Podem perguntar: o que tem a libertação de Gilad Shalit a ver com religião? Respondo que quase tudo o que se passa no Médio Oriente tem alguma coisa a ver com religião.
A troca de mais de mil detidos palestinianos por um soldado israelita levanta dezenas de questões, algumas das quais especificamente religiosas, outras do campo da moral.
Não é por acaso que há rabinos a favor e contra a troca que esta manhã se efectuou. Vejamos algumas das questões que se põem:
É moralmente lícito libertar mil pessoas que, directa ou indirectamente, são responsáveis pela morte de mais de 500 israelitas, em troca de um só soldado?
O que dirão os israelitas se algum dos homens hoje libertado matar mais israelitas no futuro?
Não está Israel a incentivar que mais dos seus soldados sejam raptados?
Os soldados israelitas ficam a saber os sacrifícios que o seu país está disposto a fazer para lhes resgatar, mas por outro lado para quê arriscar a vida a deter militantes palestinianos se estes podem vir a ser libertados passado pouco tempo noutra troca?
Um comentador escrevia hoje no Jerusalem Post que a troca (e esta não foi a primeira vez que se efectuou um acordo deste género) revela a diferença entre Israel e os seus inimigos. É que enquanto Israel considera a vida sagrada e está disposta a fazer grandes sacrifícios para salvar os seus, os seus inimigos louvam a morte e estão dispostos a morrer e a perpetuar uma cultura do martírio para ferir o país judaico. É uma posição interessante, que merece reflexão, na certeza de que, neste conflito pouco ou nada é preto ou branco.
Confesso que tenho uma dúvida diferente, que ainda não vi ninguém discutir. É claro que, do ponto de vista puramente pragmático, a Palestina conseguiu a libertação de mais de um milhar de militantes. São mil pais, irmãos, filhos e filhas que regressam às suas casas. Isto ninguém lhes tira.
Mas ao aceitar este acordo não está o Hamas a aceitar a ideia de que a vida de um israelita vale mais do que a de um palestiniano? Neste caso, mil e tal vezes mais? Haverá esperança para a paz nesta região enquanto o valor da vida de uns for tida como (tão) superior à dos outros?
Quanto vale a vida de um israelita? Israel deu a sua resposta hoje, que não surpreende. Que os palestinianos aceitem, sejam quais forem as vantagens imediatas, são outros quinhentos. Ou mil, neste caso.
Filipe d'Avillez
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