Elizabeth A. Mitchell |
Entre as ruas movimentadas de
Londres, num bocadinho de passeio no cruzamento das ruas de Edgeware e
Bayswater, não muito longe da famosa Marble Arch, está um memorial que assinala
o local da árvore de Tyburn.
Numa cela abandonada, no agora
abandonado Bloco II da Prisão de Auschwitz, um recluso gravou à mão uma imagem
do Sagrado Coração.
Há muito que nos deixaram aqueles
que sofreram pelas suas convicções nestes lugares infames, incluindo os
mártires de Tyburn e São Maximiliano Kolbe. Silenciados pelas suas crenças, por
regimes muito mais fortes que as suas pobres capacidades de resistência, as
suas vozes deviam ter-se extinguido para sempre. Estes pequenos marcos deviam
ser o único resquício dos seus testemunhos derrotados e aparentemente
fúteis.
E, porém, são antes os regimes
e os tiranos que ficaram pelo caminho, derrotados e sem poder. Os portões de
Auschwitz-Birkenau estão hoje abertos, o campo deserto e vazio. O poder
absoluto que comandava os postos de vigia e que supervisionava a chegada dos
comboios há muito que passou. As portas de Hampton Court agora recebem visitas
e o seu poderoso senhor, Henrique VIII, foi reduzido a uma lenda vazia.
Mas as portas do Convento de
Tyburn acolhem alegremente as almas consagradas que se oferecem em oração pela
mesma Fé e Verdade que nem todo o poder do Rei pôde conquistar.
A cripta do Convento de Tyburn
inclui a Capela dos Mártires, com uma coleção deslumbrante de relíquias
preciosas destes corajosos homens e mulheres – leigos, padres e religiosos que
preservaram a fé em Inglaterra durante o Reino de Terror. Entre as citações
inscritas na parede da cripta estão as palavras ditas pelo superior cartusiano
John Houghton do cadafalso do monte de Tyburn, em Londres, a 4 de maio de 1535:
“Estou obrigado pela minha consciência, pronto e disposto a sofrer todo o
género de tortura antes de negar uma doutrina da Igreja”.
Da sua cela na Torre de
Londres, onde aguardava o seu próprio martírio, São Tomás Moro observou a
procissão destes cartusianos a caminho de Tyburn, escrevendo à sua filha
Margaret: “estes bem-aventurados padres caminham agora alegremente para as suas
mortes como noivos para o casamento”.
Uma das grandes tentações que
sentimos quando arriscamos tudo pela verdade é de pensar que o nosso sacrifício
será em vão. Daremos tudo, e não importará. O objetivo será perdido, o mundo
esquecer-se-á e também nós seremos esquecidos. Mesmo Nosso Senhor, tememos, esquecerá
o nosso acto de amor e generosidade. Será inútil e infrutífero. E por isso
fraquejamos.
Mas Nosso Senhor jamais se
esquecerá. A autoimolação gerará fruto; a oferta terá poder porque é absoluta.
Só dando tudo, sem reservas, podemos esperar ganhar o que seja que valha a pena
guardar.
São Paulo, depois de suportar
sofrimentos intensos e enfrentando o martírio, confiante no prémio da rectidão,
declarou que apenas uma coisa importava: combater o bom combate, não se desviar
da rota, manter a fé. (2 Timóteo 4, 7-8)
“Amar é dar tudo, incluindo
nós mesmos”, garante-nos Santa Teresa de Lisieux.
Numa carta dirigida à Madre
Prioresa no Domingo da Paixão, a 26 de Março de 1939, poucos anos antes de
morrer em Auschwitz, santa Edith Stein pediu: “Peço a vossa reverência que me
permita oferecer-me ao Coração de Jesus como sacrifício de propiciação pela
verdadeira paz, para que a caia o domínio do Anticristo. Gostaria que este
pedido fosse atendido ainda hoje, pois estamos na décima-segunda hora. Sei que
nada sou, mas é Jesus que o pede e certamente Ele pedirá a muitos outros que
façam o mesmo nestes dias”.
A décima-segunda hora. Falamos
frequentemente da décima-primeira – aquele momento em que permanece uma
centelha de esperança. Mas Cristo delicia-se com o amor da décima-segunda hora.
Permite que vejamos morrer o sonho, perder a batalha, e depois age. Exige de
nós esperança quando toda a esperança está perdida.
“Pela fé, Abraão, quando foi
posto à prova, ofereceu Isaac (…) ele pensava que Deus tem até poder para
ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu
filho.” (Hebreus, 11, 17-19)
Lázaro está já morto (João 11,
1-4); a filha de Jairo está morta (Marcos 5, 21-43, Mateus 9, 18-26 e Lucas 8,
40-56). Parece que Cristo chegou demasiado tarde. Podemos baixar os braços e
declarar que tudo está perdido, ou podemos elevar as mãos e declarar, com fé, “Senhor,
é Tua a Vitória”. A lâmpada do santuário do coração de Nossa Senhora brilha
ardentemente, enquanto Ele jaz no seu sepulcro.
É preciso dar um passo de fé
para nos juntarmos à Procissão Nupcial do Cordeiro. Avançar dessa forma no
nosso mundo requer um amor heroico, um “amor perfeito” que “lança fora o temor”
(1 João, 4,18). Como diz o narrador no último acto de “A Loja do Ourives”, de
Karol Wojtyla, “O amor foi mais forte que o medo, e hoje foram em frente”.
Cristo e a Sua Igreja precisam
hoje, agora, do nosso testemunho e do nosso amor corajoso. Oferecendo-lhe as
nossas vidas, através de um amor que supera o medo e até a morte, Ele nos dará
tudo o que não podemos guardar sem nos perdermos nele. Entreguemos-lhe o nosso
amor de décima-segunda hora e vejamos o seu poder salvífico alcançar a vitória
final.
Elizabeth A. Mitchell, é
doutorada em Comunicação Social Institucional pela Universidade Pontifícia da
Santa Cruz, em Roma, Itália, onde trabalhou como tradutora para a Sala de
Imprensa da Santa Sé e para o L’Osservatore Romano. É decana dos alunos na
Trinity Academy, um colégio católico privado no Wisconson. A sua tese “Artist
and Image: Artistic Creativity and Personal Formation in the Thought of Edith
Stein,” trata o papel da beleza na evangelização pela perspetiva de santa Edith
Stein. Mitchell faz ainda parte da direção do Santuário de Nossa Senhora de
Guadalupe em La Crosse, Wisconsin, e é conselheira do Centro Internacional St.
Gianna e Pietro Molla para a Família e para a Vida.
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