Stephen P. White |
Quando lhe perguntei do que menos gostava esperava que me
falasse das urgências a meio da noite, ou da burocratização da medicina. O
facto de eu esperar essas respostas diz mais sobre mim do que sobre ele. Na
verdade, não disse nada disso. A parte mais difícil do seu trabalho era, disse,
saber que todos os seus pacientes iam morrer. E que tudo o que ele poderia
esperar fazer – o que todos os médicos podiam esperar – era adiar o inevitável.
Pensei muito nisto quando o meu pai adoeceu com o cancro
que acabaria por matá-lo. Foi muito reconfortante saber que o pai sabia o que
sabia. A sua carreira médica tinha sido um memento
mori de trinta anos. Claro que a inevitabilidade da morte não é razão para a
resignação, menos ainda para cinismo ou desespero. E o cinismo e o desespero
não eram características dele. Seria muito pobre médico se professasse
indiferença para com a saúde por causa da mortalidade humana. O meu pai era um
homem de grande e constante alegria.
Ele compreendia que a morte não é o fim da vida; é o
caminho para casa. É a nossa possibilidade, para usar a expressão de C.S.
Lewis, de ir mais alto e mais fundo. Precisamente porque o meu pai compreendia
isto – e porque vivia desta forma, cuidava dos doentes desta forma e enfrentou
a própria morte desta forma – tornou mais fácil para nós, por entre as nossas
lágrimas, fazermos o mesmo. Esse é o maior dom que um pai pode dar.
Tenho pensado muito no meu pai ultimamente, em parte
porque esta é uma época propícia às saudades da família, mas também porque
estamos na altura do ano em que a Igreja nos fala sobre a morte e o fim de
todas as coisas. E sobre a esperança de que tudo seja recomposto num mundo em
que tanto está quebrado.
Mas este trabalho de recompor o que está quebrado pode
parecer fútil. Veja-se estes três exemplos.
Algures nos próximos três meses, segundo nos dizem, o
Vaticano vai divulgar as conclusões da sua investigação sobre Theodore
McCarrick. Essas conclusões poderão, esperamos, explicar como é que foi
possível McCarrick subir gradualmente pela hierarquia apesar dos constantes
boatos sobre as suas tendências. Mas ainda que venhamos a saber tudo sobre a
carreira de McCarrick e sobre quem partilha a culpa, há alguma esperança de que
esse conhecimento venha a reparar os males que foram feitos ou reparar os danos
que ele e outros causaram?
Advento, tempo de esperança |
Na Virgínia Ocidental o bispo Mark Brennan informou o seu
antecessor, o bispo Michael Bransfield, que espera que ele se retrate da grande
quantidade de crimes e de pecados de que é acusado, restituindo o que deve ser
restituído. Ainda que o faça por inteiro (e se não o fizer terá de responder
perante o Fisco e Roma) isso apagará o mal todo que causou?
Uma notícia recente da Associated Press calcula que só em
Nova Iorque, Nova Jérsia e na Califórnia uma série de processos novos relativos
a casos antigos de abusos poderão levar a indemnizações de perto de quatro mil
milhões de euros. Mas será que as feridas dos sobreviventes de abusos serão
curadas com compensações monetárias para as suas justas queixas contra homens,
muitos dos quais já morreram? Será que a Igreja pode pagar o suficiente em
indemnizações ou fazer pedidos de desculpa suficientes para restaurar o mal
profundo que foi feito aos corpos, almas e à fé daqueles que foram traídos?
Claro que a resposta a todas estas questões é “não”.
Todos os nossos esforços de justiça são insuficientes. Todas as nossas
tentativas de recompor o que foi quebrado pelo pecado são, no final de contas,
desadequados. O melhor que podemos fazer com os nossos esforços – o melhor a
que qualquer um de nós pode aspirar – não chega. Isso não significa que esses
esforços sejam em vão, mas simplesmente que a nossa esperança não se encontra
na nossa capacidade de sarar, reparar, restaurar ou reformar. Tudo isso é
necessário, todos os nossos esforços, o nosso zelo e a nossa sabedoria são
necessários. Mas temos de ter noção de que não chegam.
O Advento é um tempo de esperança porque acreditamos que
aquele recompõe todas as coisas está a caminho. Ele é a nossa esperança. É ele
quem cura tudo. Ele é o divino médico. A cura que Ele oferece é alcançada,
literalmente, pela morte. Nesse sentido a manjedoura está sempre encimada por
uma cruz – não como símbolo de morte iminente, não como espada de Dâmocles, mas
como sinal da nossa salvação.
A morte chegará a todos. É o preço dos nossos pecados.
Graças ao bebé de Belém, é também a nossa única esperança para a cura. Quando
compreendermos isto – e se vivermos desta forma e enfrentarmos desta forma a
nossa própria inadequação e estado decaído – ajudaremos outros a fazer o mesmo
enquanto caminhamos neste Vale de Lágrimas. E participaremos assim na obra
daquele que renova todas as coisas.
Não há melhor presente que esse.
Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no
Centro de Ética e de Política Pública em Washington.
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 5 de dezembro
de 2019)
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