Ines A. Murzaku |
A Madre Teresa é conhecida em todo o mundo. Mas são
poucos os que sabem da importância dos seus primeiros anos nos Balcãs para a
sua vida posterior. O dia 4 de Setembro de 2016, da sua canonização, será
também, apropriadamente, o Jubileu dos Trabalhadores e dos Voluntários da
Misericórdia. É uma feliz coincidência porque tudo indica que ela se tornará
padroeira de todos os que trabalham e sofrem em nome do amor e da misericórdia
de Deus.
O sofrimento é um factor inevitável da existência humana.
Transcende países e nações, ricos e pobres. O sofrimento humano clama
insistentemente para o mundo do amor humano. E de certa forma o homem deve a
esse sofrimento o amor desinteressado que vive no seu coração e nos seus actos,
como escreveu São João Paulo II na carta apostólica Salvifici Doloris, de 1984.
Madre Teresa vinha daquilo a que o Papa Francisco chama
as periferias e partiu de lá para outras periferias, para uma missão que durou
a vida inteira. Ela compreendia as periferias porque nasceu numa periferia e
familiarizou-se com a realidade e a experiência de vida das pessoas da
periferia de Skopje. É nas periferias, como explicou Yves Congar, que as ideias
e as iniciativas para os grandes movimentos começam.
Não há muito escrito sobre os seus primeiros anos. Agnes “Gonxhe”
Bojaxhiu nasceu em Skopje, actualmente capital da República da Macedónia, no
dia 26 de Agosto de 1910. Gonxhe (uma alcunha que significa “botão de rosa”)
era filha de pais albaneses, Drane e Nikola Bojaxhiu, de Prizren, no Kosovo. Os
católicos albaneses eram uma minoria naquele tempo na Macedónia, onde a maioria
eram ortodoxos ou muçulmanos.
Tinha muito orgulho nas suas raízes albanesas: “De sangue
e de origem, sou albanesa”, disse à imprensa quando recebeu o Nobel da Paz em
1979. As influências familiares tiveram grande importância para a jovem Agnes.
A sua família feliz e próxima, que incluía, para além dos pais, um irmão
(Lazer) e uma irmã (Age), deixou marcas indeléveis no carácter da futura santa.
Nikola era um comerciante bem-sucedido, familiarizado com
a situação política e com as tendências dos Balcãs e do estrangeiro nos anos
entre as duas guerras (ele próprio era nacionalista). A família Bojaxhiu vivia
numa casa grande na praça principal de Skopje. Mas ajudavam os doentes, as
viúvas e as crianças que lhes apareciam à porta. “Egoísmo e o auto-centrismo são
uma doença espiritual”, dizia Nikola. O lema dos Bojaxhius era hospitalidade: A
sua casa estava aberta a Deus bem como às visitas e aos necessitados.
Drane era dona de casa, tinha uma personalidade forte e
era inteiramente dedicada aos filhos, ao marido e à sua fé. Depois da morte
inesperada do seu marido, sob circunstâncias suspeitas (provavelmente envenenado
por razões políticas), Drane trabalhou para sustentar a família. Agnes dizia que
a mãe não falava muito, mas agia imenso.
Estas foram as primeiras lições – de amar de forma activa
e misericordiosa – que a madre Teresa aprenderia da “sua” Skopje, como se
costumava referir à cidade onde nasceu. O Arcebispo de Skopje, Lazer Mjeda, era
um amigo próximo da família e influenciou Agnes de muitas formas. O Arcebispo
levava e partilhava poesia com a família Bojaxhiu. O seu irmão, o padre Ndre
Mjeda, era um poeta albanês proeminente e Agnes ouviu a sua poesia desde muito
cedo.
Os jesuítas que passaram pela comunidade também
impressionaram muito Agnes com o seu zelo pela missão. Os Bojaxhius
peregrinavam anualmente à Nossa Senhora de Letnica, perto de Skopje, no 15 de
Agosto. Foi aos 17 anos, durante uma dessas peregrinações, diante de Nossa
Senhora, que Agnes recebeu o chamamento para ser missionária.
Skopje, na encruzilhada entre os Balcãs e as civilizações, expôs a futura madre Teresa a pessoas de diferentes religiões, etnias, culturas e línguas.
Quando ela nasceu Skopje fazia parte do Império Otomano.
A Albânia, Bósnia, Sérvia etc., que atualmente são Estados independentes, não
existiam. Kosovo era uma divisão administrativa de primeiro nível (yilayet) do
Império Otomano e Skopje fazia parte da província administrativa de Kosovo.
Agnes tinha apenas dois anos quando começaram as guerras
dos Balcãs (1912-1913). As guerras assinalaram o fim do domínio Otomano nos
Balcãs e a divisão da região pela Bulgária, Sérvia e Grécia. A divisão causou
muitos mortos e grande sofrimento humano, incluindo migrações forçadas,
expulsões, limpeza étnica e a deslocação forçada de aldeias, vilas e famílias
inteiras.
Mas o pior ainda estava para vir, durante a I Guerra
Mundial a Macedónia tornou-se um ponto de discórdia entre a Sérvia e a
Bulgária. Agnes testemunhou todo este sofrimento e guerra em primeira mão e
muito cedo. Nos dois anos antes de receber o seu chamamento, passou longos
períodos em retiro e oração profunda, fazendo perguntas existenciais sobre o
sofrimento humano. Foi neste profundo abismo de agonia humana que Agnes
testemunhou Jesus, pela primeira vez, no sofrimento humano.
Nessa periferia perturbada ela experimentou o “toque de
Deus” que marcaria a sua vocação religiosa e a levou a jurar saciar a sede de
Jesus prestando serviço incondicional aos indesejados. Para Agnes, a sede de
Jesus deve ser unida ao desejo infinito de Deus por comunhão com aqueles que
foram criados para amar a Deus.
Foram a sua Skopje e os valores de família albaneses – o
microcosmos dos Balcãs – que prepararam a Madre Teresa para a sua missão na
Índia. Foram estes primeiros anos da sua vida naquela periferia que a
prepararam para ser uma construtora de pontes entre continentes e povos
inteiros.
Ines A. Murzaku é uma nova colaboradora do The Catholic
Thing. É professora de Religião na Universidade de Seton Hall. Tem artigos
publicados em vários artigos e livros. O mais recente é Monasticism in Eastern
Europe and the Former Soviet Republics. Colaborou com vários órgãos de informação,
incluindo a Radio Tirana (Albânia) durante a Guerra Fria; a Rádio Vaticano e a
EWTN em Roma durante as revoltas na Europa de Leste dos anos 90, a Voice of
America e a Relevant Radio, nos EUA.
(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 13 de Julho
de 2016 em The Catholic Thing)
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