David Carlin |
O tribunal limitou-se a declarar que o tribunal dos
direitos civis do Colorado, que tinha decidido punir o pasteleiro, tinha
revelado um preconceito antirreligioso indevido ao chegar à sua decisão.
Podemos esperar, por isso, que esta questão apareça novamente diante do
Tribunal num futuro não muito distante, a saber, se a cláusula de “livre
exercício” da Primeira Emenda protege lojistas que se recusem a fornecer bens ou serviços porque estão honestamente
convencidos de que seria pecaminoso, ou imoral, fazê-lo.
No mundo anglófono a questão dos direitos de consciência
religiosa data de há muitos séculos, remontando talvez aos Lollardos
(seguidores do padre revoltoso John Wycliffe) no Século XIV. Foi formulado de
forma clara no Século XVII quando, entre outros, Roger Williams e o seu amigo
John Milton argumentaram que os indivíduos, desde que em tudo o resto sejam
cumpridores da lei, têm direito a obedecer às suas consciências, ainda que
essas consciências estejam erradas. Na geração depois da independência essa
visão tornar-se-ia quase universal nos recém-fundados Estados Unidos.
Na América existe uma longa tradição de permitir que os
fiéis de confissões religiosas pacifistas (como os quakers, por exemplo)
obedeçam às suas consciências quando estas lhes pedem que evitem o serviço
militar. Durante a guerra do Vietname o estatuto de objector de consciência era
frequentemente atribuído mesmo a pessoas que não pertenciam a uma religião
pacifista – como por exemplo católicos ou secularistas rigorosos – desde que
apresentassem argumentos convincentes de que tinham uma convicção sincera de
que seria para elas imoral participar nesta guerra em particular.
De tal forma acreditamos na importância da consciência,
ainda que esta esteja errada, que temos estado dispostos a tolerar objectores
de consciência, mesmo quando está em causa o destino da nação.
Mas essa atitude de tolerância parece ter mudado. Muitos
americanos acreditam hoje que a lei deve obrigar pessoas como o pasteleiro do
Colorado a violar as suas consciências. E não é por o destino da nação estar em
perigo. Nem é porque de outra forma este casal homossexual teria de passar sem
bolo de casamento, uma vez que podiam facilmente ter obtido o que queriam
noutra pastelaria ou podiam até ter comprado um bolo não personalizado nesta
pastelaria em particular.
Fico pasmado com esta falta de noção sobre a importância
da consciência. Estas pessoas não compreendem que o direito a obedecer à
consciência é um direito humano fundamental? Talvez o mais fundamental de
todos? Estas são geralmente as mesmas pessoas que pensam que o aborto e as
relações homossexuais são direitos humanos fundamentais. Mas não pensam que
exista um direito fundamental a obedecer sinceramente à consciência? Incrível.
Em que mundo estamos a viver?
Mais me espanta que esta gente não compreenda que a consciência
é um importante bem social. Todos ficamos mais bem servidos quando os nossos
amigos, vizinhos e concidadãos prestam atenção à voz das suas consciências.
Claro que existem consciências demasiado rigorosas, e isso não é algo a
encorajar, mas o mal social causado por uma consciência demasiado rigorosa não
é nada comparado com o mal provocado por consciências demasiado lassas. Uma
sociedade desencorajar a liberdade de consciência é uma loucura. Mas há dezenas
de milhões de americanos dispostos a fazer precisamente isso para tornar o
mundo mais seguro para bolos personalizados para casamentos homossexuais.
Jack Phillips, detentor de consciência |
Vejamos, o que é a consciência? No sentido tradicional do
termo (uma tradição que remonta alguns séculos na língua inglesa) é vista como
uma faculdade de conhecimento moral. Não conseguimos conhecer o bem e o mal da
mesma maneira que conhecemos coisas do mundo material, isto é, através dos
nossos sentidos (vista, audição, toque, etc.). Mas não se preocupem, para além
destas faculdades sensoriais, temos a faculdade de conhecimento moral.
Normalmente chamamos a isto consciência (embora também tenha sido conhecido
como sentido moral).
Muitos secularistas humanistas (ou pós-cristãos, como
também podem ser chamados), não acreditam que exista um sentido não-sensorial
que nos forneça conhecimento moral. Todo o conhecimento, alegam, vem dos
sentidos. As convicções que não vêm dos sentidos não são, por isso,
conhecimento, mas sim sentimentos, preconceitos ou caprichos. Quando as pessoas
dizem, “a minha consciência dita que devo fazer isto, ou aquilo”, o que estão
mesmo a dizer – deste ponto de vista – é “os meus sentimentos, preconceitos ou
caprichos ditam que devo fazer isto, ou aquilo”.
Mas se a consciência não passa disto, então não há
grandes razões para que seja reverenciada. Se é possível alcançar algum bem
social obrigando as pessoas a ignorar as suas consciências, então que se
obrigue.
A maior parte dos que acreditam apaixonadamente no
casamento entre pessoas do mesmo sexo serão provavelmente humanistas seculares
ou pós-cristãos, que por sua vez tenderão a acreditar que não existe nada que
se pareça com uma faculdade especial de conhecimento moral, isto é, qualquer consciência
que mereça respeito e protecção legal. Quem é que pode ficar surpreendido,
então, com o facto de os grandes defensores do casamento homossexual não se
sentirem incomodados com a ideia de impor castigos legais a pasteleiros que,
por razões de consciência, recusem fazer bolos para estes casamentos?
Trata-se de um ponto de vista comum, mas é um ponto de
vista comum que ameaça directamente o núcleo moral de cada um de nós.
David
Carlin é professor de Sociologia e de Filosofia na Community College of Rhode
Island e autor de The Decline
and Fall of the Catholic Church in America
(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 15 de Junho
de 2018 em The Catholic Thing)
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