Tenho acompanhado com atenção e emoção o caso do bebé que
foi abandonado num ecoponto em Lisboa, salvo, graças a Deus, por um homem
sem-abrigo que o ouviu chorar. Muito se tem falado sobre este caso, e muito se
tem escrito.
Inevitavelmente surgiram comparações com o caso do aborto,
com várias pessoas pró-vida a notar que é paradoxal que se considere uma tragédia
que uma mulher ponha um bebé recém-nascido no lixo, mas que se defenda com
unhas e dentes o seu direito a tratar como lixo o mesmo bebé antes de nascer.
Eu até concordo com esta perspetiva, mas por alguma
razão, que no futuro irá encher de espanto os nossos descendentes, uma grande
parte da nossa sociedade continua a achar que as salas de partos são locais
carregados de poderes mágicos que conseguem transformar um aglomerado de células
num bebé merecedor de todos os direitos humanos. Enquanto essa ideia absurda
não se dissipar, não adianta estar a fazer comparações, porque não serão
compreendidas.
Gostava, por isso, de sublinhar outra coisa. Tenho notado
com satisfação que o que inicialmente parecia ser uma onda de indignação e
revolta contra a mãe desta criança (já repararam como ninguém fala no pai?) se
tem transformado sobretudo em compaixão. De facto, só uma mulher desequilibrada,
em profundo desespero ou absolutamente corrompida pelo mal consegue fazer o que
ela fez. Como eu e a maioria das pessoas continuamos a pensar que pessoas absolutamente
corrompidas pelo mal são poucas, graças a Deus, tendemos a acreditar que se
tratou de desequilíbrio e/ou desespero, agravados pela situação social da rapariga
em causa.
Mas existe aqui uma outra ligação com a questão do aborto
que importa sublinhar. Aquando da primeira discussão no Parlamento, em 1997, do
primeiro referendo em 1998 e do segundo em 2007 os defensores da liberalização
do aborto fizeram uma campanha de demonização dos defensores do “não”, dizendo
que estes queriam ver as mulheres presas e que consideravam assassinas as que
abortavam. Ficou famoso o cartaz do Bloco de Esquerda que mostrava uma mulher
atrás das grades, numa altura em que as mulheres presas em Portugal por abortar
eram exatamente zero.
Quando os defensores do “não” respondiam que não queriam
ver mulheres punidas, mas que achavam ainda assim que a proibição fazia sentido
enquanto mensagem social e dissuasora, eram impiedosamente gozados. Ficou famoso
o sketch de Ricardo Araújo Pereira a caricaturar o atual Presidente da
República.
Mas partindo do pressuposto de que os defensores da liberalização
do aborto são a favor da penalização do infanticídio, deviam agora estar a
pedir a condenação e prisão desta mulher. É uma questão de coerência.
Afinal, como estão a ver, é possível achar que um acto é
mau e condenável, mas compreender que possam existir atenuantes para quem o
cometeu sem, com isso, chegar ao extremo de exigir que o acto seja legalizado.
Afinal, como estão a ver, os defensores do “não” ao aborto
legal estavam a ser perfeitamente razoáveis, tanto que desde o referendo foram
esses – e apenas esses – que continuaram a trabalhar no terreno para ajudar e
acompanhar estas mulheres que se encontram em situações de desespero.
O aborto foi legalizado em Portugal através de uma
campanha de mentiras, demonizações e más intenções. Esta foi apenas mais uma. Perdemos
todos.
Filipe d'Avillez
Muito bom o seu texto, Filipe! Cump.
ReplyDeleteExcelente. Não deixem cair esta argumentação por favor.
ReplyDeleteEccelente diagnóstico!!!!
ReplyDeleteExcelente! A partilhar, guardar, e usar. Obrigada.
ReplyDelete+++ Abraços
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