Thattil não constava das listas dos principais candidatos
ao cargo, mas a sua eleição foi bastante rápida, e no mesmo dia pediu, e
recebeu, a confirmação de comunhão com o Papa Francisco.
Uma das principais tarefas que terá pela frente, agora, é
tentar sanar as enormes divisões que existem dentro da Igreja Siro-Malabar,
nomeadamente as resistências à adopção de uma liturgia uniforme para toda a Igreja.
A Igreja Siro-Malabar é autóctone do sul da Índia, nomeadamente
de Kerala, e foi fundada alegadamente pelo apóstolo São Tomé. Ao fim de alguns
séculos, a definhar e sem bispos, recebeu uma missão de cristãos siríacos da
Terra Santa que lhe deram um novo impulso. Os descendentes desses cristãos, que
sendo de tradição judaica praticavam a endogamia, ainda existem em Kerala e
formam a comunidade Knanaíta, que tem as suas próprias tradições e jurisdições
eclesiásticas.
Quando os portugueses chegaram à Índia e se depararam com
cristãos locais no sul do país procuraram submetê-los a Roma e forçaram uma série
de latinizações. Alguns indianos resistiram e romperam com Roma, formando a
Igreja ortodoxa, mas a maioria permaneceu católica.
Ao longo das últimas décadas tem sido feito um grande
esforço para retornar às raízes orientais da Igreja, em termos de espiritualidade
e liturgia, sobretudo porque se reparou que cada diocese ou paróquia celebrava
o rito siro-malabar de forma diferente, nomeadamente no que diz respeito ao
posicionamento do sacerdote, que nalguns casos estava voltado para o altar – ad
orientem – e noutros estava voltado para a assembleia – ad populum. Depois
de anos de trabalho, o sínodo acordou um modo de celebração uniforme em que o
padre está voltado para a assembleia, mas durante a liturgia eucarística
volta-se para o altar. Todas as dioceses aceitaram a nova liturgia, excepto a
diocese de Angalamy, que é precisamente a principal e cujo arcebispo é, por
inerência do cargo, o arcebispo-mor da Igreja Siro-Malabar.
Mas não foi apenas uma recusa. A tentativa de obrigar os
padres a celebrar a nova liturgia levou a protestos, pancadaria, encerramento
de igrejas e da principal catedral da diocese e até à imolação de efígies de
cardeais. Chegou-se ao ponto de o Papa gravar uma mensagem a dar como prazo o
dia de Natal para os padres revoltosos celebrarem a liturgia uniforme, sob pena
de excomunhão. No dia de Natal os padres lá cumpriram o pedido do Papa, mas já
deixaram claro que foi uma excepção, e que agora voltarão a celebrar como desejam,
que é voltados sempre para a assembleia.
O anterior arcebispo-mor, o cardeal George Alencherry, foi
incapaz de intermediar o problema que se passava na sua própria diocese, em
larga medida porque já estava a ser alvo de uma investigação policial por
vendas polémicas de territórios da Igreja. De mãos atadas e com a sua
credibilidade afectada, apresentou a sua demissão ao Papa em Dezembro, que foi
prontamente aceite. Tem 78 anos, o que na Igreja latina – a principal da Igreja
Católica – é já mais três anos do que a idade da resignação, mas essa regra não
se aplica a líderes de Igrejas orientais.
É este o cenário que espera Thattil. Não será uma prova fácil.
Contudo, Thattil parte para esta nova missão com alguns
trunfos. Conhece a diocese, embora não seja de lá, e passou os últimos anos
como bispo de Shamshabad, que é basicamente uma diocese que abrange todos os
cristãos siro-malabares que vivem na Índia, mas fora do território tradicional
da Igreja. Na prática, isto traduz-se numa diocese que cobre 23 estados, dois
territórios federais e duas ilhas, mas com “apenas” 120 mil fiéis. É, por isso,
uma diocese cheia de desafios, e certamente cheia de variedade, pelo que talvez
seja a pessoa indicada para conseguir moderar uma crise que radica precisamente
na resistência à uniformidade e no apego às tradições próprias.
Como escrevi há duas semanas, a situação na Índia é mais uma dor de cabeça para o Papa Francisco, que está a atravessar talvez o momento mais delicado do seu pontificado, com notórias divisões em várias partes da comunhão católica. Se o arcebispo-mor Thattil conseguir resolver essa questão fará um serviço importante não só à sua Igreja, como à Igreja Católica universal e ao Papa Francisco em particular.
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