contrário é que deve ser verdade. Demasiados de
nós assentámos – talvez sem o saber – a nossa esperança em coisas mundanas,
tornando-a uma esperança mundana. Era fácil ter esperança quando a Igreja
desempenhava um papel importante no nosso país, quando estávamos a construir
paróquias, escolas, seminários, hospitais, faculdades e universidades, e por aí
fora. Era fácil ter esperança no tempo de gigantes como João Paulo II e Bento
XVI. Nessa altura vimos o vigor da Igreja e tivemos esperança, mas talvez tenha
sido pelas razões erradas.
O tronco de Jessé |
Podemos esperar agora que as coisas sejam diferentes?
Quando a Igreja já não é um dos actores principais, quando muitas das nossas
instituições estão a fechar as portas e as propriedades estão a ser vendidas,
quando a frequência dominical diminui e somos assaltados pela confusão? Ainda
ousamos esperar?
A nossa Esperança já foi devidamente podada. Está a ser
desbastada até ao que é autenticamente cristão e não mundano. As dificuldades
que afligem a Igreja desafiam-nos a esperar de forma diferente, não com base em
considerações mundanas, mas no Senhor.
Eu sou a videira verdadeira, e o meu Pai é o lavrador.
Todos os ramos que não dão uvas ele corta, embora eles estejam em mim. Mas os
ramos que dão uvas ele poda a fim de que fiquem limpos e deem mais uvas ainda.
Estas são palavras de verdadeira esperança. Não daquela
esperança fugaz e mundana de que nós tanto gostamos e que promete uma solução
fácil. Não aquela esperança falsa, mas a esperança que vê as dificuldades e os
revezes como parte da Providência Divina e, por isso, ordenados para o nosso
bem. Resumindo, esperamos não porque é tudo cor-de-rosa, porque somos
populares, bem aceites ou estamos bem na vida, mas por causa dele.
A esperança encontra-se num ramo podado, naquilo que é
negligenciável e aparentemente inerte. É assim que o Senhor prefere agir. No
próximo domingo ouviremos dizer que do tronco de Jessé brotará um ramo (Isaías,
11,1). Notem bem: não é da árvore frondosa de Jessé, mas do tronco, daquilo que
parece não ser capaz de gerar vida, quanto mais fruto.
É aqui que encontramos sempre nova vida na Igreja. Não
entre os grandes e poderosos, não nos corredores do poder, ou nos “think tanks”
de Washington, não nas enormes iniciativas que em tempos caracterizaram a
Igreja nos Estados Unidos. Vem dos simples, dos pequenos e dos aparentemente
infrutíferos: das simples orações devocionais; da confiança sem rodeios nos
sacramentos; das obras escondidas e das orações das religiosas; de pais que se
esforçam por criar filhos entre uma geração depravada e torcida; de padres que
se mantêm fiéis por entre a tempestade de escândalos e, sobretudo, de uma vila
sem grande história na Galileia, de uma virgem desposada de um homem chamado
José, da esquecida e arruinada casa de David.
O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia,
do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o
delegado do bispo para o clero.
(Publicado pela primeira vez no domingo, 1 de Dezembro de
2019 em The Catholic Thing)
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