Wednesday, 20 November 2019

Uma América Pós-Cristã?

Gunnar Gundersen
A sondagem recentemente publicada pela Pew Forum, que dá conta da continuada erosão da fé cristã nos Estados Unidos, levou a uma torrente de comentários sobre a América “pós-cristã”. E mesmo antes desta última ronda de previsões o termo “pós-cristão” já tinha sido usado por muitos comentadores.

Entre estes inclui-se o Rod Dreher, que o usou no subtítulo do seu livro “A Opção Beneditina”. Mas será que uma nação pode alguma vez tornar-se pós-cristã?

Tendemos a discutir o estado da religião na América da mesma maneira que falamos de modas sociais que vamos ultrapassar, como perucas ou cassetes VHS – a sociedade há de se esquecer. A América, pensamos, vai cansar-se do Cristianismo.

Mas o Cristianismo não é uma teoria, é um encontro com uma Pessoa, com o Alpha e o Omega. Cristo é o fim de todas as coisas. Não é possível simplesmente ultrapassá-lo depois de O ter aceite.

Tal como diz o Papa Bento XVI em Spe Salvi, uma sociedade que rejeita Cristo não se limita a seguir em frente. Pelo contrário, este tipo de sociedade irá, como disse Kant, colocar-se em oposição a Cristo. Assim, em vez de pós-cristã, uma sociedade que rejeitou o Cristianismo deve tornar-se necessariamente anticristã. “Portanto, não há dúvida de que um ‘reino de Deus’ realizado sem Deus – e por conseguinte um reino somente do homem – resolve-se inevitavelmente no ‘fim perverso’ de todas as coisas, descrito por Kant [reino do Anticristo]: já o vimos e vemo-lo sempre de novo.” [23]

Nos lugares onde a Cruz é substituída por símbolos estranhos e novas ideologias, aqueles que vivem de acordo com a Cruz não podem se tolerados. Desde a Revolução Francesa à Revolução de Outubro da Rússia, já vimos esta novela vezes e vezes sem conta. A nossa deriva nesta direção poderá estar disfarçada pelas boas maneiras anglo-americanas, mas isso não muda o objetivo final pretendido.

A imagem romântica de cristãos resistentes a sobreviver segundo a “opção beneditina” numa América pós-cristã pode parecer bonita, mas não passa de uma fantasia. Não haverá onde nos escondermos se os nossos vizinhos decidirem que o Cristianismo não é digno do seu amor.

É de realçar que alguns académicos e activistas de esquerda já começaram a descrever o baptismo infantil e a formação cristã como formas de abuso infantil ou violações dos direitos humanos. Se a tendência de descristianização continuar não é provável que esta posição continue remetida para as margens durante muito mais tempo, partindo do princípio que ainda o é. Aliás, uma das principais defensoras desta teoria é a antiga Presidente da Irlanda, Mary McAleese, que a desenvolveu na sua tese, feita na Universidade Gregoriana de Roma. Não é propriamente uma pessoa das margens.

A ideia de que será possível chegar a um nobre entendimento entre os cristãos e os arquitectos da América pós-cristã não deve ser levada a sério. Aquilo de que precisamos é de testemunho e da disposição para sermos francos sobre a necessidade do Cristianismo para o correcto funcionamento da democracia no Ocidente, como explica o cardeal Joseph Ratzinger:

Entretanto o facto permanece que esta democracia [moderna] é produto da fusão das heranças grega e cristã e por isso apenas pode sobreviver com esta ligação fundacional. Se não voltarmos a reconhecê-lo e, por conseguinte, aprendermos a viver a democracia com vista ao Cristianismo e o Cristianismo com vista ao estado livre democrático, arriscamo-nos certamente a perder a democracia.

O pacto do Mayflower
John Adams disse o mesmo, da seguinte maneira: “A nossa Constituição foi feita para um povo moral e religioso. É inteiramente desadequado ao governo de qualquer outro”. E em Gettysburg Abraham Lincoln também reconhece que esta República se colocava “sob Deus”. Este entendimento penetrou o nosso juramento, o lema e os feriados nacionais.  

Os cristãos devem insistir que a sociedade não pode ser livre e simultaneamente anticristã. As primeiras colónias foram fundadas para promover a religião cristã através do Governo consentido. Isso fica claro nas palavras do Pacto do Mayflower: Tendo empreendido para a Glória de Deus, e Avanço da Fé Cristã, e Honra do nosso Rei e País, uma viagem para estabelecer a primeira colônia no norte da Virgínia; os presentes fazemos pacto solene e mutuamente na Presença de Deus e nós próprios, para conjuntamente formar um Corpo Político Civil para nossa Ordem, Preservação e Fomento dos objetivos referidos acima.

Ratzinger reconheceu que a fusão dos ideais democráticos com o dever cristão, própria da América, marcou o nascimento da democracia moderna: “A democracia como a entendemos hoje não surgiu automaticamente a partir desta raiz mas, de facto, foi formada primeiramente à luz das circunstâncias especiais do congregacionalismo americano, ou seja, à parte das tradições clássicas europeias da relação Igreja-Estado que cá se desenvolveu historicamente”. Esta fusão espalhou-se depois pelo mundo à medida que a influência global da América aumentou.

Os nossos concidadãos precisam de ouvir dizer que a democracia americana não pode sobreviver sem o respeito e o apoio da moral e da religião judaico-cristãs. Isto não é o mesmo que defender uma visão teocrática de Governo, é simplesmente reconhecer a raiz que alimenta o sistema democrático, que hoje muitos reconhecem como estando em perigo.

John F. Kennedy, Ronald Reagan e Barack Obama todos reconheceram a vontade dos primeiros colonos de fundar a América como uma cidade no topo de um monte – recordando o sermão de John Winthrop: 

Veremos que o Deus de Israel está entre nós, quando dez de nós serão capazes de resistir a mil dos nossos inimigos, quando ele fizer de nós um louvor e uma glória, tanto que os homens dirão das próximas colónias: ‘que o Senhor a faça como a de Nova Inglaterra’. Pois devemos considerar que seremos como uma cidade no topo de um monte.

Winthrop acrescentou um aviso, que os nossos políticos tendem a não mencionar mas que ecoa nas palavras de Bento XVI : 

Os olhos de todos os povos estão sobre nós. E se formos falsos com o nosso Deus nesta obra que empreendemos, e assim o levarmos a retirar de entre nós a sua presença, fará de nós uma história e uma lição para o mundo.

Um aviso pertinente de que apenas teremos esta República – sob Deus – enquanto a conseguirmos manter.


Gunnar Gundersen é investigador na James Wilson Institute on Natural Rights and the American Founding. A sua área de pesquisa inclui Liberdade Religiosa, Direitos de Propriedade e Jurisprudência.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 16 de Novembro de 2019)

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