Filip Mazurczak |
Claramente os pró-vida estão a perder a batalha de defesa
da vida dos nascituros. Para ganharmos no longo prazo precisamos de criar um
consenso social de que os nascituros merecem o direito à vida, um consenso que
transcende as divisões políticas e religiosas.
O desastre irlandês tem sido apresentado como prova do recuo
da Irlanda das suas raízes católicas, desde os anos 90. Na Argentina ainda há
esperança de que a Câmara dos Deputados, que é mais conservadora que o
Congresso, possa impedir a legalização do aborto. Mas mesmo que isso aconteça,
há uma forte probabilidade de que seja uma vitória efémera: as sondagens
mostram que 60% dos argentinos apoiam a lei do aborto, quase duas vezes os que
se opõem (34%).
Mais, na Argentina, como na Europa e na América do Norte,
as forças pró-vida estão muito proximamente ligadas ao catolicismo. E a
Argentina é um dos países menos religiosos da América Latina, pelo que uma revolta
popular anti-vida, e anti-católica, à irlandesa, parece ser provável num futuro
próximo.
Internacionalmente, a maior fraqueza da causa pró-vida é
a sua proximidade com o Cristianismo e a direita política. Claro que não é mau
que as Igrejas – Católica, Ortodoxa e algumas protestantes (tal como judeus
ortodoxos e alguns muçulmanos) – estejam na linha da frente na batalha pela
vida. Pelo contrário, o Cristianismo volta a mostrar provas de que rejeita o
Zeitgeist em nome de valores intemporais, tal como fez em 1537 quando a
escravatura era uma prática comum, durante a colonização europeia das Américas
e o Papa Paulo III emitiu uma bula a prescrever excomunhão para os responsáveis
por essa prática odiosa.
O problema está no facto de que numa democracia pluralista
nenhum líder ou partido irá governar para sempre. Helmut Kohl foi chanceler da
Alemanha Ocidental durante 16 anos, mas mesmo esse seu domínio acabou
eventualmente. Eu fiquei contente quando o Presidente Trump rescindiu a
política da Cidade do México e promulgou outras políticas pró-vida. Mas o Trump
também não vai durar para sempre.
Nos Estados Unidos e em muitos outros países a posição
das pessoas sobre o aborto está fortemente ligada à sua filiação política e
religiosa. Nas últimas décadas isto acentuou-se ainda mais. O número de
democratas pró-vida no Congresso actualmente, por exemplo, conta-se pelos dedos
de uma mão, em comparação com mais de 100 nos anos 70. Para que a legislação
pró-vida seja irreversível é necessário criar um certo consenso.
Para o fazer é preciso estendermos a mão às pessoas de
boa vontade. Temos de começar pela base e explicar aos nossos amigos e
familiares não conservadores e não cristãos porque é que somos pró-vida. O
movimento pró-vida pode não ter a influência política e o financiamento
generoso de que gozam a Planned Parenthood ou a Open Society Foundation de
George Soros. Mas temos uma arma muito mais poderosa: A verdade.
Com os avanços na ciência, tecnologia e medicina, agora
sabemos que o nascituro não é um aglomerado de células. As ondas cerebrais de
um embrião são detetáveis às seis semanas após a concepção, bem dentro dos
prazos legais para o aborto em quase todos os países ocidentais.
Pessoas intelectualmente honestas, que aderem aos
conselhos de Sócrates de seguir as provas, seja para onde for que elas
conduzem, serão levados pela lógica irresistível de que um nascituro é humano
e, por isso, merecedor de protecção legal, independentemente do lado da
barricada política em que se encontram ou do Deus, ou deuses, em que acreditam
ou não acreditam.
O Hinduísmo pode não se opor ao aborto em termos
absolutos (como comprova a legislação extremamente permissiva, que permite a
prática até às 24 semanas nalgumas circunstâncias), mas Mahatma Gandhi, um hindu
revoltado com a hipocrisia dos cristãos que colonizaram o seu país, disse que
para ele era “claro como a luz do dia que o aborto é um crime”.
O falecido Nat Hentoff, crítico de música para o Village
Voice – tudo menos um polo de conservadorismo social – era um judeu ateu
libertário. Mas, sendo intelectualmente honesto, ele via que o aborto era um
mal e opunha-se-lhe activamente. Há muitas mentes que, tal como Gandhi ou
Hentoff, encontram-se em campos diferentes dos cristãos em termos políticos ou
religiosos, mas têm a capacidade de ver o aborto como aquilo que é – se os
informarmos.
Quanto mais pessoas dessas houver, mais pressão haverá
sobre os políticos e a sociedade para condenar o aborto como uma violação dos
direitos humanos mais básicos.
Imaginem que alguém vos dizia: “Pessoalmente, oponho-me
ao tráfico de seres humanos, mas mais vale regulamentar a prática do que
deixá-la acontecer de forma ilegal e insegura. E o Governo não tem nada que se
meter nos assuntos privados dos traficantes. Devem deixá-los tomar as suas
próprias decisões”.
O mais provável é que nunca tenha ouvido ninguém proferir
sofismos deste calibre. Mas a maior parte das pessoas diz coisas muito
semelhantes sobre a matança de humanos nascituros – humanos com cérebros,
coluna vertebral e impressões digitais, que são capazes de sentir dor e,
nalguns casos, de sobreviver fora dos úteros das suas mães.
A recente catástrofe na Irlanda e a tragédia em curso na
Argentina mostram que devemos trabalhar para criar uma sociedade em que o
aborto é visto como sendo tão inaceitável como o tráfico humano, e devemos
pregar não aos convertidos, mas àqueles que, por causa das suas ideias sobre
política ou religião, são nossos companheiros inesperados.
Filip Mazurczak contribui regularmente para o Katolicki Miesięcznik “LIST”.
Os seus textos já apareceram também no First Things, The
European Conservative e Tygodnik Powszechny.
© 2018 The
Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução
contacte: info@frinstitute.org
The Catholic Thing é um fórum de opinião
católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade
dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o
consentimento de The Catholic Thing.
No comments:
Post a Comment