Thursday 11 January 2024

Novo líder da Igreja Siro-Malabar, para tentar resolver a crise

O arcebispo-mor Raphael Thattil toma hoje posse da Igreja Siro-Malabar, na Índia, depois de ter sido eleito pelos 53 bispos que formam o sínodo dessa Igreja católica oriental, que é a segunda maior do mundo, a seguir à Igreja Greco-Católica da Ucrânia.

Thattil não constava das listas dos principais candidatos ao cargo, mas a sua eleição foi bastante rápida, e no mesmo dia pediu, e recebeu, a confirmação de comunhão com o Papa Francisco.

Uma das principais tarefas que terá pela frente, agora, é tentar sanar as enormes divisões que existem dentro da Igreja Siro-Malabar, nomeadamente as resistências à adopção de uma liturgia uniforme para toda a Igreja.

A Igreja Siro-Malabar é autóctone do sul da Índia, nomeadamente de Kerala, e foi fundada alegadamente pelo apóstolo São Tomé. Ao fim de alguns séculos, a definhar e sem bispos, recebeu uma missão de cristãos siríacos da Terra Santa que lhe deram um novo impulso. Os descendentes desses cristãos, que sendo de tradição judaica praticavam a endogamia, ainda existem em Kerala e formam a comunidade Knanaíta, que tem as suas próprias tradições e jurisdições eclesiásticas.

Quando os portugueses chegaram à Índia e se depararam com cristãos locais no sul do país procuraram submetê-los a Roma e forçaram uma série de latinizações. Alguns indianos resistiram e romperam com Roma, formando a Igreja ortodoxa, mas a maioria permaneceu católica.

Ao longo das últimas décadas tem sido feito um grande esforço para retornar às raízes orientais da Igreja, em termos de espiritualidade e liturgia, sobretudo porque se reparou que cada diocese ou paróquia celebrava o rito siro-malabar de forma diferente, nomeadamente no que diz respeito ao posicionamento do sacerdote, que nalguns casos estava voltado para o altar – ad orientem – e noutros estava voltado para a assembleia – ad populum. Depois de anos de trabalho, o sínodo acordou um modo de celebração uniforme em que o padre está voltado para a assembleia, mas durante a liturgia eucarística volta-se para o altar. Todas as dioceses aceitaram a nova liturgia, excepto a diocese de Angalamy, que é precisamente a principal e cujo arcebispo é, por inerência do cargo, o arcebispo-mor da Igreja Siro-Malabar.

Mas não foi apenas uma recusa. A tentativa de obrigar os padres a celebrar a nova liturgia levou a protestos, pancadaria, encerramento de igrejas e da principal catedral da diocese e até à imolação de efígies de cardeais. Chegou-se ao ponto de o Papa gravar uma mensagem a dar como prazo o dia de Natal para os padres revoltosos celebrarem a liturgia uniforme, sob pena de excomunhão. No dia de Natal os padres lá cumpriram o pedido do Papa, mas já deixaram claro que foi uma excepção, e que agora voltarão a celebrar como desejam, que é voltados sempre para a assembleia.

O anterior arcebispo-mor, o cardeal George Alencherry, foi incapaz de intermediar o problema que se passava na sua própria diocese, em larga medida porque já estava a ser alvo de uma investigação policial por vendas polémicas de territórios da Igreja. De mãos atadas e com a sua credibilidade afectada, apresentou a sua demissão ao Papa em Dezembro, que foi prontamente aceite. Tem 78 anos, o que na Igreja latina – a principal da Igreja Católica – é já mais três anos do que a idade da resignação, mas essa regra não se aplica a líderes de Igrejas orientais.

É este o cenário que espera Thattil. Não será uma prova fácil.

Contudo, Thattil parte para esta nova missão com alguns trunfos. Conhece a diocese, embora não seja de lá, e passou os últimos anos como bispo de Shamshabad, que é basicamente uma diocese que abrange todos os cristãos siro-malabares que vivem na Índia, mas fora do território tradicional da Igreja. Na prática, isto traduz-se numa diocese que cobre 23 estados, dois territórios federais e duas ilhas, mas com “apenas” 120 mil fiéis. É, por isso, uma diocese cheia de desafios, e certamente cheia de variedade, pelo que talvez seja a pessoa indicada para conseguir moderar uma crise que radica precisamente na resistência à uniformidade e no apego às tradições próprias.

Como escrevi há duas semanas, a situação na Índia é mais uma dor de cabeça para o Papa Francisco, que está a atravessar talvez o momento mais delicado do seu pontificado, com notórias divisões em várias partes da comunhão católica. Se o arcebispo-mor Thattil conseguir resolver essa questão fará um serviço importante não só à sua Igreja, como à Igreja Católica universal e ao Papa Francisco em particular.

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