Wednesday 19 October 2016

Um Cardeal da Perseguição Comunista na Albânia

Ines A. Murzaku
No final do ângelus e da missa que marcou o final do jubileu mariano, no passado domingo, o Papa Francisco surpreendeu ao anunciar um consistório que terá lugar no dia 19 de Novembro, véspera da Solenidade de Cristo Rei e encerramento do Jubileu da Misericórdia. Na mesma ocasião nomeou 17 novos cardeais. As suas escolhas revelam um enfoque na misericórdia e na “periferia”.

O seu esforço para enfatizar a dimensão universal e não apenas ocidental da Igreja é evidente, tendo em conta que a maioria dos novos cardeais vem de fora da Europa, nomeadamente de África, Ásia, América do Sul e Oceânia.

Por exemplo, o Papa nomeou o cardeal Dieudonné Nzapalainga, arcebispo de Bangui, na República Centro-Africana, em cuja catedral Francisco abriu uma Porta Santa, antecipando o início do Jubileu da Misericórdia. Na lista encontram-se ainda o arcebispo de Daca, no Bangladesh e de Port-Louis, nas Maurícias, respectivamente Patrick D’Rozario e Maurice Piat.

Mas entre os quatro novos cardeais com mais de 80 anos, ou seja, homens cuja nomeação é uma honra simbólica, destaca-se o padre Ernest Simoni, de 88 anos, um padre albanês que passou 28 anos numa gulag e que sentiu na pele algumas das piores perseguições religiosas do século XX.

A Albânia é um país pobre e de maioria muçulmana; os católicos são uma minoria de cerca de 10% da população. Ao reconhecer o padre Simoni, Francisco está a mostrar que, mesmo dentro da Europa, existem periferias que a Igreja não pretende esquecer.

Simoni é o segundo cardeal albanês que sofreu perseguição. O primeiro foi o cardeal Mikel Koliqi, que sobreviveu a trinta e oito anos de detenção e trabalhos forçados e foi feito cardeal aos 92 anos pelo Papa João Paulo II no consistório de 1994.

Durante a sua visita à Albânia em 2014, o Papa Francisco emocionou-se com o testemunho de fé daquele país. “Recordando as décadas de sofrimento atroz e de dura perseguição a católicos, ortodoxos e muçulmanos, podemos dizer que a Albânia foi uma terra de mártires: Muitos bispos, padres, religiosos, religiosas e leigos pagaram com a vida pela sua fé”, afirmou Francisco num discurso.

A perseguição na Albânia foi de uma dureza excepcional, mesmo no contexto da Europa de Leste comunista. Entre os mártires vivos que foram apresentados e que cumprimentaram o Papa Francisco encontrava-se o padre Ernest Simoni, que deu um testemunho comovente sobre as quase três décadas que passou nos campos de trabalho. O Papa ficou visivelmente comovido.

Vale a pena recordar a história por detrás deste testemunho pessoal. O conflito entre a Igreja Católica e o Estado Comunista na Albânia pode-se dividir em três fases:

1) 1944-1948 altura em que o Governo aterrorizou e perseguiu crentes e clero;

2) 1949-1967 fase em que o Governo tentou nacionalizar e “albanizar” as religiões do país, e estabelecer uma Igreja Católica Nacional Albanesa, semelhante à Igreja Patriótica criada pela então aliada da Albânia, a China Comunista. Esta fase atingiu o seu ápice quando a Albânia se proclamou o primeiro Estado ateu do mundo;
 
3) 1990 até ao presente, em que a Igreja Albanesa se reergueu depois de décadas de perseguição e martírio.

O padre Simoni foi detido no dia 24 de Dezembro de 1963, depois de ter celebrado Missa do Galo na aldeia de Barbullush, Shköder. Apareceram na sua igreja quatro oficiais da Sigurimi, a polícia secreta albanesa, munidos de ordens de detenção e de execução. “Ataram-me as mãos atrás das costas e começaram a espancar-me enquanto me conduziam até ao carro”, recorda.

Foi levado para interrogatório e mantido em isolamento total e sujeito a torturas insuportáveis durante três meses seguidos. Foi acusado de ter estado a ensinar a sua “filosofia”. Na verdade tinha ensinado aos seus paroquianos que deviam estar prontos a “morrer por Cristo”. Durante os três meses de detenção e interrogatório os seus algozes tentaram obrigá-lo a fornecer provas contra a hierarquia católica e os seus irmãos sacerdotes, mas recusou.

Existe um interessante factor americano nesta perseguição. Uma das acusações contra o padre Simoni era de que tinha celebrado missa por alma do presidente Kennedy, precisamente um mês depois da sua morte. Encontrou-se no seu quarto um caderno com uma imagem do Kennedy, que foi apresentado no tribunal como prova material de… Qualquer coisa.

“Pela graça de Deus, a execução não foi levada a cabo”, contou o padre Simoni. Depois do julgamento, foi condenado a 28 anos de trabalhos forçados, primeiro nas minas e depois como trabalhador sanitário e de esgotos, até à queda do Comunismo, em 1991.

O padre Simoni é o último padre sobrevivente das perseguições na Albânia. O facto de Francisco se ter deixado emocionar pela sua história e de agora o ter feito cardeal significa que, tal como são João Paulo II deu a entender nas celebrações do Terceiro Milénio Cristão em 2000, o actual Papa ainda acredita que ainda há injustiças históricas por recordar… e corrigir.

Tal como muitos dos mártires e confessores modernos, o padre Simoni perdoou publicamente os seus acusadores e perseguidores e rezou repetidamente por eles. Numa entrevista com a Rádio Vaticano, depois de ter recebido as notícias inesperadas de Roma, afirmou: “Sou um servo indigno da Igreja, mas tudo o que fiz foi para Glória de Cristo, da Igreja e do povo da Albânia”.


Ines A. Murzaku é professora de Religião na Universidade de Seton Hall. Tem artigos publicados em várias publicações e livros. O mais recente é “Monasticism in Eastern Europe and the Former Soviet Republics”. Colaborou com vários órgãos de informação, incluindo a Radio Tirana (Albânia) durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a EWTN em Roma durante as revoltas na Europa de Leste dos anos 90, a Voice of America e a Relevant Radio, nos EUA.

(Publicado pela primeira vez no Sábado, 5 de Outubro de 2016 em The Catholic Thing)

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