Wednesday 6 November 2019

Amor de 12ª Hora

Elizabeth A. Mitchell
Entre as ruas movimentadas de Londres, num bocadinho de passeio no cruzamento das ruas de Edgeware e Bayswater, não muito longe da famosa Marble Arch, está um memorial que assinala o local da árvore de Tyburn.

Numa cela abandonada, no agora abandonado Bloco II da Prisão de Auschwitz, um recluso gravou à mão uma imagem do Sagrado Coração.

Há muito que nos deixaram aqueles que sofreram pelas suas convicções nestes lugares infames, incluindo os mártires de Tyburn e São Maximiliano Kolbe. Silenciados pelas suas crenças, por regimes muito mais fortes que as suas pobres capacidades de resistência, as suas vozes deviam ter-se extinguido para sempre. Estes pequenos marcos deviam ser o único resquício dos seus testemunhos derrotados e aparentemente fúteis. 

E, porém, são antes os regimes e os tiranos que ficaram pelo caminho, derrotados e sem poder. Os portões de Auschwitz-Birkenau estão hoje abertos, o campo deserto e vazio. O poder absoluto que comandava os postos de vigia e que supervisionava a chegada dos comboios há muito que passou. As portas de Hampton Court agora recebem visitas e o seu poderoso senhor, Henrique VIII, foi reduzido a uma lenda vazia.

Mas as portas do Convento de Tyburn acolhem alegremente as almas consagradas que se oferecem em oração pela mesma Fé e Verdade que nem todo o poder do Rei pôde conquistar.

A cripta do Convento de Tyburn inclui a Capela dos Mártires, com uma coleção deslumbrante de relíquias preciosas destes corajosos homens e mulheres – leigos, padres e religiosos que preservaram a fé em Inglaterra durante o Reino de Terror. Entre as citações inscritas na parede da cripta estão as palavras ditas pelo superior cartusiano John Houghton do cadafalso do monte de Tyburn, em Londres, a 4 de maio de 1535: “Estou obrigado pela minha consciência, pronto e disposto a sofrer todo o género de tortura antes de negar uma doutrina da Igreja”.

Da sua cela na Torre de Londres, onde aguardava o seu próprio martírio, São Tomás Moro observou a procissão destes cartusianos a caminho de Tyburn, escrevendo à sua filha Margaret: “estes bem-aventurados padres caminham agora alegremente para as suas mortes como noivos para o casamento”.

Uma das grandes tentações que sentimos quando arriscamos tudo pela verdade é de pensar que o nosso sacrifício será em vão. Daremos tudo, e não importará. O objetivo será perdido, o mundo esquecer-se-á e também nós seremos esquecidos. Mesmo Nosso Senhor, tememos, esquecerá o nosso acto de amor e generosidade. Será inútil e infrutífero. E por isso fraquejamos.

Mas Nosso Senhor jamais se esquecerá. A autoimolação gerará fruto; a oferta terá poder porque é absoluta. Só dando tudo, sem reservas, podemos esperar ganhar o que seja que valha a pena guardar. 

São Paulo, depois de suportar sofrimentos intensos e enfrentando o martírio, confiante no prémio da rectidão, declarou que apenas uma coisa importava: combater o bom combate, não se desviar da rota, manter a fé. (2 Timóteo 4, 7-8)

“Amar é dar tudo, incluindo nós mesmos”, garante-nos Santa Teresa de Lisieux.

Numa carta dirigida à Madre Prioresa no Domingo da Paixão, a 26 de Março de 1939, poucos anos antes de morrer em Auschwitz, santa Edith Stein pediu: “Peço a vossa reverência que me permita oferecer-me ao Coração de Jesus como sacrifício de propiciação pela verdadeira paz, para que a caia o domínio do Anticristo. Gostaria que este pedido fosse atendido ainda hoje, pois estamos na décima-segunda hora. Sei que nada sou, mas é Jesus que o pede e certamente Ele pedirá a muitos outros que façam o mesmo nestes dias”.

A décima-segunda hora. Falamos frequentemente da décima-primeira – aquele momento em que permanece uma centelha de esperança. Mas Cristo delicia-se com o amor da décima-segunda hora. Permite que vejamos morrer o sonho, perder a batalha, e depois age. Exige de nós esperança quando toda a esperança está perdida.

“Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac (…) ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho.” (Hebreus, 11, 17-19)

Lázaro está já morto (João 11, 1-4); a filha de Jairo está morta (Marcos 5, 21-43, Mateus 9, 18-26 e Lucas 8, 40-56). Parece que Cristo chegou demasiado tarde. Podemos baixar os braços e declarar que tudo está perdido, ou podemos elevar as mãos e declarar, com fé, “Senhor, é Tua a Vitória”. A lâmpada do santuário do coração de Nossa Senhora brilha ardentemente, enquanto Ele jaz no seu sepulcro.

É preciso dar um passo de fé para nos juntarmos à Procissão Nupcial do Cordeiro. Avançar dessa forma no nosso mundo requer um amor heroico, um “amor perfeito” que “lança fora o temor” (1 João, 4,18). Como diz o narrador no último acto de “A Loja do Ourives”, de Karol Wojtyla, “O amor foi mais forte que o medo, e hoje foram em frente”.

Cristo e a Sua Igreja precisam hoje, agora, do nosso testemunho e do nosso amor corajoso. Oferecendo-lhe as nossas vidas, através de um amor que supera o medo e até a morte, Ele nos dará tudo o que não podemos guardar sem nos perdermos nele. Entreguemos-lhe o nosso amor de décima-segunda hora e vejamos o seu poder salvífico alcançar a vitória final.


(Publicado pela primeira vez no Sábado, 2 de Novembro de 2019 em The Catholic Thing)

Elizabeth A. Mitchell, é doutorada em Comunicação Social Institucional pela Universidade Pontifícia da Santa Cruz, em Roma, Itália, onde trabalhou como tradutora para a Sala de Imprensa da Santa Sé e para o L’Osservatore Romano. É decana dos alunos na Trinity Academy, um colégio católico privado no Wisconson. A sua tese “Artist and Image: Artistic Creativity and Personal Formation in the Thought of Edith Stein,” trata o papel da beleza na evangelização pela perspetiva de santa Edith Stein. Mitchell faz ainda parte da direção do Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe em La Crosse, Wisconsin, e é conselheira do Centro Internacional St. Gianna e Pietro Molla para a Família e para a Vida.

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